"Rastros
de Ódio", de John Ford (1956)
Em The Searchers, de John Ford (1956), Ethan Edwards,
representado por John Wayne, é um soldado durão,
indomável, veterano do exército confederado, que
visita seu irmão Aaron e sua cunhada no Texas de 1868,
após dois anos do fim da Guerra da Secessão. Logo
após sua chegada, a casa é atacada por índios
comanches, que matam seu irmão, cunhada, sobrinho e raptaram
sua sobrinha caçula (Debbie). A partir daí, ele
e um sobrinho mestiço adotado, Martin Pawley (representado
por Jeffrey Hunter) começam uma caçada de vingança
que dura anos a procura de Debbie, e dos índios comanches
que a seqüestraram. Como observa Martin Scorsese em seu
livro “Uma viagem pessoal pelo cinema americano”
(CosacNaify, 2004), existe uma evolução na persona
heróica de John Wayne de Stagecoach
à Rastros de Ódio, passando por Legião
Indomável: “O Ringo Kid de No tempo
das diligências (1939) evolui primeiro para a figura
do pai benevolente de Legião Indomável
(1949). Em seguida, Ford o transforma em Ethan Edwards, o desajustado
de Rastros de Ódio (1956), que volta para casa
depois de anos de nomadismo e descobre que seus entes queridos
foram massacrados pelos índios”. Em The Searchers,
o herói de John Ford tornou-se uma persona sombria e
obsessiva. Diz Scorsese: “A morte física do índio
não é o bastante. Ethan quer certificar-se também
de sua morte espiritual.” Ethan odeia os Comanches, e
seu objetivo não é salvar a sobrinha (que aos
16 anos é interpretada por Natalie Wood), mas matar seus
captores e ela própria. Depois de tanto tempo (a caçada
dura cinco anos), Debbie, acredita, tornou-se um deles. Em The
Searchers, os índios, povos derrotados, espoliados
de suas terras pelos brancos, são apresentados como maus,
cruéis e selvagens. Por outro lado, o herói americano,
é um homem solitário, desajustado, amargurado
e cheio de ódio e rancor. Diz Scorsese: “Ethan
Edwards é o personagem mais assustador do filme.”
Ora, o western é a representação
filmica da mitologia imperialista dos EUA. Nunca um gênero
do cinema conseguiu representar tão bem a ideologia primordial
de uma Nação. A evolução da persona
heróica de John Wayne na trilogia supracitada, dirigida
por John Ford, talvez seja a projeção estética
da própria evolução do protagonismo geopolítico
dos EUA diante do mundo. De Stagecoach a The Searchers
se passaram quase vinte anos. Estamos diante de quase um outro
país. Com certeza, o herói fordiano não
poderia ser o mesmo. Um detalhe: a cavalaria yankee
não se destaca na narrativa de The Searchers,
mas sim a ação heróica de Ethan Edwards
ou dos The Rangers, milicia civil organizada no Texas.
A dica são os comentários de Damian Cannon no
site inglês da Movie
Reviews. [topo]
(2005)
"Roma,
Cidade Aberta", de
Roberto Rosselini (1945)
Drama
de resistência à ocupação nazista
em Roma, na II Guerra Mundial. Giorgio Manfredi ou Luigi Ferrari
é um líder comunista da Resistência Italiana,
que foge da Gestapo, escondendo-se no apartamento de Pina, interpretado
por Anna Magnani, e depois, no apartamento de sua amante, Marina
Mari, que lhe trai, entregando-o aos nazistas. Giorgio é
preso junto com Dom Pietro Pellegrini (interpretado por Aldo
Fabrizi), padre que colabora com a Resistência italiana,
e com Francesco, noivo de Pina, também membro da Resistência.
Entre 1943 e 1944, Roma sob ocupação nazista é
declarada “cidade aberta” para evitar bombardeios
aéreos. Roma, Citta Aperta, é um drama
de escolhas morais em tempos difíceis (tema-chave dos
filmes neorealistas italianos). Antes de ser um drama político,
é um drama moral de alta intensidade. Rosselini nos mostra
personagens italianos fortes e frágeis, uns capazes de
resistir não apenas à escassez e a fome (como
é o caso de Pina), mas à tortura e serem condenados
à morte (como Giorgio Manfredi ou Luigi Ferrari, Francesco,
ou Dom Pietro); e outros, seduzidos pela vida de conforto, colaboram
com o inimigo nazista (como é o caso da jovem Marina
Mari, amante do líder da resistência). O roteiro
é de Sérgio Amidei e Federico Fellini (em começo
de carreira). [topo]
(2005)
"Robôs",
de Carlos Saldanha e Chris Wedge (2005)
Rodney,
filho do casal Lataria, é um jovem robô empreendedor
que vive no subúrbio de Robópolis e que desde
cedo demonstra aptidão para as invenções.
Ele sonha em trabalhar com um poderoso inventor conhecido como
Big Weld (Grande Soldador). Por isso, decide visitá-lo
para mostrar a ele suas idéias. No entanto, ele descobre
que quem manda agora é Dom Aço, que pretende fazer
um upgrade das máquinas. Quem não tiver
dinheiro para se modernizar, sai de circulação
e vai para o ferro velho. Em Robopólis, Rodney irá
encontrar novos amigos e conhecer uma gangue de máquinas
excluídas da sociedade. Manivela, seu récem-amigo,
assim como o pai de Rodney, está ficando velho, e já
não encontram mais peças para reposição.
Finalmente, Rodney e amigos decidem fazer justiça com
as próprias mãos e libertar o Grande Soldador,
que descobrem ser refém de Dom Aço. Ao assumir
novamente o controle de sua corporação industrial,
o Grande Soldador poderá voltar a fabricar peças
sobressalentes para as máquinas ultrapassadas pela inovação
tecnológica e ameaçadas de irem parar no ferro
velho. Em Robôs, Dom Aço é a expressão
do "capitalismo selvagem" - ou melhor, do capital
financeiro (que predomina hoje, sob o capitalismo global) e
que só visa o lucro e a descartabilidade. Por outro lado,
o Grande Soldador aparece como a representação
do "capitalismo social" que busca repor as energias
perdidas e não fazer meramente o upgrade. Robôs
é dirigido por Chris Wedge e pelo brasileiro Carlos Saldanha
(o mesmo time de A Era do Gelo). É uma fantasia
dos riscos da alucinada inovação tecnológica
que ameaça, com a desvalorização persistente,
o mundo dos homens (que aparecem invertidos como robôs).
Mas a culpa da obsolescência planejada, prática
comum das corporações industriais, é atribuída
a um executivo malvado e corrupto e não a um modo de
produção social, o capitalismo, que possui, em
si, a lógica da produção destrutiva. Deste
modo, uma animação tão sofisticada e bem
trabalhada, muitas vezes é desperdiçada num roteiro
tão pouco ousado e criativo. É claro que no subtexto
do filme, existe uma crítica sutil à "sociedade
de consumo", à modernização desenfreada,
ou até uma discreta crítica ao sistema ditatorial
de Hollywood, onde o que conta é a juventude e a beleza
(por isso, tantas ‘estrelas’ se submetem ao bisturi,
ou seja, o upgrade). Entretanto, faltou-lhe ousadia
em sugerir algo para além da luta do Bem contra o Mal
ou de um suposto "capitalismo social" (Grande Soldador),
aquele que solda o compromisso social, contra um capitalismo
Selvagem... É visível o excesso de referências
à cultura pop, como O Espanta Tubarões,
Cantando na Chuva e 2001: Uma Odisséia no
Espaço. Além disso, nota-se que o visual
do filme parece ter sido inspirado na cultura tecnológica
dos anos 1950, época em que os eletrodomésticos
começaram a se tornar popular; por isso os personagens
até têm a cara dessas parafernálias. [topo]
(2005)
“Os
Rebeldes”, de
Mark Rydell (1969)
Baseado
no romance de William Faulkner, The Reivers conta a
aventura muito bem-humorada, ambientada no interior do Mississipi,
na antiga década de 1900, de Boon, personagem interpretado
por Steve McQueen, ajudante temporário de um médico
(Will Geer), que "pega emprestado" o novo automóvel
de seu patrão, um espetacular Winton Flyer amarelo, e
se manda para Memphis. Na companhia dele está Ned (Rupert
Crosse), um empregado negro e Lucius, um ingênuo menino
de 12 anos, em vias de perder sua inocência. Os três
"larápios" se metem numa louca fuga que irá
levá-los a vários lugares, de um bordel à
uma espetacular corrida de cavalos, onde Lucius tem que montar
um garanhão e ganhar, se quiser recuperar o carrão
que Ned trocou por um cavalo. Com uma fabulosa trilha sonora
de John Williams, The Reivers é uma comédia
sentimental, apresentada como reminiscências encantadora
e nostálgica do jovem Lucius. Por um lado, o filme consegue
expor com graça a perda da inocência do menino
Lucius, e, por outro lado, a presença deslumbrante da
modernidade-máquina no interior dos EUA, marcado ainda
pelos traços provincianos (a presença do Winton
Flyer e dos postes de eletricidade indicam a chegada irremediável
do progresso). [topo]
(2006)
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