"No
Tempo das Diligências", de John Ford (1939)
Stagecoach, de John Ford é o clássico
primordial do western. Produzido em 1939, relançou
o gênero em alto estilo, obtendo várias estatuetas
do Oscar de Hollywood. Uma diligência atravessa o interior
o Arizona rumo ao Novo México, território Apache,
levando a prostituta Dallas (Claire Trevor), expulsa da cidade
de Tonto (Arizona) por um bando de matronas indignadas; Doc
Boone (Thomas Mitchel), o médico bêbado; Henry
Gatewood (Berton Churchill), o banqueiro que rouba o banco;
a esnobe senhora Lucy Mallory (Louise Platt), grávida,
viajando ao encontro do marido, oficial do Exército;
Hatfield (John Carradine), o jogador Confederado; Samuel Peacock
(Donald Meek), o vendedor de uísque; o xerife Curley
Wilcox (George Bancroft); e o cocheiro Buck Rickabaugh (Andy
Devine). Com eles, Ringo Kid (John Wayne), o pistoleiro que
fugiu da cadeia para vingar a morte do irmão e do pai.
Stagecoach é a epopéia do velho Oeste através
de uma viagem de diligência, tendo como background
a majestosa paisagem do Monument Valley e a constante
ameaça dos índios Apaches. Mas, o que é
intenso em Stagecoach, mais que as cenas de ação,
próprias dos bang-bang, é o delineamento
primoroso dos tipos de classes sociais, seus preconceitos, sonhos
e ilusões. Em Stagecoach, o conceito de classe
social assume magnitude heurística, inclusive tornando
claro os traços idiossincráticos dos personagens
típicos. Neste filme de John Ford, temos a síntese
magistral das personas de classe da América
nascente. No decorrer da perigosa travessia, Ford apresenta
o drama social das fronteiras da grande civilização
do capital, que são os EUA, em sua forma pura. E mais
do que nunca, a análise de classe é imprescindível
para explicitar, em seus detalhes sócio-psicológicos
(e históricos), os meandros complexos de uma narrativa
tão simples. [topo]
(2004)
Uma
Noite na Ópera, de Sam Wood (1935)
Um
astuto empresário, interpretado por Groucho Marx, e seus
dois amigos amalucados (Harpo e Chico Marx), resolvem ajudar
um jovem casal de cantores líricos apaixonados a fazerem
sucesso na Ópera de Nova York. Atrapalham os planos do
esnobe e presunçoso canto lírico Rododlfo Lasparrri
e de seu agente, Herman Gottlieb. A Night at the Opera
é uma comédia clássica dos Irmãos
Marx de 1935, o primeiro de sua fase na MGM. Irreverência
anárquica e ironia ácida contra os costumes e
a mediocridade social da América high society.
A cena do contrato (a clausula de sanidade), a da cabine no
navio (onde sempre cabe mais um...), e a cena da Opera (onde
Harpo e Chico implantam a desordem geral), são gags magistrais,
de um humor galhofeiro, non-sense, anárquico
e ácido contra os rituais hipócritas da high
society da burguesia. Atentando contra os pilares da propriedade
privada (o que é mais sagrado que um contrato?) e a hierarquia
social (o que é mais hierarquizado que uma Orquestra
Sinfônica?), os Irmãos Marx desencantam com humor
anárquico o modus operandi do metabolismo social
do capital. Talvez o vínculo com anseios e humor popular
dos Irmãos Marx seja herança das raízes
proletário-popular da comédia vaudeville
do começo do século XX.[topo]
(2005)
"A
Nós A Liberdade", de René Clair (1931)
Louis,
interpretado por Henri Marchand, consegue fugir do presídio,
com a ajuda do amigo Émile (Raymond Cordy). Torna-se
um rico industrial do ramo fonográfico. Anos depois,
ao ser libertado, Émile, por acaso, vai trabalhar na
fábrica de Louis. Com a ajuda do velho amigo, ele busca
se aproximar da sua amada, a jovem Jeanne (Rolla France), empregada
de escritório da fábrica. Entretanto, ela ama
outro operário. O desenlace narrativo ocorre quando Louis
é chantageado por causa de seu passado. Finalmente, ele
decide voltar, com o amigo Émile, à vida de liberdade
e companheirismo. Filme clássico de René Clair,
que expressa uma critica aguda à vida burguesa, baseada
no trabalho estranhado e na negação do ócio.
O filme trata também do significado do progresso técnico
e da ideologia do amor romântico, uma das ideologias da
modernidade do capital. Em A Nous la Liberte, Émile
e Louis são vagabundos, the tramp de Chaplin, que cultivam
valores pré-modernos, da liberdade e do companheirismo.
Clair expõe a lógica da sociedade do trabalho
estranhado, suas impostações factuais, que alienam
os homens do verdadeiro sentido da vida. Em A Nous la Liberte,
a linha de montagem está no presídio e na fábrica,
consumindo tempo de vida de homens e mulheres. Na verdade, é
contra a expansividade do capital e da ideologia do trabalho
estranhado que René Clair se manifesta em A Nous
la Liberte. Em 1931, imerso na depressão capitalista,
a critica do salariato e do estilo de vida burguês assume,
com Clair, no cinema, seu ápice. É importante
destacar que, na mesma época, o alemão Ernst Jaeger
escrevia O Trabalhador, uma ode ao trabalho, base da
civilização do capital. O que significa que Clair
com A Nous la Liberte está envolvida numa luta
ideológica contra as disposições do sistema
do capital. Talvez inspirado em Clair, Chaplin iria produzir,
anos depois, seu Tempos Modernos. O vagabundo de Chaplin e o
Émile e Louis de Clair são da mesma estirpe –
são anti-heróis problemáticos, personagens
pré-modernos, quase Quixotes contra o avanço alucinante
da modernização capitalista, que teve seu impulso
maior na década de 1920. É interessante que Émile
e Louis não apenas proclamam o velho ócio, das
sociedades pré-industriais, imersas no ritmo da natureza,
mas as possibilidades do novo ócio, baseado nos avanços
das máquinas, que poderiam colocar, pelo menos, a possibilidade
de liberação dos homens do trabalho estranhado
(o que exigiria a abolição do capital como propriedade
privada e divisão hierárquica do trabalho). Clair
é visionário ao vincular a ideologia do amor romântico,
escape furtivo à banalidade do cotidiano capitalista,
com a indústria fonográfica, ou seja, um tipo
de indústria cultural, a fábrica dos sonhos. [topo]
(2005)
"O
Náufrago", de Robert Zemeckis (2000)
Chuck
Noland (interpretado por Tom Hanks) é um inspetor da
Federal Express (FedEx), empresa multinacional de entrega
de cargas e correspondências, que tem por função
checar vários escritórios da empresa pelo globo.
Numa de suas viagens ocorre um trágico acidente de avião.
Chuck, único sobrevivente, fica preso em uma ilha deserta
do Oceano Pacífico, por quatro anos. Ele terá
que lutar para sobreviver e se adaptar à solidão
na ilha deserta. Nesse ínterim, sua noiva (Helen Hunt)
e seus amigos imaginam que ele morrera no acidente de avião.
Em Cast Away, Zemeckis expõe um personagem obcecado
pelos constrangimentos do sistema do capital em sua época
de globalização. Em certo momento, Chuck Noland,
executivo da FedEx, nos diz: “O tempo nos controla sem
piedade...”. A escolha da Federal Express é sintomática
pois ela tipifica a multinacional da globalização,
onde a abolição do espaço através
da redução do tempo é sua constante obsessão.
Como empresa de entregas, a FedEx Noland expressa tal liturgia
do capital e Chuck Nolland é seu sacerdote supremo. É
um personagem imerso no tempo constrangido do capital. Não
possui tempo para cuidar de si. Em Cast Away se sugere
que a globalização se constituiu, de fato, com
a derrocada do Leste Europeu e a dissolução da
União Soviética. É na Rússia capitalista
que Nolland irá catequizar os empregados da FedEx na
lógica do capital. O seu discurso no escritório
da FedEx em Moscou é típico desta nova era histórica.
O ponto de inflexão decisivo é o acidente aéreo.
Ao sobreviver e ficar preso na ilha deserta, tal qual um Robinson
Cruso é pós-moderno, Nolland se depara com outro
mundo estranhado, o da Natureza inóspita, que o oprime
e sufoca (na verdade, é uma outra Natureza que está
diante de Chuck Nolland). Na ilha deserta, diz ele, “não
podia nem me matar como eu queria. “E arremata: “Não
tinha poder sobre nada”. Entretanto, Nolland tinha todo
o tempo do mundo. Naquele local inóspito, descobre a
categoria do trabalho. Entretanto, ele não parte do nada.
É obrigado a produzir, a partir de restos da civilização,
isto é, destroços do avião acidentado,
meios de sobrevivência material. A imagem da noiva num
relógio de estimação e uma bola de voleibol
transformada numa caricatura de rosto humano, tornam-se seus
objetos fetichizados, consolo para seus dias de solidão
e impotência. Nolland consegue sobreviver e escapar da
ilha deserta. Retorna para a civilização do capital.
Torna-se exemplo de persistência e esperança. Perdeu
a noiva, que se casou com outro, constituindo família.
Mas aprende a não entrar em desespero. Na verdade, Cast
Away possui uma lição de vida. Sugere que,
entre as duas Naturezas, a Natureza do capital e a Natureza
da Ilha deserta, só nos resta acreditar na maré.
Afinal, apesar das tragédias do cotidiano, das crises
da globalziação e das pequenas fatalidades, “quem
sabe o que a maré poderá trazer?”. [topo]
(2005)
“Nós,
As Mulheres”, de Luchino Visconti,
Roberto Rossellini, Luigi Zampa, Alfredo Guarini
e Gianni Franciolini (1953)
O
grande roteirista Cesare Zavattini idealizou, em 1953, um filme
dividido em episódios que mostra atrizes famosas interpretando
a si mesmas em situações cotidianas: "Quatro
atrizes: Uma Esperança" de Alfredo Guarini, mostra
os bastidores de um concurso de moças que sonham em se
tornarem em atrizes de cinema. "Alida Valli" de Gianni
Franciolini, onde a atriz Alida Valli demonstra sua insatisfação
com o vazio da vida de estrelato (vide foto acima, numa crise
de nostalgia). "Ingrid Bergman" de Roberto Rossellini,
com a atriz Ingrid Bergman, mostrada em suas atividades cotidianas,
com destaque para sua obsessão em perseguir um galo que
está destruindo suas plantas. "Isa Miranda"
de Luigi Zampa, onde a atriz Isa Miranda, uma das deusas do
cinema italiano da época fascista, lamenta o fato de
ter abdicado à maternidade, para se dedicar à
carreira de atriz. E finalmente, "Anna Magnani" de
Luchino Visconti, onde a talentosa atriz Anna Magnani briga
com um taxista, por causa de seu cachorrinho de estimação.
O filme retrata por um lado, a busca alucinada pelo estrelato
("Quatro Atrizes: Uma Esperança") e por outro,
a falta de sentido do estrelato na sociedade burguesa. Na verdade,
a vida de sucesso parece ser tão glamourosa, quanto vazia
(é o caso dos episodios "Alida Valli" e "Isa
Miranda"). A falta de sentido se traduz não apenas
em situações de nostalgia e melancolia (como,
por exemplo, a solitária Isa indo buscar na família
proletária um modelo de vida plena de sentido), mas em
situações ridiculas do cotidiano (a perseguiçào
de Ingrid a uma galinha ou a discussão de Anna em defesa
de seu cachorrinho). Neste mesmo ano de 1953, Cesare Zavattini
lançou outro filme de autores, dividido em episódios,
intitulado "Amor na Cidade".
[topo]
(2006)
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