Sinopses de Filmes

A
"Alexandre, o Grande", de Oliver Stone (2004)
"O Abominável Dr. Phibes", de Robert Fuest (1971)
"O Adversário", de Nicole Garcia (2002)
“O Atalante”, de Jean Vigo (1934)
“Um Assaltante Bem Trapalhão”, de Woody Allen (1969)
“O Assalto Ao Trem Pagador”,
de Roberto Farias (1962)
“O Amor Na Cidade”, de Carlo Lizzani e outros (1953)
“Anos de Rebeldia”, de Dennis Hopper (1980)
“A Agenda”, de Laurent Cantet (2001)

 

 

 

 

 

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"Alexandre", de Oliver Stone (2004)


Neste épico histórico, Oliver Stone nos apresenta a vida e glória de Alexandre, o Grande, sua infância e adolescência (instruído por Aristóteles); sua assunção ao trono da Macedônia, após o assassinato do seu pai, o Rei Felipe, o Caolho. Aos poucos, vislumbramos sua ânsia de conquistar o mundo, com a vitória sobre Dario, o Persa, na batalha de Gaugamela; a conquista da Babilônia e sua incursão expansionista através da Ásia Menor e Índia. O que Stone nos apresenta em Alexander, é um Alexandre intrépido, verdadeiro espírito globalista, que busca expandir os valores do helenismo e atingir os limites do mundo. Alexandre enfrenta a incompreensão dos pares, imersos em sentimentos paroquiais e ambições mesquinhas. Oliver Stone, que escreveu o roteiro juntamente com Christopher Kyle e Laeta Kalogridis, relata a história através dos olhos envelhecidos de Ptolomeu (interpretado por Anthony Hopkins, grisalho e de túnica branca), general-historiador, que foi general-confidente de Alexandre e está ditando suas memórias na Biblioteca de Alexandria. O diretor e roteirista Stone fez uma escolha problemática: optou por dar um enfoque psicológico exagerado ao personagem heróico, mais do que em destacar o sentido histórico-politico de suas atividades expansionistas (Alexandre contribuiu para abrir os horizontes do comércio da Antiguidade ao expandir as fronteiras do helenismo para o Oriente próximo). Talvez por isso, a ênfase em sua dimensão existencial: o bissexualismo, destacado em demasia através de seu relacionamento intenso com seu amigo de infância Hephaistion; e a relação de amor e ódio com a mãe Olympia, interpretada por Angelina Jolie (até sugerindo uma estranha explicação psicológica para sua ânsia expansionista: a fuga íntima de Alexandre da matriarca dominadora). Entretanto, o importante seria apreendermos a mensagem do filme para o nosso tempo, tempos de crise estrutural do capital e de impasses geopolíticos (e culturais) do Ocidente expansionista. Talvez o Alexandre de Oliver Stone, interpretado por Colin Farrel, seja o Alexandre da “globalização”, tão intrépido, quanto frágil, com sua glória contingente sendo uma alegoria complexa dos impasses expansionistas da civilização do capital (por exemplo, a candente questão do “choque de civilizações”, Ocidente versus Oriente, que está colocada no cenário da geopolítica mundial hoje, está pressuposta na narrativa histórica de Alexandre). Afinal, uma das formas de compreendermos o tempo presente, seria elaborarmos interpretações sobre o tempo passado. Drama histórico com destaque para cenografia exuberante das batalhas da Antiguidade.[topo]
(2004)

 

"O Abominável Dr. Phibes", de Robert Fuest (1971)

 


Neste filme de horror e mistério, dirigido por Robert Fuest, Vincent Price é Anton Phibes, organicista e teólogo que busca se vingar de nove médicos da alta classe média londrina que ele considera responsáveis pela morte de sua adorável esposa, Victoria Regina, durante operação cirúrgica. Para sua abominável vingança, Phibes, acompanhado por Vulnavia, sua colaboradora dedicada e silenciosa, se inspira em motivos biblicos: as dez pragas do Egito. De certo modo, o filme, que é de 1971, é uma critica sutil a uma das profissões de maior prestigio no mundo burguês (a de médico). Um detalhe: o nome do cirurgião-chefe, acusado por Phibes de ser o responsável pela morte da esposa é Dr. Vesalius (Andréas Vesalius foi anatomista e cirurgião belga do século XVI responsável pela modernização dos mapas da anatomia do corpo humano). É também uma crítica mordaz à instituição policial, no caso, a Scotland Yard, que, no decorrer do filme é totalmente incapaz de encontrar (e impedir) os misteriosos assassinatos (o inspetor Trout é hilariante em sua inglória perseguição à Phibes, inclusive nos lembrando Peter Sellers em seu hilário papel como Inspetor Closeau). É importante salientar que The Abominable Dr. Phibes foi produzido no começo da década de 1970, época de crise geral do mundo burguês. Entretanto, sua trama narrativa se passa na Inglaterra dos anos 1930, outra década de crise geral da civilização do capital. [topo]

(2004)

"O Adversário", de Nicole Garcia (2002)

 

Jean-Marc Faure (interpretado por Daniel Auteuil), durante 20 anos, enganou todas as pessoas à sua volta, inclusive esposa e filhos. Mentiu sobre ter se formado médico, sobre seu trabalho, sua rotina. Todos os dias, dizia sair para o trabalho na OMS (Organização Mundial da Saúde), quando, na verdade, passava o tempo dentro do carro, dissimulando sua inatividade. Para conseguir dinheiro, Jean-Marc enganava alguns amigos e até o sogro dizendo que investiria as economias deles na Suíça, o que não acontecia, claro. Quando a farsa começa a se manifestar, Jean-Marc decide eliminar seus entes queridos (mulher, filhos, pai e mãe e inclusive a amante). O filme L ‘Adversaire baseou-se em fato verídico. Um assassinato múltiplo aconteceu na França em 1993 e inspirou o livro homônimo de Emmanuel Carrère que trata de um fait divers revelado de forma chocante numa manhã de neve de Janeiro de 1993: Jean-Claude Romand assassinou a mulher, os filhos e os pais, antes de tentar (e falhar) matar-se. As investigações mostraram que não era o médico que durante 18 anos dissera ser; que a sua vida não era a que ele dizia ser, já que não tinha profissão, nem colaborava para as organizações internacionais em Genebra como afirmava, e que ficcionava de forma laboriosa todas as viagens e demais práticas do seu cotidiano. Nunca ninguém, nem a mulher, desconfiou. Como não queria decepcionar, Romand matou a família antes de a sua (trágica) impostura ser descoberta. O filme é um drama angustiante sobre como podemos perder o controle das mentiras que contamos, dos caminhos que escolhemos e, principalmente, de nossa própria vida. Jean-Marc criou uma armadilha para si. Ele era o adversário de si mesmo. De certo modo, expõe a impostura do trabalho assalariado no sistema global do capital. Apesar do mundo burguês se basear na ética da produção e do trabalho, e por conseguinte, nos ideais de carreira profissional, ele tende a negar a plena efetividade destes valores sociais. No mundo da financeirização, o ideal de emprego e de profissão tendem a serem desefetivados. Na verdade, a tragédia de Jean-Marc é a metáfora da suprema contradição do capital como sistema de metabolismo social. A sociedade burguesa exige e nega, ao mesmo tempo, a implicação pessoal com o emprego e a organização do tempo de vida a partir do tempo de trabalho. Na verdade, o drama do desemprego estrutural expõe a verdade da impostura da "sociedade do trabalho". Em certo momento do filme Jean-Marc diz: "Não sei como chegamos a isso". Antes, em 2001, no fime “A Agenda” (Time Out), Laurent Cantet iria expor a indiginidade do desemprego, utilizando a tragedia de Jean-Claude Romand como seu argumento-chave. [topo]
(2005)

“O Atalante”, de Jean Vigo (1934)

 

Jean (interpretado por Jean Dasté), comandante de um pequeno barco comercial, e Juliette (Dita Parlo), uma linda moça de uma cidadezinha de província, se casam. Eles passarão sua lua-de-mel no barco Atalante, que irá até Paris. O Atalante é guiado pelo pitoresco (e experiente) marinheiro Tio Jules (Michel Simon), que tem como ajudante um jovem desajeitado. Ao chegar em Paris, uma intensa vontade de conhecer a vida da cidade grande torna Juliette um tanto impaciente, sobretudo se considerarmos o tédio da vida cotidiana num barco. Atiçada pelos flertes de um vendedor de rua e cansada dos adiamentos que o marido faz em levá-la para visitar Paris, Juliette decide abandonar, secretamente, o barco à noite. Quando descobre a fuga da esposa, Jean, acometido de ciúmes, decide partir imediatamente com o barco, deixando Juliette perdida em terra firme. Separados e sob o risco de nunca mais se verem, os dois precisarão pôr à prova o amor que sentem. Clássico do lendário diretor Jean Vigo, que demonstra a vulnerabilidade do amor aos apelos da vida moderna. Apesar de Juliette ser apaixonada por Jean, o apelo glamouroso da modernidade e o tédio da nova vida de casal no pequeno barco conseguem precarizar o amor que ela sente. Na foto acima, a expressão de deslumbramento da jovem provinciana Juliette diante das vitrines comerciais e da agitação moderna de Paris. Em L’Atalant, Vigo expõe a fluidez e contingência da vida amorosa no mundo burguês. Assim, nesta curta viagem do Atalante, Jules e Juliette conhecerão a felicidade, a tristeza, o ciúme, a perda e o reencontro do amor.[topo]
(2005)

 

“Um Assaltante Bem Trapalhão”, de Woody Allen (1969)

 

Primeiro filme do cineasta Woody Allen, no papel de Virgil Starkwell, criminoso incompetente e desastrado. Seu complexo de inferioridade é tão forte, que o único jeito de vence-lo foi virar assaltante. Mas, desastrado, acaba sempre na prisão. Quando consegue liberdade condicional, conhece e se apaixona por Louisse (Janet Margolin), empregada de uma lavanderia. Pensa em mudar de vida e casar, mas não consegue abandonar a vida de assaltante. No estilo de documentário, que Allen utilizaria mais tarde em "Zelig"(1983), o cineasta descreve a infância e adolescência do jovem Virgil, sua fracassada carreira musical e suas obsessões por roubos a banco. O filme se utiliza de narração em off, entrevistando a família de Virgil Sarkhwell, seus amigos e conhecidos. Através de seu humor mordaz e uma série de “gags” inteligentes (por exemplo, a cena da pistola feita de sabonete, que se dissolve na chuva; a entrevista com a família de Virgil, que se esconde atrás de máscaras; e o assalto em que o caixa do banco não entende a letra do bilhete escrito por Virgil), Woody Allen faz, em Take the money and run, uma critica sutil ao American dream e seus ideais de individualidade heróica. Na verdade, Virgil Starkwell é, de certo modo, um Carlitos neurótico, solitário e confuso, totalmente incapaz de se adaptar ao sistema social vigente. Por isso sua escolha tragico (e comica) pela criminalidade. Ao apresentar, com humor mordaz, a individualidade heróica às avessas, Woody Allen desconcerta os valores clássicos do mundo burguês, baseado nos ideais de trabalho, amor romântico e familia. Ao ser um típico fracassado, numa sociedade baseada nos ideais de sucesso, Virgil expressa os descaminhos da individualidade burguesa numa época de crise estrutural do metabolismo social do capital. [topo]
(2005)

 

“O Assalto Ao Trem Pagador”, de Roberto Farias (1962)

 

Filme clássico do cinema brasileiro. No interior do Estado do Rio de Janeiro, em 14 de junho de 1960, cinco mascarados armados de metralhadoras e revólveres, liderados por Tião Medonho, assaltaram o trem pagador da estrada de ferro Central do Brasil. A maioria dos assaltantes, com exceção de Grilo Peru, Edgar e Tonho, são negros favelados do Rio de Janeiro. Para não despertar suspeitas da polícia, eles decidem só gastar no máximo dez por cento do produto roubado. Entretanto, começam a surgir na favela acontecimentos que tendem a prejudicar o sigilo dos assaltantes. Grilo Peru (interpretado por Reginaldo Faria), mentor do assalto, jovem branco, se entrega ao luxo da zona sul e não aceita as restrições impostas por Tião Medonho. Tenta fugir do País, mas é morto pelo negro favelado. Finalmente, Miguel, compadre de Tião Medonho, trai a quadrilha, denunciando os favelados. A polícia fecha o cerco sobre os assaltantes, até chegar em Tião Medonho. Baseado em fatos reais, Roberto Faria expõe, através deste filme, clivagens de classe e de raça que atingem a sociedade brasileira. A maioria dos assaltantes do trem pagador, com exceção do mentor intelectual do crime são negros e favelados, buscando com o dinheiro obter meios de trabalho e oportunidades de vida digna (ao contrário, por exemplo, do jovem branco da zona sul, mentor intelectual do crime, Peru Grilo, que gasta o dinheiro com luxo ostentátorio e prazer). Existe uma clara divisão hierarquica do trabalho, baseada na posição de classe e na raça - os negros favelados, liderados por Tião Medonho executaram o crime e Peru Grilo, que se diz emissário de um suposto Engenheiro, é o mentor intelectual da operação criminosa. Com os favelados, a policia age com vigor, transgredindo direitos e espaço privado, obcecada em encontrar o dinheiro do assalto e seus executores. Os jornalistas aparecem movidos pelo puro sensacionalismo, desprezando o drama humano e social que existe por trás da noticia do assalto ao trem pagador. A situação de pária dos favelados está pressuposta na narrativa de Roberto Faria, inclusive na idéia de que o assalto ao trem pagador só poderia ser obra de estrangeiros, pois brasileiros não seriam capazes de executar tamanha proeza. É interessante o diálogo entre Edgar e sua mulher (interpretada por Dirce Migliaccio). Diz ele: - “Pobre não pode passar de ladrão de Galinha! Roubar pouco é que dá cadeia”. E a mulher arremata: “Mas não dá morte, e tu, por ter roubado feito rico pode acabar morto.” [topo]
(2006)

 

 

“O Amor Na Cidade”, de Carlo Lizzani, Dino Risi,
Michelangelo Antonioni, Federico Fellini,
Francesco Maselli, Cesare Zavattini
e Alberto Lattuada (1953)

 

 

Em 1953, Cesare Zavattini, o mentor do neo-realismo, pediu para cineastas ligados ao movimento que contassem, cada um a seu modo, uma história amorosa em Roma. Assim nascia Amore in Città. No primeiro episódio, “O amor que se paga”, Carlo Lizzani trata das aventuras e desventuras das prostitutas da capital italiana. Depois, “Paraíso por quatro horas”, de Dino Risi, aborda uma noite num salão de bailes onde casais de enamorados se formam e romances surgem. “Tentativa de suicídio”, de Michelangelo Antonioni, retrata as curiosas histórias de mulheres que tentaram se matar por causas amorosas. “Agencia matrimonial”, de Federico Fellini, um jornalista pesquisa como funciona uma agência de casamentos. A “História de Caterina”, de Francesco Maselli e Cesare Zavattini, abordam o drama de Caterina, uma mulher desempregada que acaba abandonando seu bebê. Finalmente, “Os Italianos se viram”, de Alberto Lattuada, lindas mulheres atraem os olhares dos romanos, que fazem malabarismos para vê-las. Nessa coletânea neo-realista, é expressivo o fundo sociológico (e antropológico) dos filmes dirigidos pelos cineastas italianos, que buscam retratar o cotidiano operário e de classe média. Em começo de carreira, Antonioni já demonstrava seu viés existencialista ao abordar o tema do suicídio e Fellini, sua obsessão pelos temas grotescos (quase oníricos) ao abordar o funcionamento de uma agencia matrimonial. Como traço comum, encantos e desencantos do mundo burguês em construção da Itália do pós-guerra. [topo]

(2006)

 

 

“Anos de Rebeldia”, de Dennis Hopper (1980)

 

Neste "amargo e inesquecível poema sobre a alienação", segundo o crítico Roger Ebert, Dennis Hooper nos apresenta, sem retoques, o drama de uma família caindo aos pedaços: o pai é ex-presidiário e a mãe, viciada em heroína. A filha, C.B. é uma jovem rebelde, amante de Elvis e do punk rock. Em Out of the Blue, somos convidados a acompanhar o cotidiano desta adolescente punk (interpretada por Linda Manz) e dos seus pais, Don (Hopper) e Kathy (Sharon Farrell). Vestida de jaqueta jeans e disparando slogans contra hippies e a discoteca, C.B. é a revolta personificada contra tudo e contra todos. A única coisa que a faz sentir-se bem no mundo é sua adoração por Elvis Presley e Sid Vicious (o baixista dos Sex Pistols). "Subverta a normalidade", diz ela logo em sua primeira aparição, divulgando mensagens anárquicas através do rádio de um caminhão abandonado. A jovem C. B. é uma figura de estranha (e contraditória) complexidade; um amálgama de força e fragilidade, maturidade e infantilidade, agressividade e doçura, impregnada numa dúbia sexualidade (como foram as personagens que James Dean criou em seus únicos três filmes). C. B., usando um jaquetão de couro que pertence a seu pai (não por acaso interpretado por Hopper) parece uma ressurreição, ao mesmo tempo anacrônica e coerente, do Marlon Brando motoqueiro em O Selvagem (1954). C.B. é uma personagem bizarra: se James Dean ou Marlon Brando interpretavam a juventude transviada num período de ascensão histórica do capitalismo, a jovem rebelde C.B., solitária e agressiva, é uma personagem anacrônica, fora de qualquer tempo, imersa na época histórica de decadência estrutural do capital. [topo]

(2006)

 



“A Agenda”, de Laurent Cantet (2001)



Vincent, interpretado por Aurélien Recoing, está desempregado, mas sem coragem de contar à esposa e aos três filhos. Todas as manhãs ele sai para "trabalhar", mas na verdade fica perambulando pela cidade. No seu desespero por se reintegrar à sociedade, Vincent simula viagens de negócios e chega ao cúmulo de entrar em escritórios e cumprimentar as pessoas como se fosse parte da equipe. Quanto mais o tempo passa, mais Vincent se enrola para convencer a família de que tem uma agenda cheia de compromissos e suas mentiras começam a surtir efeito, aumentando os problemas familiares e sua angústia pessoal. O filme L'Emploi Du Temps, de Laurent Cantet (tal como o filme “O Adversário”, de Nicole Garcia, de 2002) trata de dramas humanos diante do desemprego e da vida sem sentido na sociedade burguesa. O argumento-chave do filme é baseado em fato real ocorrido na França em janeiro de 1993 quando Jean-Claude Romand assassinou a mulher, os filhos e os pais, antes de tentar (e falhar) matar-se. As investigações mostraram que não era o médico que durante 18 anos dissera ser; que a sua vida não era a que ele dizia ser, já que não tinha profissão, nem colaborava para as organizações internacionais em Genebra como afirmava, e que ficcionava de forma laboriosa todas as viagens e demais práticas do seu cotidiano. O filme de Cantet expõe a vida fictícia (e, portanto, simulada) de uma personalidade em agudo processo de desefetivação. Diante de sua incapacidade de se integrar aos tempos pós-modernos, só restava a Vincent empregar seu tempo simulando ser produtivo. É a forma-limite da recusa de ser desefetivado por completo. Resta-lhe apenas o recurso da fantasia e do engodo irremediável - engana aos outros e engana a si próprio. É o surto psicótico de Vincent. Mas Vincent incorpora em si a verdade do capitalismo global sob a dominância do capital financeiro. O mundo da globalização financeira é o mundo do simulacro e da simulação sistêmica, onde o que parece ser, não é. Por exemplo, o que parece ser a sociedade do trabalho é, de fato, a sociedade do desemprego, expressão maior da lógica do capital exacerbado em tempo de globalização. Enfim, a simulação de Vincent é sintoma do sistema social baseado no agudo fetichismo do dinheiro, representação virtual do produto-mercadoria. Por outro lado, L'Emploi Du Temps expõe a aguda incomunicabilidade que permeia a sociabilidade burguesa. Vincent não consegue contar a esposa e aos filhos, ou mesmo aos amigos e aos pais, que perdeu o emprego e que está à deriva. Ele está fechado em seu próprio particularismo. [topo]