Sinopses de Filmes

I
"O Inocente", de Luchino Visconti (1976)
"O Invasor",
de Beto Brant (2001)

"A Ilusão Viaja De Trem", de Luis Buñuel (1953)
“Os Implacáveis”, de Sam Peckinpah (1972)
“Os Incompreendidos”, de François Truffaut (1959)
“Os Irmãos Grims”, de Terry Gilliam (2005)
“Os Inocentes”,
de Joseph Losey (1961)

 


 

 

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"O Inocente", de Luchino Visconti (1976)

 


'L'Innocente (1976) é o último filme de Visconti. Mais uma vez o diretor italiano retrata a aristocracia decadente da Itália do século XIX. Numa adaptação livre do romance de Gabriele D'Annunzio, Visconti disseca a vida conjugal do aristocrata Tullio e da esposa Giuliana, expondo a personalidade ambivalente (e trágica) de Tullio, personagem típico de uma classe decadente, dividido entre a posse da esposa e o desejo da amante (a condessa Teresa). A ambivalência se transforma em tragédia quando a esposa, desprezada pelo marido, cai nos braços de um escritor, e anuncia sua gravidez. Ao invés do grande painel histórico do Risorgimento italiano, tal como fizera em O Leopardo, Visconti nos apresenta o cotidiano de tradição e luxuria da alta aristocracia italiana. É um filme sobre o vazio conjugal de uma classe social em decadência. Tal determinação social (a sua vinculação de classe) se introjeta com vigor na personalidade de Tullio (o "amante-patrão", como diria a condessa Tereza), tornando-o um homem ambivalente e clivado de contradições íntimas, o que demonstra que, na narrativa de Visconti, é a categoria classe social, imersa em plena historicidade, que estrutura os personagens e sua trama complexa. Uma pergunta: seria a aristocracia italiana nos filmes de Visconti uma metáfora da burguesia em decadência? Ao falar do passado, não estaria Visconti de olho no presente, expondo as ambivalências e contradições de uma classe social (a burguesia) incapaz de dar um sentido de vida à história do Ocidente? É candente neste filme o tema da mulher, a situação de gênero, expressa na tragédia de Giuliana. [topo]

(2004)

 

 

"O Invasor", de Beto Brant (2001)

 

Gilberto, interpretado por Alexandre Borges, e Ivan (Marco Ricca), são sócios que possuem participação minoritária numa empresa de construção civil e que decidem contratar um matador de aluguel, Anisio (Paulo Miklos), para eliminar o sócio majoritário. Após cumprir a tarefa, assassinando também a mulher do sócio, Anísio, que tem sonhos de subir na vida, decide visitar (ou invadir) a empresa de Gillberto e Ivan, conclamando-se empregado dela. Drama urbano do Brasil neoliberal, retratando a degradação ética-moral das relações pessoais (e de negócios) na sociedade brasileira na década de 1990. É tão-somente expressão de uma sociedade burguesa hipertardia em crise há mais de vinte anos e que já cultiva a cultura da barbárie social que perpassa todas as classes (e grupos) sociais. Ora, o neoliberalismo não é apenas uma política ou economia, mas uma sociabilidade de mercado, que tende a dissolver relações ético-morais entre pessoas na família e no trabalho. Em O Invasor, está claro a completa ausência do Estado na vida social (e quando ele aparece, está corrompido). Percebe-se a completa imersão das pessoas na selva metropolitana. Com trilha musical principal do rapper Sabotage, O Invasor é um painel pessimista de uma burguesia paulistana imersa em seus particularismos, acuada e distante da periferia, e que, de repente, vê-se invadida por um visitante inoportuno da marginalia metropolitana. Um detalhe: utilizando o mote do estranho visitante, presente em Teorema ou Visitor Q, o filme de Beto Brant (baseado em romance de Marçal Aquino e que é também, co-roteirista do filme), nos apresenta uma particularidade curiosa: ao invés do estranho invadir a família, como sucede nos filmes de Pasolini e Miike (tendo, ele, inclusive, uma função catártica), o estranho, no filme de Beto Brant, invade a empresa. Na verdade, ao invés de subverter a ordem do capital, o invasor/visitante busca apenas reproduzi-la (ou se integrar a ela). Talvez seja a alegoria da marginália tupiniquim. Vide o site do filme. [topo]
(2005)

 

A Ilusão Viaja De Trem, de Luis Buñuel (1953)



Ao saberem que o bonde 133, no qual trabalharam durante toda a vida, será retirado de serviço, indo para o ferro-velho, dois amigos ficam bêbados e decidem seqüestrá-lo. Nesta última viagem, acabam levando um grupo de passageiros de diferentes idades, profissões e condições sociais. La Ilusión Viaja En Tranvía é um divertido road movie, no qual o cineasta Luis Bunuel destila sua visão anárquica da sociedade, nos apresentando uma jornada inesquecível repleta de personagens bizarros e situações absurdas do cotidiano da cidade do México. Na verdade, La Ilusión Viaja En Tranvía (de bonde, não de trem) é um dos trabalhos mais elogiados da fase mexicana de Luis Buñuel. Em certos momentos, é tênue a linha que demarca realidade e ilusão. No decorrer da narrativa lúcida, Bunuel insere elementos de fantasia, de estilo surreal, como, por exemplo, a presença de uma figura aristocrática, na madrugada, entre os passageiros do bonde 133 ao lado de empregados de açougue, beatas de Nossa Senhora e proletários madrugadores. É o bonde 133, que conduz clandestinamente seu motorneiro, pelo cotidiano do alvorecer e pela manhã da ciudad de México. De certo modo, La Ilusión Viaja En Tranvía é um filme que trata de trabalhadores (empregados da empresa de bondes) alienados de seu meio de trabalho, buscando recuperar, de forma contingente (e sem sucesso), através de um sequestro inconsequente, as condições objetivas de produção (e controle) de suas vidas. Além de sugerir o tema da alienação/estranhamento, Bunuel sugere o dilaceramento da Tradição, representada pelo bonde 133, pelo avanço da Modernidade.
[topo]
(2005)




“Os Implacáveis”, de Sam Peckinpah (1972)

 

 

 

Doc McCoy, interpretado por Steve McQueen, está preso há quatro anos, e está impaciente na prisão, em meio ao som das máquinas de costura da oficina, às tarefas tediosas na penintenciária estadual e às lembranças da mulher Carol (a lindíssima Ali MacGraw). Para escapar, pede a ela para fazer um acordo com Jack Beynon, um político corrupto. Doc ganharia a liberdade e em troca assaltaria um banco numa prosaica cidade do interior do Texas. Ajudado por Carol (Ali McGraw), Rudy e Jackson, Doc faz o serviço, mas após o assalto, Rudy executa Jackson e tenta matar Doc que reage e consegue feri-lo (Doc pensa que o matou). Ao conversar com Jack Beynon, descobre que o gangster tinha um plano para matá-lo, ficando com o dinheiro do assalto (U$ 500 mil) e a mulher de Doc. Carol mata Beynon e o casal agora foge da polícia e dos gangster que o perseguem, incluindo Rudy, que tenta acertar contas com ele. O mundo social do cinema de Peckipah é o mundo da barbárie social , onde a violência constitui as relações sociais e o mundo dos homens se animaliza. Na verdade, Peckinpah sugere uma inversão ontológica entre mundo dos homens e mundo animal. Sob a barbarie social, como no conto "A Metamorfose", de Franz Kafka, o homem se interverte em "inseto monstruoso". Na verdade, o cinema de Peckinpah é constituido de imagens-metáforas que sugerem tal estranhamento/alienação. Por exemplo, a abertura do filme, com animais do campo pastando ao lado da penitenciária estadual (animais livres e homens cativos). O mesmo ocorre na cena de abertura de "A Morte Não Manda Recado" (The Balad of Cable Hogue), de 1970; ou ainda cenas de "Meu Ódio será Sua Herança" (The Wild Bunch), de 1969. Noutra cena de "Os Implacáveis" (The Getaway), Doc McCoy se détem na leitura de um jornal no trem, com a manchete sobre a guerra do Vietnam e ao fundo crianças negras com armas de brinquedo (vide foto acima). A presença de crianças assistindo cenas de tiroteio no filme, expressam o dilaceramento da reprodução social na sociedade da violência. De certo modo, a incomunicabilidade do casal McCoy expressa o vazio de um mundo mediado pela lógica da mercadoria-dinheiro e pela lei do mais forte. Sam Peckinpah, o “poeta da violência”, mais do que ninguém, consegue apreender o cerne essencial da civilização burguesa nos EUA. [topo]
(2005)

 

 

“Os Incompreendidos”, de François Truffaut (1959)

 

 

Antoine Doinel (interpretado por Jean-Pierre Léaud), jovem parisiense de 14 anos, é o filho negligenciado pela mãe Gilberte Doinel (Claire Maurier) e pelo padrasto Julien Doinel (Albert Rémy). Antoine falta a escola para assistir filmes e brincar com os amigos. Certa vez, descobre a mãe com um amante. Antoine mente para ocultar suas fugas da escola. Após ser castigado por um professor que o acusa de ter plagiado Balzac e se desentender com pais, decide fugir de casa e viver de pequenos roubos. Recolhido ao Reformatório Penal, consegue fugir em busca de seus sonhos. Les Quatre cents coups, de François Truffaut é um drama autobiográfico. Nele o cineasta francês expõe o drama da incomunicabilidade de um jovem adolescente, incompreendido pelos pais, que estão imersos em seus próprios interesses egoístas; e pela escola, instituição social incapaz de tratar com a juventude. Na verdade, é o sintoma de uma sociabilidade danificada pelos particularismos de cada um, cujas vitimas irremediáveis são jovens e crianças em fase de socialização. No filme de Truffaut, pais, escolas e filhos, aparecem como mundos paralelos de uma ordem burguesa lastreada na incompreensão e na incomunicablidade. Nesta época, Truffaut expõe a crise de reprodução social da ordem burguesa através da crise das instituições sociais da familia e da escola (o que seria retratado também através de vários filmes cujo tema são jovens e crianças abandonados, como, por exemplo, “Brinquedo Perigoso”, de René Clement e “Os Esquecidos”, de Luis Bunuel).[topo]
(2005)


 

 

“Os Irmãos Grimm”, de Terry Gilliam (2005)

 

 

Aventuras imaginárias dos lendários irmãos Grimm, escritores de contos de fada, Wilhelm (Matt Damon) e Jacob Grimm (Heath Ledger), que viajam através da Europa de Napoleão Bonaparte, nos primórdios do século XIX, enfrentando monstros e exorcizando demônios imaginários em troca de dinheiro. Mas, quando o exercito francês, guardião dos ideais iluministas, descobre seu esquema, os trapaceiros são forçados a enfrentar uma maldição verdadeira na floresta assombrada, onde existem seres mágicos. Os irmãos têm de provar seus conhecimentos ou não sairão de lá vivos. Inseridos num contexto histórico alemão de resistência às conquistas napoleônicas, os verdadeiros Irmãos Grimm recolheram, diretamente da memória popular, as antigas narrativas, lendas ou sagas germânicas, conservadas por tradição oral. Buscando encontrar as origens da realidade histórica germânica, os pesquisadores encontraram a fantasia, o fantástico, o mítico em temas comuns da época medieval. Foi com os Irmãos Grimm que surgiram uma grande literatura infantil, capaz de encantar crianças de todo o mundo. Na verdade, através das lendas dos Irmãos Grimms, Terry Gilliam constroi sua trama imaginária onde busca tratar dos dilemas entre Modernidade e Tradição e da luta persistente entre Razão e Fantasia. O que Gilliam sugere é que a era moderna, da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, não conseguiu abolir a mágica do desconhecido. No filme de Terry Gilliam, os Irmãos Grimm, que dedicaram seus contos às crianças por sua temática mágica e maravilhosa, buscam recuperar lendas do passado germânico, sendo obrigados a enfrentar o que está para além da Razão Moderna emergente. Entremeados à narrativa filmica de Gilliam, aparecem extratos de alguns contos dos Grimm (por exemplo, Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, etc.). Os contos dos Irmãos Grimm podem ser considerados contos-de-encantamento (estórias que apresentam metamorfoses, ou transformações, por encantamento, a maioria); contos maravilhosos (estórias que apresentam o elemento mágico, sobrenatural, integrado naturalmente nas situações apresentadas); fábulas (estórias vividas por animais, algumas); lendas (estórias ligadas ao princípio dos tempos, ou da comunidade, e onde o mágico aparece como "milagre" ligado a uma divindade); contos de enigma ou mistério (estórias que têm como eixo um enigma a ser desvendado); ou ainda contos jocosos (humorísticos ou divertidos). Terry Gilliam busca reunir no filme todos esses elementos dos contos de Grimm, criando uma fábula fantástica capaz de indicar limites da Razão Iluminista diante do tenebroso mundo da fantasia pré-moderna. [topo]
(2005)

 


“Os Inocentes”, de Joseph Losey (1961)

 

Na era vitoriana, uma jovem governanta, a Srta. Giddens (interpretada por Deborah Kerr), é contratada, por um lorde inglês, tio dos garotos, , para cuidar de dois órfãos (Michael Redgrave). O aristocrata, mais interessado em festejar a juventude e cuidar dos negócios, dá inteira liberdade à governante, pedindo apenas que ela evite importuná-lo em Londres. A Sra. Giddens inicialmente fica encantada com Flora (Pamela Franklin) e Miles (Martin Stephens), mas logo percebe que há algo errado com os pequenos. Suas investigações apontam para a ligação das crianças com fatos perturbadores do passado da magnífica residência vitoriana em que vivem. A aparição de uma carta, anunciando a chegada iminente de Miles, expulso de forma inadvertida do colégio interno, dispara as dúvidas de Miss Giddens. Depois surgem fatos inusitados: durante uma certa manhã aparece para a Sra. Giddens, no alto de uma torre, um vulto masculino. Ela descobrirá depois que o vulto masculino é do falecido assistente da mansão que tinha um acaso tumultuado com a ex-governanta, também falecida. A Sra. Giddens suspeita que o casal falecido tenha corrompido as crianças e que elas estejam sob o poder maléfico das aparições macabras. "The Innocents" é baseado no conto “A Volta do Parafuso”, de Henry James, com roteiro de William Archibald e Truman Capote (com diálogos e cenas adicionais de John Mortiner), o diretor Jack Clayton expõe uma trama de horror e suspense que demonstra a tênue linha divisória entre o real e o imaginário. Na verdade, sentimento de culpa e angústia tendiam a produzir fantasias alucinatórias. Inclusive, pode-se dizer que os fantasmas eram mero produto da imaginação da governante, figura típica da moral vitoriana reprimida sexualmente e que projeta nos inocentes suas abomináveis perversões (é por isso que, desde o começo do filme, ao conversar com o tio dos garotos, a Srta. Giddens aparece como uma personagem tensa, de angústia reprimida, quase no limiar de um surto alucinatório). [topo] (2006)