"Visitor
Q", de Takashi Miike (2001)
Produzido
em 2001, este filme japonês possui leve inspiração
em Teorema de Pier Paolo
Pasolini. Visitor Q retrata, de forma bizarra, a crise
da família burguesa no Japão. Kiyoshi Yamazaki,
interpretado por Kenichi Endo, é um pai, de profissão
jornalista, que busca realizar uma reportagem sobre violência
e sexo no Japão. Ele começa tendo sexo com sua
filha que é prostituta e filma seu filho sendo humilhado
e agredido por colegas de escola. Por sua vez, em casa, seu
filho agride a mãe, que é viciada em heroína
e que se prostitui. A chega de um estranho visitante, o "visitor
Q", que acompanha os comportamentos bizarros, provoca mudanças
no seio da família Yamazaki. Conhecido por seu também
bizarro Audition (de 1999) , Miike demonstra apreender,
com vigor, o clima cultural no Japão pós-moderno.
É através do bizarro e do perverso que Miike expõe
a crise de civilização da sociedade do capital
no Japão do século XXI, expresso na desagregação
íntima da familia burguesa tradicional. O que nos assusta
em Miike não são os mortos (como nos filmes de
suspense e terror), mas sim os vivos com seus dramas bizarros,
homens estranhados de si e dos outros, capazes das mais agudas
perversões sexuais (em Visitor Q temos cenas
de incesto e necrofilia ). A critica cultural em Visitor
Q é tão explicita quanto as perversões
sexuais que ele expõe. Logo na cena de abertura, em que
Kyoshi, começa tendo sexo com sua filha, ela pergunta:
"So you want to know about today's teenagers? ". E
responde incisivamente: "They tell you the future of Japan.
That hopeless future." No filme, é perceptível
a onipresença, nas mãos do personagem Kiyoshi,
da filmadora de video, do registro em imagens da sua degradação
pessoal e familiar. Imagens, sexo e morte compõem a narrativa
explicita do estranhamento de Visitor Q. Talvez, nesse
ponto, os japoneses tendem a ser mais incisivos na critica do
niilismo burguês (basta comparar O Ultimo Tango em
Paris, de Bernardo Bertolucci com Os Imperios dos Sentidos,
de Nagisa Oshima). [topo]
(2005)
"Vive-se
Uma Só Vez", de Fritz Lang (1937)
Em You Only Live Once, de 1937, Eddie Taylor (interpretado
por Henry Fonda) é um delinqüente nos EUA da década
de 1930, que ajudado pela noiva, Joan Graham (interpretado por
Sylvia Sidney), secretaria da Defensoria Pública, consegue
sair da prisão para tentar uma vida nova. Casa-se com
Joan, que alimenta uma intensa paixão por ele. Entretanto,
Eddie defronta-se com o preconceito social por ser ex-presidiário.
É demitido do emprego numa transportadora e é
acusado falsamente de assalto a banco com seis mortes. Preso,
é condenado à cadeira elétrica. Um dos
filmes primordiais da fase americana de Fritz Lang, diretor
austríaco que se consagrou na Alemanha com os clássicos
Metropolis (1927) e M (1931). O toque expressionista
e a perspectiva pessimista da América da Grande Depressão
permeiam a tela de Fritz Lang. No filme, “homens maus”
são inocentes, mas condenados à morte; e “homens
bons” cultivam vícios e fraquezas, tornando-se
cidadãos respeitáveis. Na crise do capitalismo
dos anos 1930, as contradições sociais se intensificam.
Na verdade, tal temática do falso culpado (e dos inocentes
de mãos sujas) tornou-se comum em muitos filmes de época.
É um mote de critica social sutil da civilização
do capital. Tal temática percorre a filmografia de Lang.
Por exemplo, em 1936, com Fury, ele trata de um falso
culpado a quem a raiva e o desejo de vingança estão
a ponto de torná-lo um assassino; e em 1953, com The
Big Heat (em português: Os
Corruptos), o bondoso agente Dave Bannion torna-se
um vingativo justiceiro quando sua mulher é assassinado
pela máfia. Em Lang, o tema do falso culpado é
a mera transfiguração da temática do individuo
heróico em luta contra o sistema opressor. Ou ainda,
a luta do homem contra a sociedade (o que não deixa de
ser a temática do estranhamento). Em You Only Live
Once, é perceptível uma critica visceral
à sociedade burguesa e seu sistema de justiça
criminal. Denuncia a incapacidade da ressocialização
de presos e expõe a hipocrisia social no mundo capitalista.
O final trágico expressa a impossibilidade da saída
individual. [topo]
(2005)
"A
Vila", de M. Night Shyalaman (2004)
Em
plena civilização urbano-industrial, pessoas decidem
fundar uma vila totalmente isolada, distante das cidades, onde
pudessem cultivar valores das comunidades de pioneiros do passado,
um tipo de falanstério, comunidade utópica, sem
dinheiro e valores de novo tipo, administrada por anciãos,
buscando fugir dos problemas da sociabilidade estranhada do
mundo burguês. Entretanto, para impedir que os jovens
saiam do território da vila, eles cultivam o medo,
inventando mitos a respeito de criaturas da floresta que devoram
aqueles que buscam se dirigir às cidades. Drama fantástico
de critica sutil à sociabilidade degradada do capital
que leva pessoas a buscarem no passado perdido, formas novos
modos de vida alternativos à da civilização
burguesa. Para sustentar a comunidade são obrigados a
cultivar o medo recorrendo a artifícios fantásticos.
A vila é uma cidadela do século 18 cercado pelo
século 21. Suas imagens evocam a colonização
dos EUA. Na verdade, colocam o problema da sobrevivência
do sonho americano na época da crise estrutural da hegemonia
global dos EUA. O jovem diretor americano, um dos melhores da
atualidade, nos conduz a uma fábula poética
(e trágica), de profundo lastro político, da civilização
norte-americana, imersa em medos e sonhos perdidos. Suas imagens
são melancólicas e os detalhes do filme sugerem
mais do que as simples convenções do suspense
de Hollywood.[topo]
(2005)
“Vinhas
da Ira”, de John Ford (1940)
Em
Oklahoma, na época da Depressão, Tom Joad (interpretado
por Henry Fonda), o filho mais velho de uma família de
trabalhadores rurais pobres retorna para casa, após cumprir
pena por homicídio involuntário. Ao chegar em
casa, depare-se com a expropriação da terras dos
Joad pelo capital financeiro. Tal como outras famílias
de pequenos produtores, os Joad são obrigados a migrarem,
num pequeno caminhão, até a Califórnia
onde dizem ser um lugar mais próspero e de maiores oportunidades
de trabalho. Baseado na obra clássica de John Steinbeck,
The Grapes of Wrath expõe de forma contundente,
o processo de espoliação capitalista, atingindo
pequenos produtores rurais obrigados a se proletarizarem nas
grandes plantações na Califórnia. Num certo
momento, Ford sugere a presença do Estado do New
Deal, com seus campos de alojamentos limpos e decentes,
construídos para abrigar trabalhadores pobres, migrantes
e força de trabalho volante. Tais locais se contrastam
com os territórios onde predomina a lógica bárbara
do mercado. De certo modo, em The Grapes of Wrath,
a solução apontada por Ford, bem no espírito
do New Deal de Roosevelt, é a do capitalismo
popular, baseado no reconhecimento da dignidade do povo, contra
a degradação do mercado (como afirma a mãe
Joad, interpretada com talento por Jane Darwell: “Nós
somos o povo...”); e no apoio moral (e material) do Estado-providência,
capaz de criar, nas situações de precarização
da força de trabalho, políticas compensatórias
para os despossuidos. [topo]
(2005)
“Vidas
Amargas”, de Elia Kazan (1955)
No
ano de 1917, numa fazenda da Califórnia, Adam Trask (Raymond
Massey) é o patriarca rude e puritano que não
esconde sua preferência pelo filho Aron (Richard Davalos),
o que muito incomoda seu outro filho Caleb, conhecido como Cal
(James Dean), que incompreendido e solitário toma atitudes
que desagradam profundamente o pai. O passatempo de Cal é
cruzar as cidades de Salinas e Monterey, viajando em cima do
trem e passar a noite fora. Numa dessas noites, Cal procura
a cafetina Kate (Jo Van Fleet, perfeita) em busca de descobrir
sua verdadeira identidade. Ele desvenda um segredo que mudará
a vida da família. A partir da descoberta que sua mãe
está viva, Cal entra em um turbilhão de sentimentos
antagônicos, como rancor e piedade, tristeza e euforia,
que o levam a viver entre a urgência e o risco. Clássico
do cinema, sob a direção magistral de Elia Kazan,
adaptado da obra East of Eden, de John Steinbeck (e
com claras ressonâncias biblicas) e com atuação
genial do ator James Dean (é um de seus últimos
papéis no cinema). "Vidas Amargas" é
um intenso drama moral que expõe a busca desesperada
de um jovem pela identidade pessoal, contra os fantasmas inconscientes
do passado familiar. O "marginal" Cal é o único
que decide buscar a verdade oculta da familia Trask, desmitificando
sua ideologia íntima. Na verdade, é através
de sua relação ambigua (e ambivalente) com o pai,
que Cal buscará se afirmar como homem. Após Cal
expor o segredo da familia, o irmão Aron em estado de
choque, enlouquece e parte para a guerra. Cal tem uma intensa
discussão com o pai, que sofre um derrame. Cal decide
não mais abandonar o pai. No leito, Cal busca reconciliar-se
com ele. [topo]
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