"O
Chamado", de Gore Verbinski
(2004)
Filme de suspense e terror, baseado no japonês Ringu,
de Hiroshi Takahashi. Rachel, interpretada por Noami Watts,
é uma jornalista que tenta investigar a morte de quatro
jovens ocorridas sete dias após terem assistido a uma
misteriosa fita. Ela encontra o vídeo e o assiste, recebendo
também o estranho telefonema de que morrerá sete
dias depois. A partir daí ela começa uma corrida
contra o tempo, buscando descobrir de onde teria surgido aquele
vídeo, antes que ela, e mais tarde, seu ex-namorado e
seu filho, sejam vítimas da mesma horrível morte
que sofreu os quatro jovens. Tal como O
Grito (The Grudge), de Takashi Shimizu, em sua
versão norte-americana (de 2004), The Ring busca
aproveitar o sucesso do japonês Ringu, de Hiroshi
Takahashi, que já está em sua terceira seqüência
(em 2005, Hollywood promete O Chamado
2). Em The Ring, os mortos voltam para destruir
os vivos, utilizando-se da tela do vídeo e do telefone,
aparatos tecnológicos predominantes no cotidiano das
sociedades burguesas. A crise de civilização que
atinge o capitalismo no Japão desde década passada,
contribui, de certo modo, para a proliferação
de filmes bizarros e de terror que servem de inspiração
para Hollywood. Desde muito tempo, o Ocidente encontra inspiração
criativa no Japão, seja através dos métodos
de gestão just-in-time, seja através
dos acervos de big monsters (como Godzilla). Ora, a
partir do crash do capitalismo no Japão na década
de 1990, com a modernização exacerbada dilacerando
elementos tradicionais da sociabilidade nipônica, surgiram,
com intensidade inédita, formas múltiplas de estranhamento.
A perda da tradição e dos lastros culturais do
passado e sua irremediável ocidentalização,
com total imersão na lógica da mercadoria, está
contribuindo para a crise de identidade e o surgimento
de formas regressivas (e necrófilas) de imaginário
social. Por isso, The Ring pode ser considerado expressão
da estética de horror e de bizarrice que permeia a sociedade
burguesa no Japão. No plano sócio-estético,
o terror do desconhecido tende a se expressar através
das narrativas de horror, cuja temática predominante
é a volta dos mortos, seja como aparições
estilo zumbies, seja como fantasmas ressentidos, sedentos
de vingança contra os vivos (é interessante que,
em The Ring, o fantasma possui uma dimensão
virtual, utilizando-se de aparatos tecnológico predominantes
no cotiadiano burguês, como vídeo e telefone).
Talvez possamos considerar tais narrativas do estranhamento
como sintomas da nostalgia inconsciente da tradição
negada pela modernização exacerbada num contexto
de crise estrutural do capital (por exemplo, desde a Primeira
Revolução Industrial, no século XIX, tornaram-se
clássicas, na literatura universal, de Daniel Defoe e
Guy de Maupassant, histórias de fantasmas) [Topo].
(2004)
"Os
Corruptos", de Fritz Lang
(1953)
Em The Big Heat, de 1953, Dave Bannion, interpretado
por Glenn Ford, é um detetive de policia que, ao buscar
a verdade do suicídio de um colega de trabalho, se defronta
com um esquema de corrupção infiltrado no Departamento
de Policia. É pressionado para que abandone o caso. Ao
ter a mulher assassinada, decide fazer justiça com as
próprias mãos. Tal como em Vive-se
uma só vez (You Only Live Once), de 1937,
Fritz Lang trata de instituições sociais que se
voltam contra um cidadão comum. No caso de The Big
Heat, é a instituição policial que
está degradada pela corrupção. É
contra ela que o justiceiro indignado reage e busca fazer justiça
com as próprias mãos. De um lado, a sociedade
burguesa degradada e suas instituições sociais;
de outro o pequeno homem que busca justiça. É
o ideal de justiça que move o herói problemático.
A justiça como fonte da lei e do direito. Mas a indignação
do herói hollywoodiano possui, antes de mais nada, uma
motivação pessoal particular; no caso de The
Big Heat, vingar-se do assassinato da mulher amada. É
um tema candente na filmografia de Fritz Lang e que percorre
os filmes de Hollywood (inclusive, este é o mote trágico
do filme histórico, O Gladiador
(The Gladiator), de Oliver Stone). Como já salientamos,
é uma variação típica da Fábrica
de Sonhos, principalmente nos dramas clássicos dos anos
1930: o individuo heróico contra o sistema do poder e
do dinheiro. Se, em 1937, com You Only Live Once, tivemos
um final trágico; em 1953, teremos um final feliz: Dave
consegue indiciar os corruptos e voltar à instituição
de polícia. Nesse caso, ao invés de You
Only Live Once, a critica social é mitigada.
Não é o sistema social (e suas instituições
de policia e justiça) que está apodrecido, mas
apenas alguns de seus membros. O próprio Lang assim se
exprime, nesta citação tirada da crítica
de The Big Heat, feita por Antonio Moniz Vianna: "O
combate do indíviduo contra as circunstâncias -
o eterno problema dos gregos antigos, o combate contra os deuses,
o combate de Prometeu. Da mesma forma, hoje combatemos as leis
e lutamos contra os imperativos que não nos parecem justos
nem bons para o nosso tempo. Talvez eles sejam necessários
daqui a trinta ou cinquenta anos, mas no momento não
são. Estamos sempre combatendo." Um detalhe: são
as mulheres nos filme de Lang que abrem veredas para
o herói justiceiro encontrar o seu caminho. É
o caso de Silvia Sydney em You Only
Live Once e, em The Big Heat, isto é
bem claro com Debby Marsh, interpretado por Gloria Grahame (ou
mesmo da velhinha que indica o assassino da mulher de Bannion).
[Topo]
(2004)
"Crash
- Estranhos Prazeres", de
David Cronenberg (1996)
Crash, teve a direção de David Cronenberg,
sendo baseado no livro homonimo de J.G.Ballard. Após
sofrer um grave acidente de carro, James Ballard, publicitário
(interpretado por James Spader), se envolve com um grupo de
pessoas, homens e mulheres entediados, que cultivam uma estranha
tara: buscar emoção e prazer sexual em acidentes
automobilísticos. São pessoas que preenchem o
vazio estranhado de suas existências com a dor e a destruição
dos corpos. Não importam, para esses aficcionados, as
vítimas fatais, mutiladas e desfiguradas; apenas o prazer
do autoflagelamento é glorificado. Estamos diante da
pura expressão do sentimento de necrofilia que tende
a imprimir sua marca predominante no sistema do capital em sua
fase de crise estrutural. Cronenberg expõe, de forma
bizarra, as profundas implicações do fetichismo
em alto grau que atinge as sociedades tecnológicas hipertardias.
Em Crash, Cronenberg erotiza a tecnologia, na figura
maquinal do automóvel. E pior: a erotização
da tecnologia como máquina mortífera. Enfim, o
prazer sexual é, de forma perversa, mediado (e subsumido)
pelos objetos tecnológicos complexos determinados pela
sociedade da produção destrutiva. Sexo pervertido
(e invertido), tecnologia em contínua obsolescência
e morte, ou dilaceramento de corpos, estão inextricavelmente
interligados no thriller de Cronenberg. Como dica, o interessante
site jgballard.com,
sobre o autor que inspirou David Cronenberg neste filme.[Topo]
(2004)
“O
Chamado”,
de Hideo Nakata (1998)
"O
Chamado 0”,
de Norio Tsuruta (2000)
Reiko
Asakawa, interpretado por Nanako Matsushima, é uma jornalista
que tenta desvendar o mistério de uma estranha lenda
urbana associada à morte de sua sobrinha e de mais quatro
jovens: após assistir uma estranha fita de video, o telefone
toca e a partir daí, você tem apenas sete dias
de vida. Filme de terror japonês de sucesso que teve remake
norte-americano: O Chamado (The Ring), de
2004. Embora o filme de Hollywood tenha décor
mais sofisticado, a versão japonesa original possui alguns
detalhes narrativos curiosos. Por exemplo, em Ringu,
para se livrar da maldição do vídeo, precisa-se
assisti-lo e depois reproduzi-lo, passando para outra pessoa.
Ou seja, a forma de difusão da maldição
ocorre através da reprodução pirata
deste vídeo estranho. E a maldição
se difunde através do medo da morte. Ringu teria
uma continuação em 1999 (Ringu 2), dirigido
por Hideo Nakata, e em 2000, Ringu 0, dirigida
por Norio Tsuruta. Ringu 0 apresenta, de modo retrospectivo,
a gênese da maldição do vídeo, a
história trágica da jovem Yamamura Sadako (interpretada
por Yukie Nakama), a aparição pavorosa do vídeo
que atormenta os vivos em Ringu e Ringu 2.
Nessa filme retrospectivo, Sadako se torna uma atriz de teatro
que busca escapar do trágico passado. Entretanto, não
consegue se livrar das visões estranhas e terríveis.
Novamente, temos o mote narrativo do passado pavoroso que retorna
através da aparição de mortos e o presente
de terror assolando o mundo dos vivos. O Japão tornou-se,
nos década de 1990, a "nova pátria do terror"
(na expressão da Revista Veja ao comentar o
lançamento O Chamado, a versão americana,
no Brasil). Como já salientamos, isto decorre da crise
estrutural do capitalismo no Japão, dilacerando a vida
social e explicitando a natureza estranhada da ordem sócio-metabólica
do capital. Um estranhamento social agudizado pela crise sócio-metabólica
que se explicita através da estética do terror.
Para acompanhar a estética fílmica de terror e
sangue do Japão da crise dos 90’s, é
interessabte o site SnowbloddApple.[Topo]
(2004)
"Cidade
de Deus", de Fernando Meirelles
(2002)
Buscapé,
jovem negro, fotógrafo do Jornal do Brasil,
morador da favela Cidade de Deus, narra a evolução
desta favela do Rio de Janeiro, através da trajetória
de Dadinho, depois Zé Pequeno e seus
comparsas. Das origens na década de 1960, com o surgimento
da primeira gang de assaltantes, até primórdios
dos anos de 1980, onde o grande negócio é boca
de fumo e narcotráfico, acompanhamos o desenvolvimento
da marginalia da favela Cidade de Deus. Na ótica de Meirelles,
crianças e jovens marginais são bandidos quase
por natureza, jogados no mundo e destinados à morte (observe-se
a construção da personalidade cruel e sádica
de Zé Pequeno, desde criança). Por outro
lado, é perceptível a ausência do Estado
político, que só aparece para reprimir ou corromper.
Apesar de estar no município do Rio de Janeiro, a favela
Cidade de Deus é, em si, um pequeno mundo, mundo de barbárie,
imerso num estado de natureza. É claro que é
local de moradia de trabalhadores pobres da cidade do Rio de
Janeiro (por exemplo, Mane Galinha era cobrador de ônibus).
Mas o que o filme expõe é um universo infernal
de dissolução social assolado pela pobreza. Por
outro lado, são perceptíveis formas de sociabilização
e de resistência cultural ainda que bastante precárias
(por exemplo, em fins dos anos 1960, o entretenimentos para
jovens, crianças e adolescentes da Cidade de Deus eram
as peladas de futebol de areia e mergulho no riacho; com a expansão
urbana degradada, no decorrer dos anos 1970, os únicos
espaços de sociabilidade parecem ser os bailes populares).
Na verdade, a sociabilidade se degrada na mesma medida
da degradação do espaço urbano.
O filme Cidade de Deus nos apresenta quase trinta de
historia do Brasil, visto através do mundo da favela.
É importante apreendermos a constituição
do espaço de barbárie social pelo pelo próprio
Estado capitalista periferico em crise estrutural. Na verdade,
a favela torna-se gueto social, fértil para
os negócios escusos da droga. O filme tende a apresentar
cenas fortes da criminalidade nas favelas do Rio de Janeiro,
verdadeira guerra civil, a neoguerrilha urbana dos anos 1980
até nossos dias. Embora evite apresentar o espetáculo
da violência urbana, sua intensidade não deixa
de impressionar e entreter o público, paralisando a reflexão
critica sobre a crua realidade social brasileira. De qualquer
modo, o filme possui interessantes detalhes que podem propiciar
um longo (e primoroso) debate sobre a degradação
social das metrópoles brasileiros nos últimos
trinta anos.[Topo]
(2004)
Corpo
Fechado, de
M. Night Shyamalan (2000)
David
Dunne, interpretado por Bruce Willis, é um agente de
segurança, único sobrevivente de um desastre de
trem. Ellijah Price (interpretado por Samuel L. Jackson) é
um negro, colecionador de estórias em quadrinhos, que
sofre um de uma doença nos ossos, deixando-os frágeis,
que acredita que David é um tipo de herói inexpugnável,
seu antípoda, e tenta convencê-lo disso. Drama
fantástico de M. Night Shyamalan, que trata, em seus
filmes, da perda de sentido existencial do homem moderno, da
sua crise de Identidade. Como pano de fundo histórico,
temos a crise do Império norte-americano e os impasses
do capitalismo global no século XXI. Em Unbreakable,
tanto David quanto Ellijah estão carente de narrativas
e de um lugar no mundo, estando, deste modo, susceptíveis
a alucinações fantásticas. Nos filmes de
M. Night Shyamalan, os personagens são anti-heróis
imersos em seus dramas (e dilemas) existenciais. Neles, o enredo
fantástico impregna (e é parte) do cotidiano de
homens comuns. Aliás, o fantástico em Shyamalan
é uma dimensão de transcendência estranha,
que prenuncia situações-limites de uma sistema
sócio-metabólico em sua fase de crise estrutural.
[Topo]
(2005)
"Clube
da Luta", de David Fincher (1999)
O
narrador do filme, Jack (interpretada por Edward Norton) é
um executivo yuppie que trabalha como investigador
de seguros de uma grande montadora de automóveis. Desiludido
da vida, ele busca driblar suas crises de insônia e extravasar
sua ansiedade em sessões de terapia grupal, ao lado de
pessoas com câncer, tuberculose e outras doenças.
É só no meio de moribundos que Jack se sente vivo
e assim consegue dormir. Sua alegria só é interrompida
pela chegada de Marla Singer (interpretada por Helena Bonham
Carter), uma viciada em heroína com idéia fixa
de suicídio. Repentinamente entra na sua vida o carismático
Tyler Durden (Brad Pitt) que irá lhe apresentar um novo
modo de vida, capaz de aliviar sua tensão existencial,
o clube da luta, um clube de subcultura anárquica, onde
homens põe à prova seu instinto animalesco em
combates corporais. Fight Club expõe, com traços
non-sense, a degradação existencial do
homem na civilização burguesa. O agudo estranhamento
em suas múltiplas dimensões se manifesta em sentimentos
de necrofilia, de dessocialização, de desencantamento
e de atitudes irracionalistas dos mais amplos espectros. A profunda
frustração com a vida sem sentido é
o terreno propicio para as manifestações de pura
agressividade e de auto-destrutividade. O clube da luta sintetiza,
em si, o espírito do mundo burguês degradado, em
sua etapa neoliberal, imerso na lógica do mercado e da
concorrência. Na verdade, a sociedade capitalista, em
sua etapa de crise estrutural, de pleno irracionalismo, de vazio
utópico e de agudo desencantamento com as possibilidades
de transcendência da lógica da mercadoria, produz
em si, elementos de colapso da vida pública e da sociabilidade.
Ela contém os germes de destrutividade da própria
civilização (o que os atentados terroristas de
2001 iriam demonstrar). Deste modo, Fight Club é
um filme visionário das misérias do capital no
vindouro século XXI. Produzido em 1999, Fight Club
expõe, de forma quase fantástica, numa narrativa
de estilo pós-moderna, ou seja, fragmentária e
não-linear, os desvarios existenciais do capitalismo
global, às vésperas do estouro da bolha especulativa
em Wall Street.[topo]
(2005)
"Chantagem
e Confissão", de Alfred Hitchcock
(1929)
Na
Londres dos anos 1920, Alice White é uma jovem, filha
de lojista, que namora Frank Webber, detetive da Scotland Yard,
que se dedica mais ao trabalho do que a ela. Insatisfeita, Alice
decide se encontrar com outro homem, o pintor, interpretado
por Cyril Richard, que tenta estupra-la em seu apartamento.
Alice mata acidentalmente o pintor e foge do local do crime.
Por ironia, Frank é o policial encarregado das investigações
do crime. O pior é que Alice e Frank passam a ser chantageados
por um homem que testemunhou o crime. Filme de suspense do jovem
Alfred Hitchcock. Blackmail é o primeiro filme
sonoro da Inglaterra e do diretor Hitchcock. Foi concebido como
filme mudo, tornando-se depois, filme sonoro. Por isso, é
perceptível em seu desenrolar, a mise-em-cene
do filme mudo. Já em seus primeiro filmes, Alfred Hitchcock
ensaia suas clássicas aparições (ele aparece
em cena como um passageiro no metrô que é importunado
por um garoto). Uma cruel ironia marca a narrativa de Blackmail
e se expressa no riso sarcástico da pintura do palhaço
que ri, obra do pintor assassinado por Alice (vide
acima). O que podemos nos interrogar: o palhaço ri de
quem? Dos jovens namorados, isto é, da mulher insatisfeita
e do dedicado detetive da Scotland Yard ? Ou do próprio
público, imerso na trama de suspense e de chantagem que
põe em questão, diante das contingências
da vida, valores caros do mundo burguês como o amor romântico
e a fidelidade profissional ? [topo]
(2005)
“Christine
– O Carro Assassino”, de
John Carpenter (1983)
Produzido
em 1983 e baseado em romance de Stephen King, Christine
conta a saga de um carro amaldiçoado, um Plymouth Fury
1958 e a trilha de tragédia e mortes que o acompanha,
até o apocalíptico final. Adaptado pelo roteirista
Bill Phillips, o filme começa nos apresentando o adolescente
Arnie Cunningham (interpretado por Keith Gordon), feio, magricela
e sem atrativos, e que tem como único amigo, o jovem
atleta Dennis Guilder (John Stockwell). Certo dia, Arnie adquire
um carro extremamente deteriorado à beira da estrada
e utilizando seu talentos de mecânica de automóveis
o recupera com perfeição. Aos poucos, Arnie passa
por mudanças perceptíveis de atitude e comportamento
em relação à família, amigos e escola,
aparentemente influenciado pelo maldito carro, que chama de
Christine, como o antigo dono fazia. Uma curiosidade: o rádio
de Christine só pega músicas dos anos 1960 e as
músicas refletirem o estado de espírito do carro
nas diferentes situações. Filme fantástico
que trata do poder manipulatório, quase demoníaco,
do automóvel na civilização do capital.
É interessante destacar a transformação
que o sujeito, o rapaz Arnie, sofre devido a posse do objeto
que se fez coisal (o carro assassino). É a expressão
clássica do estranhamento e do feticismo
da mercadoria no sentido marxiano (o automóvel é
a mercadoria mais complexa da sociedade burguesa). Vale salientar
também as cenas em que Christine se conserta sozinha
e a capacidade do automóvel de se comunicar através
da música pop. Símbolo-mor do estilo
de vida fordista, o automóvel aparece como uma mercadoria
maldita, representação alegórica (e fetichizada)
da crise do americanismo e da própria crise estrutural
do capital, desenvolvida a partir de meados da década
de 1970 (o filme é de 1983). Um detalhe: o filme começa
com a produção do carro assassino na linha de
montagem fordista na fábrica em Detroit, berço
da indústria automobilística americana na década
áurea do fordismo (os anos 1950).[topo]
(2005)
“O
Chamado 2”, de Hideo Nakata (2005)
Seis meses depois dos terríveis
eventos que aterrorizaram Rachel Keller, interpretada por Naomi
Watts, e seu filho Aidan (em O Chamado,
dirigido por Gore Verbinski), mãe e filho tentam deixar
para trás lembranças assustadoras de Samara e
sua amaldiçoada fita de vídeo, mudando-se de Seattle
para AStoria, pequena comunidade litorânea no Estado do
Oregon. Ali Rachel espera recomeçar a sua vida, mas logo
percebe, por meio das evidências de um crime local, que
incluem uma fita de vídeo, que a vingativa Samara está
de volta, mais determinada que nunca a continuar o seu incansável
ciclo de terror e morte. Continuação do filme
norte-americano baseado no horror japonês The
Ring e que teve na direção, Hideo Nakata
(que dirigiu a versão original japonesa). The Ring
Two, como versões anteriores, no Japão e
EUA, retoma o mote da volta dos mortos: a jovem Samara,
espírito ressentido, que leva à morte, jovens
que assistem fita de vídeo maldita. Entretanto, nesta
reedição, o mote original da série de horror
se dissipa. A fita de vídeo (e o telefone chamando) deixam
de ser o destaque do suspense e fica só a perseguição
implacável do espectro de Samara à Rachel
e seu filho Aislan. No decorrer do filme, percebe-se que a causa
do ressentimento mortal do espírito inquieto de Samara
é a falta de afeto materno. Na verdade, o foco temático
são os problemas da juventude imersa em espectros fantasmáticos
do passado, de uma ordem social incapaz de abrir horizontes
de futuridade. No caldo do individualismo da ordem neoliberal,
o que resta, no plano do imaginário narrativo, é
o medo e o horror fantástico.
[topo]
(2005)
“O
Corvo”, de Roger Corman
(1963)
Adaptação
livre do poema clássico de Edgar Allan Poe (com roteiro
de Richard Matheson). Esta comédia de humor negro da
Hammer conta com a presença de ilustres atores consagrados
ao horror, como Boris Karloff, Vincent Price e Peter Lorre.
O Dr. Erasmus Craven, bruxo medieval, utiliza sua poção
mágica para trazer de volta o Dr. Adolfo Bedlos, convertido
em corvo pelo bruxo rival, Dr. Scarabus. Através dele,
Erasmus sabe que sua adorável Lenore não está
falecida, mas viva no castelo do bruxo rival e decide resgata-la,
com a ajuda de sua filha, Estelle e do filho de Adolfo (Jack
Nicholson, em começo de carreira). Daí em diante
a trama se desenrola com muita ironia no confronto dos magos
até o duelo final que não é menos do que
antológico e surpreende pelo bom nível dos efeitos
especiais que dão vazão às mágicas
de ambos os bruxos. O filme contém sugestões filosóficas
curiosas: foi a presença do corvo que contribuiu para
que o bruxo Erasmus pudesse abandonar suas terríveis
ilusões a respeito de sua falecida Lenore, que demonstrou
ser uma mulher ambiciosa e fútil. O que significa que,
mesmo bruxos, mestres da arte do ilusionismo, tendem a se prender
a ilusões a respeito das pessoas amadas. Na verdade,
o filme retrata, com agudo senso de humor negro, o processo
de negação do passado e de suas terriveis mistificações.
Roger Corman repetiria sua parceria com o trio Karloff, Price
e Lorre (além de outros mitos do horror como Basil Rathbone,
Christopher Lee e Ray Milland) em vários outros filmes,
adaptando ora Edgar Allan Poe, ora H. P. Lovecraft, em filmes
como “A Queda da Casa de Usher” (1960), “O
Poço e o Pêndulo (1961), “Muralhas do Pavor”
(1962), “O Terror” (1963), “Farsa Trágica”
(1963), “O Castelo Assombrado” (1963), “A
Máscara Mortal” (1964) e “O Ataúde
do Morto-Vivo” (1969).
[topo]
(2005)
“Cabiria”,
de Giovanni Pastronne (1914)
No
século III A.C. durante a última guerra púnica,
a pequena Cabiria é raptada pelos fenícios que
a vendem aos cartagineses, o qual vão imola-la aos deus
Moloch. O romano Fulvio Axilia, com seu amigo Maciste, impedem
seu sacrifício fazendo-a fugir. Os anos se passam e enquanto
Aníbal atravessa os Alpes, Siracusa é atacada
pelos romanos que são vencidos graças à
invenção de Arquimedes que destrói os barcos
republicanos. Cabiria já adulta, vive na corte da rainha
idumeia Sofonisba que repudiou o marido Massinissa para viver
junto com Siface, lugar-tenente de Asdrúbal e irmão
de Aníbal. Scipião desembarca na África
e é acompanhado por Fulvio Axila, que toma conhecimento
que Cabiria é escrava de Sofonisba. Mobiliza seu amigo
Maciste que, após a batalha de Zama, liberta a jovem,
restituindo a ela a liberdade perdida desde o tempo dos cartagineses.
Épico clássico do cinema mudo italiano que expõe
cenas históricas (e míticas) da Antiguidade romana
e o drama trágico da pequena Cabiria. Antes de D.W. Grifithh,
o pai do cinema moderno, Giovanni Pastrone já demonstrava
a magia do cinema épico, capaz de expressar dramas grandiosas
de personagens míticos e históricos ao lado de
pequenos dramas de personagens cotidianos imersos em situações
de tragédia (como erupção vulcânica
e guerras). Com Pastrone e Grifithh o cinema aparece como arte
totalizadora da vida social. Nele sociedade e natureza, história
e mito, se confundem.
[topo]
“Carta
de uma Desconhecida”, de
Max Ophuls (1948)
Filme
clássico que retrata através de flash-back
na Viena de 1900, a trágica paixão da jovem Lisa,
abnegada heroína, por um músico libertino, o pianista
Stefan Brand. Baseado em conto clássico de Stephen Zweig,
a tragédia romântica de Ophuls expõe traços
da sociabilidade burguesa. A paixão romântica de
Lisa interpretada por Joan Fontaine é um objeto-fetiche
que a aprisiona. Ela se sacrifica em prol da fantasia de amor
que alimenta. Ela venera Stefan que aparece para ela quase como
um semi-deus, presente e distante ao mesmo tempo. A construção
dos personagens é deveras interessante: o fato de Stephen
Brand ser pianista reforça o efeito onírico das
fantasias românticas de Lisa. As sonatas de Stephen elevem
seus devaneios de amor. A tragédia romântica se
passa durante a Belle Époque, antes da I Guerra
Mundial, na Viena capital do Império Austro-Hungaro,
coração cultural da civilização
burguesa afluente. Ao encontrar Lisa, Stefan simula um interesse
amoroso, tão falso e imaginário quanto a “viagem
de trem” que o casal experimenta no parque de diversões
de Viena. É interessante que ele a chama de feiticeira,
mas é ela que está encantada por suas próprias
fantasias românticas. Enquanto Lisa vive no mundo encantado
da paixão romântica, Stefan Brand, o músico,
vive no mundo desencantado da relação instrumental
e do artifício. Stefan é o homem burguês
em sua forma extrema. Ele sente compulsão para seduzir
jovens mulheres e depois esquece-las irremediavelmente. Apenas
as consome, apagando-as de sua memória. Por isso Lisa,
uma de suas fugazes conquistas amorosas, mãe de seu filho,
é uma mera desconhecida. Na verdade, a relação
instrumental que Stefan estabelece com seus objetos de conquista
amorosa corroi sua memória. O que Ophuls (e Zweig) sugere
é que, onde há fetichismo, não há
memória. E onde não há memória,
não há relação pessoal (e humana).
Ora, Stephan é incapaz de relacionar-se. Entretanto,
o mais curioso é que Lisa, com sua obsessão romântica,
é tão incapaz quanto ele de relacionar-se, pois
sua fantasia romântica a impede de ver o Outro como ele
é. De certo modo, a tragédia romântica de
Ophuls expõe um dos traços da relação
entre os sexos no mundo burguês: de um lado, homens predadores
que cultivam a lógica instrumental nos “relacionamentos”
com o sexo oposto; homens incapazes de amar, mas de sugerir
desejo e paixão; por outro lado, jovens mulheres sensíveis
a fantasias românticas que se devotam a cultivar o objeto
amado. Entretanto, outra mensagem do filme é que o verdadeiro
amor é impossível em sociedade fetichizadas.[topo]
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