"Emmanuelle",
de Just Jaeckin
(1974)
Emmanuelle,
interpretada por Silvia Kristel, jovem esposa de diplomata,
incitada pelo marido, vive novas experiências eróticas
em Bangock, na Tailândia. Drama erótico clássico
dos anos 1970. Rotina, tédio e monotonia dos relacionamentos
amorosos na sociedade burguesa encontram válvula de escape
em casos extraconjugais, experiências lésbicas
e heterossexuais. Emmanuelle é lançado
na primeira metade da década de 1970, o período
de crise estrutural do capital, onde o vazio existencial, expresso
em dramas íntimos, assume dimensões explicitas
(que o diga, entre outros, o clássico O Ultimo Tango
em Paris, de Bernardo Bertolucci, de 1972, ou mesmo o porno-trash
Deep Throat, de 1973). Emmanuelle
sugere a perda das ilusões de uma vida amorosa plena
de sentido, com o sexo permissivo, a experiência sensual
e o prazer erótico, sendo meras tentativas de reencantar
uma ordem social agudamente fetichizada. De certo modo,
Emmanuelle é um filme cético sobre a
viabilidade de sentimentos profundos e duradouros e de laços
afetivos plenos na sociedade burguesa. Na verdade, tudo é
fluido e fugaz. Não há lugar para o amor, mas
sim apenas para instrumentalidade de emoções.
Consomem-se corpos como se consome um bom vinho francês,
com classe e estilo. Por isso, é possível dizer
que, Emmanuelle é permeado de um anti-romantismo
profundo, expresso, por exemplo, no desprendimento afetivo de
Bee (interpretado por Marika Green), mulher pela qual Emmanuelle
se apaixona, mas que não acredita no amor. O culto da
efemeridade e ao mesmo tempo, da entrego erótica total
e polimorfa, caracteriza o filme de Just Jaeckin. A entrega
dos corpos parece ser total, mas é mera aparência.
Por exemplo: Marie-Ange expressa a jovem imersa no prazer sem
tabus, sem inibição. Mas sua sexualidade parece
ser tão fluida quanto superficial (poderia ser diferente
na sociedade da mercadoria?). Entretanto a "sexualidade
liquida", como diria Zygmut Baumann, talvez expresse subjetividades
complexas, buscando realizar potencialidades afetivo-sexuais,
limitadas (e invertidas) pela ordem do capital. O ambiente exótico
da Tailândia, permeado de tradição e pobreza,
se contraste com personalidades prazerosamente dilaceradas pela
crise da modernidade burguesa.[topo]
(2005)
"O
Efeito Borboleta",
de Eric Bress /J. Mackye Gruber (2004)
Evan
Treborn, interpretado por Ashton Kutcher, é um jovem
que tentando superar traumas de infância, busca recuperar
suas memórias através da leitura de seu diário.
Consegue desenvolver uma técnica mental para voltar ao
passado, como criança, buscando alterar os acontecimentos
traumáticos. Mas descobre que, ao alterar pequenos detalhes
do seu passado, provoca drásticas mudanças no
tempo presente. Suspense que utiliza o típico mote de
volta para o passado. Só que, nesse caso, o
que propicia a viagem fantástica para o passado não
é nenhuma máquina do tempo, mas sim,
dotes mentais extraordinários do personagem principal.
Utilizando-se da teoria do caos, busca construir uma
narrativa lógica, embora inverossímil. A temporalidade
do capital é uma temporalidade fragmentária. As
narrativas de volta para o passado são expressões
estéticas fantásticas desta estrutura de sociabilidade
do capital. A fantasia da volta para o passado tende
a expressar, de certo modo, o anseio de controle sobre nossa
vida pessoal (o que é difícil na sociedade do
capital, baseada na constante despersonalização
das individualidades humano-genéricas). A agudização
do estranhamento, e do fetichismo, tende a
impulsionar o gosto estético pelas narrativas fantásticas.
The Butterfly Effect leva a extremos a fantasia de
volta ao passado, adotando certo viés subjetivista
em sua lógica narrativa (talvez, incorporando o fascinio
pelas ciências cognitivas ou neurociências). No
filme, não existe nenhum cientista louco ou
qualquer máquina do tempo. São tão-somente
os dons mentais sobrenaturais do personagem principal, que,
ao alterar detalhes de sua vida pessoal, altera toda sua cadeia
de relações pessoais. Além disso, busca
expor, através desta trama narativa fantástica,
a lógica da teoria do caos. [topo]
(2005)
“Entr’Acte”,
de René Clair (1924)
Curta-metragem
de René Clair e experimento de um cinema surrealista,
que nos apresenta um jogo de imagens em movimento que sugerem
o ballet da burguesia e de seu mundo social caótico,
imerso em prenúncios de morte. A sucessão de imagens
conclui-se com um cortejo fúnebre que atravessa Paris.
De repente, perde-se o controle do carro funerário que
se desloca pelas largas avenidas de uma Paris antiga. No final,
o morto ressurge e, num passe de mágica, faz desaparecer
a todos. Cada imagem alegórica sugere um mundo em descontrole,
onde a burguesia flerta com a morte e os mortos conduzem os
vivos. [topo]
(2005)
“Edifício
Master”, de Eduardo Coutinho (2002)
Documentário
brasileiro que retrata, através de depoimentos, a vida
de moradores do Condomínio Master, em Copacabana, no
Rio de Janeiro. Eduardo Coutinho e sua equipe entrevistaram
37 moradores e conseguiram extrair histórias íntimas
e reveladoras de suas vidas. Os moradores expressam seus dramas
(e tragédias) pessoais, com emoção e sensibilidade.
De forma magistral, Coutinho consegue retirar das pessoas, preciosa
declarações de vida e de morte, de sonhos e frustrações.
Antes de ser expressão de dramas pessoal, Edifício
Máster é um relato sociológico de um País
capitalista de modernização inconclusa, sem perspectivas
de desenvolvimento, imerso em nostalgia. De certo modo, os jovens
que aparecem expressam, através de seus dramas pessoais,
a falta de perspectivas de futuro. Por exemplo, uma das jovens
diz ter sociofobia (foto acima). Outra é mãe solteira
e garota de programa. E a última, estudante e solitária.
Aparece também uma dupla de jovens artistas de Curitiba
(PR) que buscam um lugar ao sol no show-business carioca.
No documentário de Coutinho é flagrante a presença
de casais de meia-idade, homens e mulheres solitárias,
idosos aposentados, imersos na memória, de um tempo que
passou. É no passado que a maioria das pessoas diz ter
vínculos de sucesso, próximos das elites sociais.
Por exemplo, um dos personagens do Edifico Master trabalhou
nos Estados Unidos e hoje, como lembrança de ter sido
quase cidadão norte-americano, canta Frank Sinatra, que
um dia chegou a conhecer pessoalmente. Outra, chegou a atender
a esposa de Roberto Marinho e teve contato com a high-society
carioca. O tempo presente é em certos casos de frustração
ou fracasso; em outros depoimentos, de nostalgia e lembrança,
pois o Edifico Máster parece ser a última estação
da vida para a maior parte dos depoimentos pessoais. Por exemplo,
o depoimento de ex-ator de cinema da boca do lixo, que se aposentou
por invalidez, devido a acidente de trabalho. Enfim, são
muitos os dramas pessoais e cada personagem vivo é pedaço
de um projeto de vida (e subdesenvolvimento) da Nação.
De certo modo, Edifico Master é uma metáfora da
sociedade brasileira na virada para o século XXI. [topo]
(2005)
“Encurralado”,
de Steve Spielberg (1971)
David
Mann, interpretado por Dennis Weaver, é um homem de negócios,
que, dirigindo seu automóvel numa estrada secundária
da Califórnia, de repente, se vê perseguido por
um caminhão de grande porte. Depois de algum tempo, ele
chega a conclusão de que o motorista do caminhão,
sem muitas explicações, pretende matá-lo.
Primeiro filme de Steven Spielberg (com roteiro de Richard Matheson),
que trata, de certo modo, do estranhamento entre Homem e Máquina.
O sobrenome Mann é sugestivo e Duel é
quase uma variação do clássico “Os
Pássaros”, de Alfred Hitchcock. Nesse caso, o estranho
antagonista é um caminhão, símbolo da civilização
fordista. O clima de suspense ocorre num crescendo trágico
que se traduz no enfrentamento final entre David Mann e seu
oponente misterioso e desconhecido. É curioso como Spielberg
constrói o personagem David Mann. Ele é um homem
angustiado, que perdeu o controle de si e de sua família
(como ele se expressa no diálogo acima) e que, de repente,
encontra-se diante de um oponente estranho e misterioso (em
nenhum momento ele consegue identificar o motorista do caminhão).
David Mann é a própria representação
do individuo obliterado, confuso e deslocado pelo mundo social
estranhado do capital. [topo]
(2006)
“Edward
Mãos de Tesoura”, de Tim Burton (1990)
Uma vendedora da Avon, Pegg Boggs (interpretado por Dianne Weist)
decide bater na porta de uma velha mansão abandonada
e acaba encontrando um garoto chamado Edward, que tem tesouras
no lugar das mãos. Vendo que o garoto está sozinho,
ela decide levá-lo para viver em sua casa. Apesar dos
problemas para se adaptar, Edward encontra seu lugar como cabeleireiro
e jardineiro da pequena cidade onde vai morar. Nutre uma paixão
platônica pela jovem filha de Dianne Weest (Winona Ryder),
incitando ciúmes no namorado dela que envolve Edwards
num ato de assalto. Logo a cidade estará contra ele,
julgando-o um monstro temerário. Através de
flash-backs sabemos que Edward é uma criatura incompleta,
criada por um inventor (Vincent Price) que morreu antes de dar
ao estranho ser mãos capazes de substituir as enormes
lâminas no lugar delas. É através do jovem
monstro solitário, generoso e desastrado que vislumbramos
a natureza egoísta e preconceituosa da sociedade de massa,
uma “clean society”, com casas-padrão, tão
vazia quanto luminosa em cores pasteis, de aparência alegre
e feliz. É como se o jovem "monstro" Edward
Scissorhands desconcertasse a harmonia primordial,
explicitando o caráter fetichizado da vida das pessoas,
imersas numa existência de simulacro. Em Edward Scissorhands
as mulheres parecem solitárias, carentes, vazias e os
jovens, fúteis e delinqüentes. As mulheres possuem
um papel central no filme, com destaque para a vendedora de
Avon. É através dela que Edward Mãos-de-Tesoura
é salvo de sua mansão escura. A presença
de uma vendedora de cosmético é uma critica sutil
à sociedade da aparencia , isto é, a
sociedade do fetiche-mercadoria. Além disso, outras mulheres
aparecem no papel de admiradoras (e inimigas) de Edward. Enfim,
a sociedade cosmética de Edward Scissorhands parece
ser uma sociedade feminina. A cenografia de Tim Burton
é fabulosa, com destaque para o contraste entre a cidade
e a mansão escura de estilo gótica, no alto da
montanha, onde moravam Edward e o velho inventor. [topo]
(2006)
“O
Estranho”, de Orson
Welles (1946)
Orson
Welles, interpreta um criminoso de guerra nazista, Franz Kindler,
que depois da guerra foge para os Estados Unidos e assume o
nome de Charles Rankin. Morando na pacata cidade de Harper,
torna-se noivo da insuspeitável filha do juiz presidente
do Supremo Tribunal Federal, Mary Longstreet (Loretta Young),
posando como professor universitário. Franz Kindler tinha
álibi perfeito. Ninguém pensaria em procurar por
um notório criminoso nazista no sagrado recinto da Harper's
School... Exceto o agente federal Wilson (interpretado
por Edward G. Robinson). Foi num jantar em familia que o professor
de história Charles Rankin se traiu, ao observar que
“Marx não era alemão, mas judeu.”
(vide fato acima). Desfiando uma catilinária sobre a
impossibilidade de um mundo pacífico, terminou sugerindo
o que lhe parecia a solução do problema humano:
extermínio. O agente federal nem desconfiaria que o pacato
professor de história fosse um crimonoso nazista, se
ele tivesse se contido (só os alemães nazistas
não conferiam aos judeus a nacionalidade alemã).
Enfim, Kindler era um sujeito extremamente vaidoso de sua inteligência
e de seu poder de sedução, mas, por ironia, derrapou
na própria língua. Um detalhe do personagem de
Orson Welles: é um homem obcecado pelo tempo, tanto que
cuida, com denodo, do antigo relógio da torre da catedral
da pequena cidade de Harper, no Estado de Connecticut, inclusive
fazendo-o funcionar, para desespero dos pacatos moradores de
Harper. [topo]
(2006)
"Exílios”,
de Tony Gatlif (2004)
Um
casal de jovens franceses, Zano (Romain Duris) e Naima (Lubna
Azabal), de origem argelina resolve conhecer a terra de seus
pais. Eles atravessam a França, Espanha e Marrocos, antes
de chegarem à Argélia. A jornada serve para os
protagonistas reencontrarem suas lembranças: ele, a família
que resta em Argel, após o exílio forçado
do avô músico; ela, a origem árabe, marcante
no nome, que o pai negava ao não conversar com a filha
na língua natal. Num mundo de imigração,
coloca-se o problema candente da identidade e da memória
afetiva. Na verdade, Zano e Naima buscam criar laços,
fomentar relacionamentos com todos os “ausentes”,
esquecidos e marginalizados que cruzam seu caminho. É
interessante a cena em que eles na Argélia caminham sozinhos
na direção oposta a da multidão, misturando-se
com ela. No final do filme, Zano e Naima prosseguem, juntos,
caminhando não se sabe para onde – já que,
de fato, o destino é menos importante que o deslocamento
em si, das mulheres e dos homens anônimos que nele surgem.
"Exilios" é um road movie curioso
- existe enquanto viagem dupla, e não individual, pois
o reconhecimento do casal nos Outros passa pela comunhão
entre Zano e Naima. O diretor Tony Gatlif (prêmio de melhor
direção no Festival de Cannes) promove a migração
inversa dos personagens, os quais, em busca das lembranças
perdidas, entram em contato com a realidade sócio-cultural
árabe - que, a princípio estranha, acaba por construir
a identidade e a memória afetiva do casal. Apesar disso,
Naima, num certo momento, descobre que é estrangeira
em qualquer lugar. [topo]
|