"Dogville",
de Lars Von Trier (2004)
Na
época da Grande Depressão, uma bela mulher, Grace,
interpretada por Nicole Kidman, fugindo de gângsteres,
recebe a ajuda da população de uma pequena cidade
nas Montanhas Rochosas nos EUA (Dogville). Aos poucos, ela torna-se
cativa da miséria humana de Dogville, sendo explorada
e abusada sexualmente pelos moradores em troca do silêncio
da cidade diante da policia e dos gângsteres. A suposta
generosidade e hospitalidade de Dogville se interverte
em opressão e agudo estranhamento. Critica visceral da
sociabilidade tacanha da América profunda (aquela que
elegeu George Bush), onde pessoas frágeis estão
imersas em medos, crueldades e perversões ocultas. A
chegada de Grace, a estranha fugitiva, a tornará bode
expiatório destas misérias provincianas. Talvez
Dogville seja o inconsciente perverso da América paroquial.
Diante da monstruosa humanidade desta pequena cidade, só
restará a Grace eliminar Dogville para que o mundo se
torne um pouco melhor (seria possível um paralelo entre
Grace e Grete Samsa, personagem d conto A Metamorfose,
de Franz Kafka, que diante da monstruosidade de Gregor, seu
irmão, é obrigada a eliminá-lo?). O filme
de Trier possui um final trágico e pessimista, painel
da falsa moralidade dos tempos da globalização
neoliberal. No estilo de "Os pecados de todos nós"
(Reflections in a Golden Eye), de John Huston (1967), ou
até mesmo “Caçada Humana” (The
Chase), de Arthur Penn (1966), Dogville, de Lars
von Trier, é um filme de crise da sociabilidade americana,
exposto por Trier em "Dançando no Escuro" (Dancer
in The Dark), de 2000. Em Dogville, o contéudo
se imprime na forma estética. Trier reinventa
o cinema, expressando a narrativa filmica através de
uma forma hibrida (teatro filmado). Mas ao desconstruir a linguagem
da indústria cultural de Hollywood, à titulo de
fazer a critica visceral do americanismo, Lars von
Trier tende a descontruir a própria linguagem do cinema.
Na verdade, em Dogville, a forma estética é
parte intrínseca do conteúdo de critica corrosiva
à sociabilidade da América do espetáculo.
A narrativa, dividida em atos, tal como no teatro, e com apoio
de um narrador em off, é representada num palco,
com a pequena cidade de Dogville sendo constituida por paredes
imaginárias.[topo]
(2004)
"Domésticas",
de Fernando Meirelles
e Nando Olival (2001)
Drama
de trabalhadoras domésticas na cidade de São
Paulo, mostradas a partir do cotidiano de Cida, Roxane, Quitéria,
Raimunda e Créo. Uma quer se casar; a outra é
casada, mas sonha com um marido melhor; uma sonha em ser artista
de novela e outra acredita que tem por missão na Terra
servir a Deus e à sua patroa. Todas têm sonhos
distintos, mas vivem a mesma realidade: trabalhar como empregada
doméstica. Conduzido com humor (e uma trilha musical
dos hits populares do Brasil brega dos anos 1970),
o filme de Meirelles e Olival retrata o universo particular
desta categoria de trabalhadoras domesticas. É curioso
que, em nenhum momento, aparecem patrões ou
patroas. A narrativa de As Domésticas
se desenvolve segundo a ótica contingente das classes
subalternas, dos debaixo, com seus anseios e sonhos,
expectativas e frustrações. Não aparecem
situações de luta social por direitos, o que sugere
que o filme se detém na epiderme da consciência
de classe contingente, expressando, deste modo, a fragmentação
das perspectivas de vida e trajetórias das "domésticas"
(quase como um destino, como observa na palavra final
a doméstica Roxane). Do mesmo modo, ao retratar Zé
Pequeno (em Cidade de Deus),
Meirelles tratou sua sina de bandido quase como destino.
É baseado na peça de teatro de Renata Melo.
[topo].
(2005)
"O
Diabo a Quatro", de Leo McCarey (1933)
O
pequeno país Freedonia está em enorme crise financeira.
A Sra. Teadstale aceita doar 20 milhões de dólares
aos caixas se o excêntrico e maluco Rufus T. Firefly (Groucho
Marx) for eleito presidente. Para piorar as coisas, o país
vizinho Sylvania envia dois espiões (Chicolini e Pinky,
respectivamente Chico e Harpo Marx) para obterem informação
sigilosa, enquanto uma guerra pode ser travada se os líderes
dos dois países não decidirem quem casará
com a Sra. Teasdale. Duck Soup é puro humor
anárquico dos Irmãos Marx. Através de diálogos
tão hilariantes e corrosivos com as instituições
políticas e morais da sociedade burguesa, Groucho, Chico
e Harpo (e Zeppo), divertem o público em plena depressão
capitalista da década de 1930. De certo modo, é
um humor anárquico e mordaz com a elite política
e militar. O espírito belicista pairava no ar na década
de 1930. Parecia prenunciar, em 1933, a verdadeira saída
para a grande depressão capitalista – a guerra.
[topo]
(2005)
"Sob
o Domínio do Mêdo",
de Sam Peckinpah (1971)
O jovem matemático norte-americano, David
Sumner, interpretado por Dustin Hoffmann, decide ir para o interior
da Inglaterra, terra natal de sua esposa Amy (Susan George),
em busca de tranqüilidade para concluir um livro que está
escrevendo. A receptividade não é nada calorosa.
Entre os empregados que contratou para reforma de sua garagem
está Charles Venner (Del Hanney), ex-amante de Amy. Na
verdade, ela torna-se objeto de desejo do grupo (a cena de estupro
de Amy é uma das mais violentas e instigantes do cinema
de Hollywood). Mas o que irá explicitar a violência
em estado puro, latente desde os primeiros minutos do filme,
é quando o tímido David decide ajudar Henry Niles,
atropelado acidentalmete por ele, numa noite de neblina. Niles,
fugia de Tom Hedden e seus capangas, que decidem fazer vingança
com suas próprias mãos (Niles matara acidentalmente
a filha de Tom Heden). Cercado em sua casa de campo, David decide
obcecadamente defender seu lar e o direito de Niles por justiça.
Num crescendo de violência, Peckinpah expõe,
com desenvoltura, os nexos da barbárie social. Apesar
da narrativa de Straw Dogs ocorrer numa pacata localidade
do interior da Inglaterra, a violência está latente
em cada imagem (e detalhe) do filme. É como se ele insistisse
que a civilização do capital destila violência
em qualquer recanto da Terra. Em Straw Dogs existe
um suspense que sufoca o público. Tal como uma magistral
sinfonia da barbárie social, Peckinpah expõe as
vísceras de uma sociabilidade desumanizada,
onde o que persiste (e insiste) é o desejo animal e a
violência primitiva; um estado de natureza, onde,
diante da crise das instituições da Lei e da Ordem,
o que vigora é a lei do mais forte. O jovem matemático,
tímido e covarde, David Sumner, interpertado magistralmente
por Dustin Hoffman, é o herói de Straw Dogs,
protagonista da civilização, que preserva os valores
da Lei e do Direito, e que resiste (e vence ) os bárbaros
interiores. A violência de Peckinpah possui um conteúdo
social, pois expressa, de forma sutil, uma critica da civilização
do capital na época de sua crise estrutural. O que Peckinpah,
o "poeta da violência", nos apresenta, é
uma metafísica social onde a violência
é a condição humana no sistema desumanizado
do capital. Isto é, neste sistema sócio-metabólico,
somos meros “cães de palha” (Straw Dogs),
aptos apenas ao sacrifício (como diria o filosofo chinês
Lao Tse).
[topo]
(2005)
“O
Dia Em Que a Terra Parou”,
de Robert Wise (1951)
Clássico
de ficção-científica, fantasia pacifista
sobre um extraterrestre, Klaatu/Carpenter (interpretado por
Michael Rennie), que vem à Terra de disco voador, ajudado
por um robô (Gort), para exigir que o mundo pare com as
guerras e com a corrida armamentista a fim de evitar uma catástrofe.
Para demonstar seu poder superior, Klaatu interrompe, por um
tempo, todas as atividades da Terra). The Day the Earth
Stood Still foi o primeiro filme a não mostrar um
ser extraterrestre como invasor. De repente, nós, terrestre
é que aparecemos como vilões, possuídos
pelo medo, perseguindo um espectro de nossos próprios
temores. É o outro estranho que tem a capacidade de desvelar
a miséria (e os paradoxos) da civilização
tecnológica e da “guerra fria”. A busca do
dialogo entre os povos é bloqueada pelos interesses particularista,
ressentimentos e temores de seus Estados-nação.
[topo]
(2005)
"O
Despertar da Besta", de
José Mojica Marins (1970)
É
o mais maldito dos filmes de José Mojica Marins. Produzido
em 1969 com o título de “Ritual dos Sádicos”
foi imediatamente vetado pela censura do então governo
militar, que não satisfeito em impedir a exibição
do filme, pretendia também destruir todas as cópias
e o negativo. Em 1982 foi recuperado e exibido em mostras
e festivais como “O Despertar da Besta”. Não
teve lançamento comercial. O filme trata de um renomado
psiquiatra que injeta doses de LSD em quatro voluntários
com o objetivo de estudar os efeitos das drogas (ou do tóxico)
sob o impacto da imagem de Zé do Caixão (Mojica
faz uso da sua popularidade, então no auge). Em pleno
apogeu do amor livre, das drogas psicodélicas e dos
hippies, José Mojica Marins concebeu seu filme mais
contundente, revoltado e arrebatador através de metalinguagem
para analisar o efeito de seu polêmico personagem no
inconsciente coletivo. O personagem aparece de maneira diferente
nos delírios psicodélicos e multicoloridos de
cada um, misturando sexo, perversão, sadismo e misoginia.
Finalmente, interrogado por um grupo de intelectuais, o psiquiatra
chega à conclusão de que drogas não são
responsáveis pela perversão de seus usuários,
mas apenas é um fator de liberação de
suas frustrações. Se no filme de 1964, (“À
Meia-noite Levarei Sua Alma”), o horror do Zé
do Caixão era mais sutil, no filme de 1970, o pesadelo
torna-se mais apavorante, até mesmo pela utilização
de cor apenas nas cenas no inferno. Um detalhe: em 1970, a
ditadura militar atingiu o ápice da repressão
política. Ironias não faltam ao discurso de
Mojica. Dessa forma, ele estabelece uma lógica teatral,
até circense, onde todo o seu cinema depende sobretudo
da sua atuação e das atmosferas que cria. O
personagem Zé do Caixão, criado por José
Mojica Marins, é a construção genial
de um tipo bizarro do horror fantástico que reflete,
em si, o estranho mundo social de uma ordem burguesa hipertardia
de origem colonial.
[topo]
(2006)
"Daqui
a Cem Anos", de William
Cameron Menzies (1936)
Em
1936, uma guerra mundial tem início, perdurando por
muitas décadas até que muitas das pessoas sobreviventes,
a maioria nascida durante a guerra, nem sabem quem começou
o conflito ou quais as suas razões. Não existem
mais a manufatura de produtos e a sociedade se transformou
em comunidades primitivas localizadas. Em 1966, uma enorme
praga se apossou da humanidade e apenas um pequeno grupo de
pessoas conseguiram sobreviver. Certo dia, um estranho e misterioso
avião sofre um acidente e cai próximo a uma
dessas comunidades isoladas e o piloto sobrevivente revela
a eles que existe uma organização que está
reconstruindo a civilização e que estão
aos poucos percorrendo o mundo tentando reorganizar os grupos
de sobreviventes da guerra. Após algumas décadas,
a civilização torna-se novamente forte e a população
mundial vive em enorme e belas cidades subterrâneas.
Em 2035, época da primeira viagem do Homem à
Lua, um grupo de rebeldes que é contra o progresso,
que segundo eles foi o verdadeiro motivo responsável
pelo início da guerra cem anos antes, se organiza e
torna-se violento, tentando incentivar uma revolta. Filme
clássico da ficção-cientifica que elabora
uma fantasia visionária sobre o destino da civilização
diante da ameaça da guerra mundial (o que acontecia,
de fato, em 1936, com a ameaça fascista e a escalada
armamentista no Ocidente). O significado da utilização
dos avanços tecnológicos para a guerra e a disseminação
da barbárie social (com a proliferação
de pragas mortais) se contrasta com outra percepção:
a ciência à serviço da civilização
e da conquista da Natureza (e do Universo) pelo homem. A fantasia
político-social de Menzies expõe a dialética
entre barbárie civilização, ciência
e progresso humano (temas cruciais que marcaram a civilização
do capital no século XX).[topo]
"Depois
que Otar Partiu”, de
Julie Bertucelli (2003)
Ada,
uma jovem de 25 anos, vive em Tbilisi, a capital da Geórgia
pós-soviética, num pequeno apartamento com Marina,
a mãe, e Eka, a avó. Os ânimos às
vezes se exaltam entre elas e o menor gesto da vida cotidiana
pode acirrar as tensões. São tempos difíceis,
de escassez e de falta de expectativas de vida para a juventude
das ex-repúblicas soviéticas. Suas rotinas apenas
mudam com as notícias de Otar, o filho adorado de Eka,
um médico que foi tentar a vida em Paris , onde só
consegue sobreviver como pedreiro. Otar tornou-se um mito
na família e suas cartas chegam como mensagens de sonho
e esperança. Sua mãe o venera. De repente, Ada
e Marina se vêem obrigadas a ocultar de Eka, a noticia
da morte de Otar, ocorrida num acidente de trabalho. Tal como
o jovem Alexander em “Adeus Lênin”, mãe
e filha são obrigadas a simular que Otar vive e continua
escrevendo de Paris. Entretanto, a mentira acaba transformando
a vida delas. Filme sensível que expõe a crise
de trabalho e de vida nas ex-repúblicas soviética,
na perspectiva de três gerações de mulheres
(a filha Ada, a mãe Marina e a avó Eka). É
um drama de mulheres num mundo social em crise de escassez,
de homens emigrados e de vidas fragmentadas e precárias.
Por outro lado, como o filme “Adeus Lênin”,
sugere uma sutil reflexão sobre a experiência
do “socialismo real” (como expressa na fala
acima do namorado de Marina).
[topo]
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