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O
Exterminador do Futuro 1
(Terminator),
de James Cameron
(1984)
O
Exterminador do Futuro 2
(Terminator
2 - Judgement Day),
de James Cameron
(1991)
O Exterminador do Futuro 3
(Terminator
3: The Rise of the Machines ),
de Jonathan Mostow
(2003)
Eixo
Temático
O fetiche da máquinas que transgride a natureza
do espaço-tempo assume sua dimensão plena na sociedade
da III Revolução Tecnológica. A máquina,
como fetiche do capital, ao abolir o espaço,
tende, na mesma medida, a abolir o tempo. Os avanços
magistrais da capacidade técnica de dominio da Natureza
(e tempo e espaço são dimensoes da Natureza),
se intervertem, nas condições do capital em domínio
da própria tecnologia sobre o homem. Mas não é
a máquina ou a tecnologia em si que domina o homem, mas
sim, o capital como sistema de relações sociais
historicamente instauradas. Na verdade, a forma tecnológica
já contém, em si, a determinação
do controle (e da dominação) do capital. A tecnologia
é, em si, fetichizada, pois tende a ocultar seu núcleo
de sociabilidade estranhada. Ao manipular a temporalidade, isto
é, passado, presente e futuro, o capital manipula as
possibilidades concretsa de sua própria superação
histórica. Negar a futuridade do homem é uma forma
de controle social e de manipulação das potencialidades
de irmos além deste sócio-metabolismo estranhado.
Ao buscar abolir o devir e o vir-a-ser do homem, o sistema do
capital tenta esvaziar e negar sua práxis histórico-social.
Temas-chaves:
temporalidade e desenvolvimento social; práxis humana e
tempo social; técnica e tecnologia; capitalismo, dominação
e controle social.
Filmes
relacionados: “Matrix”, dos Irmãos Wachowski;
“Metropólis”, de Fritz Lang; “2001-Uma
Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrick; “IA
- Inteligência Artificial”, de Steven Spielberg; “Eu,
Robô”, de Alex Proyas; “A Máquina do
tempo”, de George Pal.
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Análise
do Filme
“O
Exterminador do Futuro 3–A Rebelião das Máquinas”,
de Jonathan Mostow, de 2003 dá continuidade aos filmes anteriores
(“O Exterminador do Futuro”, de 1984 e “O Exterminador
do Futuro 2 – O Dia do Julgamento, de 1991), ambos dirigidos por
James Cameron, assumindo o mesmo mote narrativo: Andróides (autômatos
de figura humana) são enviados do futuro (o ano de 2029) para
exterminar a linhagem de líder da resistência humana (John
Connor) contra a invasão das máquinas.
Em Terminator (de 1984), dirigido por James Cameron, Arnold
Schwarzenegger representa o andróide cuja missão era matar
Sarah Connor (representada por Linda Hamilton), mulher que futuramente
daria à luz o líder da resistência humana, John
Connor. Em Terminator 2–The Judgement Day (de 1991),
novamente dirigido por James Cameron, o andróide Schwarzenegger
muda de lado e volta empenhado em impedir que outro andróide,
modelo T-1000, muito mais sofisticado que o anterior, e que assume o
corpo de um policial, assassine o adolescente John Connor ( representado
por Edward Furlong), filho de Sarah. Já em Terminator 3,
um andróide, ainda o velho modelo T-101, representado, mais uma
vez, como não poderia deixar de ser, por Schwarzenegger, é
enviado novamente do futuro para proteger o jovem líder da resistência
humana da investida da andróide T-X, a bela "exterminadora"
interpretada por Kristanna Loken, de matar John Connor (Nick Stahl).
Agora a missão da T-X inclui o assassinato de todos os generais
da resistência humana do futuro. Porém, um casual encontro
com Connor e sua amiga Kate Brewster (Claire Danes) fará com
que a andróide o persiga durante toda a duração
do filme.
Na trama
da trilogia de Terminator, os personagens humanos tornam-se
meras figuras subalternas no meio de tanta “destruição
descerebrada”, com direito a efeitos especiais sofisticados, o
que é típico do gênero ficção-científica.
O argumento do filme possui algumas sugestões curiosas que merecem
uma reflexão. Em primeiro lugar, a trilogia de Terminator
nos apresenta uma característica estrutural do gênero
science-fiction (SF): a fragmentação da temporalidade,
observada desde os romances de ficção-científica
de H.G. Wells, como o clássico A Máquina do Tempo
(de 1894).
No romance clássico de Wells a fragmentação
da temporalidade possuía, de certo modo, um sentido quase
filosófico: era expressão do domínio do homem sobre
uma dimensão da Natureza (o tempo). No imaginário ocidental,
seria a última fronteira da dominação do homem
sobre a Natureza. É difícil acreditar que hoje, a fragmentação
da temporalidade possa significar o domínio do homem sobre as
barreiras naturais ou a representação simbólica
da emancipação humana. Pelo contrário, ela tende
a ser meramente um artifício narrativo para as distopias pós-modernas.
Nas narrativas de SF, o desenvolvimento supremo de novas tecnologias,
que permitem a fragmentação, manipulação
e transcendência da temporalidade, servem meramente a interesses
particularistas. No caso de Terminator, o tempo é apropriado
tão-somente como meio de luta política (o que ocorre no
tempo futuro é uma guerra aberta entre Homens e Máquinas,
mote fetichizado do poder destrutivo desenvolvido pela civilização
do capital). Viagens no tempo têm sido exploradas pelo imaginário
de Hollywood há um certo tempo. No decorrer da década
de 1980, a década neoliberal (e pós-moderna), ocorreu
o ápice do fascínio pela fragmentação da
temporalidade nas narrativas de SF. Tivemos, por exemplo, a trilogia
De Volta para o Futuro, (de 1985), dirigidos por Robert Zemeckis.
E outro filme de SF que utilizou o tema da fragmentação
da temporalidade foi Highlander, de 1986, dirigido por Russel
Mulcahy, onde o tempo torna-se um mero campo de luta intermináveis
entre antagonistas titânicos.
Na série Terminator, objetos inanimados, sem revestimento
de tecidos vivo, não podem ser teletransportados no tempo. Por
isso, tanto os andróides exterminadores, quanto o humano Kyle
(no primeiro filme da série, enviado para proteger Sarah Connor),
não conseguem trazer nenhuma arma de destruição
do futuro. Eles chegam totalmente nus no tempo presente (o que sugere
que a viagem no tempo é tão dolorosa quanto um novo nascimento,
como observou Kyle). É um trauma do nascimento do qual não
existe retorno. Ao chegarem no tempo presente, as armas utilizadas pelos
Exterminadores são as próprias armas de destruição
existentes na sociedade. O que significa que os andróides exterminadores
apenas se apropriam de um poder destrutivo existente na sociedade norte-americana,
onde a venda de armas tornou-se uma trivialidade (em Terminator,
é numa loja de armas que o andróide Arnold Schwarzenegger
consegue seu arsenal destrutivo).
Esse detalhe chega a ser curioso: o poder de destruição
massivo, seja através das armas de fogo, seja através
da utilização dos próprios veículos como
armas devastadoras, origina-se da própria sociedade dos homens,
de um mundo capitalista clivado de contradições sociais
antagônicas. Talvez seja interessante uma análise dos tipos
humanos da trilogia Terminator. Por exemplo: com exceção
de policiais, militares, cientistas e agentes da burocracia estatal,
como o médico psiquiatra Dr. Peter Silbermann, as vítimas
do Exterminador pertencem a classes subalternas (jovens punks, hippies,
mendigos).
Em Terminator 2 e Terminator 3, apenas andróides
viajam no tempo. O tempo presente é mera projeção
espectral do tempo futuro, que tende a representar o desenlace catastrófico
do tempo presente. Na verdade, esta é uma dimensão do
sistema sócio-metabólico do capital. Como observa o filósofo
István Mészáros, “o modo de controle sociometabólico
do capital não considera a possibilidade de um futuro, a menos
que o futuro projetado seja visto como uma mera extensão direta
de determinações presentes e passadas”. A trilogia
Terminator, como vários filmes SF pós-utópicos,
não deixam de ser a expressão estética deste modo
de controle socio-metabólico.
Em Terminator, andróides e humanos são meras
representações transtemporais de antagonismos estruturais
que assumem uma dimensão fetichizada: a luta do Homem contra
suas próprias criações, as Máquinas (algo
inimaginável, por exemplo, para H.G.Wells). O tempo presente
torna-se um mero palco de luta convulsiva de andróides, expressando
o dilaceramento entre Homens e Máquinas. Mas homens estranhados,
ou seja, homens que perderam o controle de sua própria criação.
De fato, ela expressa a perda de controle que é intrínseca
ao sistema do capital e que assume, na série Terminator,
uma expressão fetichizada.
A trilogia de Terminador é, portanto, uma narrativa
da perda de controle social (o que é um sintoma da crise
estrutural do capital). Apesar de não estar posta a luta de classe
(o traço de fetichização do gênero SF é
intensa, obscurendo determinações de classe), não
deixa de estar pressuposto o estranhamento, que perpassa o antagonismo
estrutural entre capital e trabalho (a sugestão de um John Connor
como neoproletário, operário da construção
civil, em Terminator III, não deixa de ser curioso).
De fato, as máquinas complexas de inteligência artificial,
verdadeiros autômatos obcecados pelo poder, expressam o devir
outro estranhado do homem. São a projeção estranhada
do verdadeiro antagonismo estrutural do sistema do capital, aquele entre
a totalidade do trabalho vivo e os meios de produção como
capital. Meios de produção que são máquinas
e que representam a ruptura entre produção e controle.
Um segundo tema sugestivo da trilogia Terminator é o
problema da identidade humana e de sua deriva ontológica (o surgimento
das Máquinas como personas estranhadas). Por exemplo, em Terminator
III, verificamos que o que permitiu o domínio das Máquinas
foi um vírus que tomou de assalto o ciberespaço, a Skynet,
a rede das redes. Nesse caso, um vírus não deixa de ser
um autômato virtual. Nesse caso, o que ameaça a Humanidade
não são alienígenas do espaço sideral, uma
metáfora para a ameaça soviética na década
de 1950, como o cinema SF de Hollywood sugeriu com o clássico
O Dia Em Que a Terra Parou (de 1951); ou ainda com Armageddon
(de 1998), metáfora para o terrorismo árabe (o imaginário
fílmico norte-americano sempre foi perseguido por ameaças
alienígenas). Na série Terminator, as ameaças
são criações do próprio homem, da ciência
e da técnica: as máquinas complexas com inteligência
artificial (incluindo o ciberespaço). É o homem e suas
criações complexas que ameaçam o próprio
homem.
Mas a significação da Máquina não é
unívoca. Ela não é meramente a representação
do Mal, pois, como se torna perceptível a partir de Terminator
2, o andróide T-101 enviado para proteger John Connor, é
uma máquina complexa que serve à resistência humana.
O jovem John Connor até a considera, em Terminator II, um equivalente
do pai que não teve (a ausência do pai é flagrante
e sugere mais um sintoma da crise sócio-reprodutiva do capital).
Mas, apesar de não existir uma representação maniqueísta
da tecnologia, a trama narrativa se constrói em cima da idéia
de luta das Máquinas contra o Homem. Entretanto, a partir de
Terminator 2, o andróide Schwarzenegger é um
autômato que está do lado dos homens (o que não
ocorria em Terminator).
Mas o que representa, de fato, a Máquina no imaginário
da trilogia de Terminator? A Máquina como autômato
complexo, inclusive com figura humana (os andróides) é
a alegoria suprema da ambição cruel pelo poder totalitário.
É a representação cibernética da destruição
devastadora. As máquinas complexas são supostamente inteligentes,
mas suas inteligências são opacas, incapazes de sentimentos
e emoções. Por exemplo: o personagem de Schwarzenegger,
o andróide que busca proteger John Connor, age desta forma não
porque alimente algum laço afetivo com ele ou possua lealdade
aos seres humanos, mas porque foi programado para isto. Um detalhe:
Os óculos escuros utilizados por Schwarzenegger são a
representação da falta de subjetividade, onde não
temos mais o acesso ao olhar. Personagens de óculos escuros estilizados,
inclusive como o de Matrix, tendem a representar a negação
do olhar, o vazio da alma, que é a negação do sujeito.
É curioso que um filme como Hulk (de Ang Lee) existe
uma afirmação singela do olhar na figura do “monstro
verde”.
A Máquina não deixa de ser uma metáfora do poder
do capital em sua plenitude abstrata. Submete todos e tudo a seus imperativos
auto-programaveis. O capital é, na expressão de Marx,
um “sujeito automático”. É assim que Marx,
em O Capital, nos apresenta o movimento de auto-valorização
perpetua do valor. Deste modo, a idéia de máquina automática
de destruição, representada nos andróides de Terminator,
é bastante adequada à lógica do “sujeito
automático”.
A representação da Máquina em Terminator
possui também outros significados. Por exemplo, os andróides
exterminadores se apropriam, é claro, da aparência humana,
mas sua essência é de autômatos com feições
grotescas, “esqueletos vivos” de metal. Os andróides
exterminadores sempre buscam uma forma física (e indumentária)
adequada às suas finalidades destrutivas. É como se a
aparência física fosse mais uma variável da programação
para matar. Em Terminator 3, ao invés de um policial
masculino, o andróide exterminador é do sexo feminino.
A andróide T-X é um modelo sofisticado de exterminador,
superior às versões passadas. Apesar de ser “mulher”,
a andróide é tão implacável e destruidora
quanto o policial-andróide do Terminator 2. É
um contraste com o imaginário feminino do Ocidente onde a mulher
é representada como ser frágil. Mas, de fato, não
faz a mínima diferença que o andróide exterminador
seja “homem” ou “mulher” (pois é assim
que ocorre no sistema de poder do capital, que tende a desprezar quaisquer
diferenças qualitativas nas formas reprodutivas de seu poder
de dominação sócio-metabólico).
Deste modo, o que se observa é que a andróide T-X é
uma representação masculinizada da mulher, tão
destruidora quanto o policial do filme anterior. Seria interessante
comparar a representação feminina em Terminator 3
com a de Metropólis, de Fritz Lang (1926), onde um inventor
(Rotwang) cria uma andróide para manipular os operários
(a falsa Maria). Ele cria uma andróide à imagem e semelhança
da líder carismática dos operários (Maria). É
possível apreender algumas diferenças cruciais. Primeiro,
em Metrópolis, a Máquina-andróide é
apenas um meio para a manipulação do capitalista sobre
a massa de operários insurreto. Em Terminator III, a
andróide exterminadora serve às Máquinas (uma categoria
abstrata?) e não a uma classe capitalista (o que demonstra a
diluição total da representação de classe
e a fetichização da suas formas de dominação).
Depois, em Metrópolis, a falsa Maria (a andróide
criada pelo inventor Rotwang), assume, de fato, as qualidades pessoais
da alma feminina, utilizando seu carisma pessoal para conquistar e manipular
o espírito dos operários, e sua sensualidade para seduzir
e enlouquecer os homens. De certo modo, o capitalista (e o inventor
Rotwang) perderam o controle sobre a falsa Maria, que passa a conduzir
Metrópolis para o caos total. É interessante observar
que, em contraste com a andróide T-X, de Terminator 3,
a falsa Maria não destrói nada, mas apenas incita os homens
a destruir. Ela manipula corações e mentes (o curioso
é que, quem destrói, nesse caso, são os operários
insurretos ou os burgueses devassos, que aparecem como massa descerebrada).
Mesmo em 2001 – Uma Odisséia no Espaço,
de Stanley Kubrick (de 1968), a Máquina inteligente, o computador
HAL 9000, se apropria de qualidades humanas plenas (ele não possui
uma aparência humana, mas aparece como sendo mais humano que toda
a tripulação da Discovery). Em Terminator III,
a andróide T-X, que age para destruir John Connor, atua de modo
implacável, arrasando tudo e a todos que se colocam em seu caminho.
Não existe astúcia na perseguição implacável.
Tal como as perseguições de carros pelas ruas de São
Francisco, Los Angeles ou Nova York nos filmes policiais de Hollywood,
o que acompanhamos é a destruição espetacular de
veículos dos mais diversos tipos (os automóveis como símbolos
da civilização fordista?).
Na verdade, Terminator 3 apenas repete, em suas cenas de ação,
a “destruição descerebrada” dos utensílios
da civilização do capital (até mesmo um banheiro
é totalmente destruído). Apela-se em demasia para efeitos
especiais de destruições seriais. Mas não poderia
ser diferente num filme-espetáculo, com a própria Máquina
tornando-se espetáculo de destruição. A andróide
exterminadora, portanto, apenas se apropria de aparência humana
para ser o que é, de fato, um autômato de destruição,
programada para matar John Connor (e não outro qualquer).
O andróide T-101, que protege John Connor, reproduz sua aparência
em Terminator 3 (o papel-mor de Arnold Schwarzenegger). Como
qualquer outro andróide exterminador, viajante no tempo, ele
se apropria de indumentárias humanas. Como viemos a saber em
Terminator 3, Schwazenneger é produzido em série,
tendo a mesma aparência física desde Terminator
(é o mesmo modelo T-101). Mas, apesar de ser o mesmo Schwarzenegger,
é diferente, pois é tão-somente uma máquina
automática complexa de figura humana, um “produto”
cuja unicidade é representada apenas em sua dimensão exterior,
como qualquer objeto produzido em série, e não através
da experiência de vida e de memória (o que caracteriza
o ser humano). Por isso, o andróide Schwazenneger, em Terminator
3, nada retém do passado (mas teria ele a representação
do “passado” ou sua temporalidade seria única, ou
seja, ele “viveria” apenas o tempo presente, imerso numa
presentificação crônica?).
Na verdade, o andróide não teria memória, no sentido
humano. O que significaria que seria incapaz de ter a experiência
do “Outro” (e de si-mesmo), e portanto, da própria
alteridade. O que significa que o andróide T-101 de Terminator
3, apesar de ser o mesmo, não possui a experiência
do “outro” andróide-exterminador (deste modo, o único
personagem que preserva, de certo modo, uma continuidade plena, em relação
a Terminator 2, é o humano John Connor). Apesar disso, ao ver
o andróide Schwarzenegger, John Connor demonstra ainda manter
vínculos afetivos com ele, pois não deixa de identifica-lo
com aquele Schwarzenegger que o salvou em Terminator II.
O que percebemos é que Terminator 3, ao lidar com a
fragmentação da temporalidade e a representação
da Máquina, sugere também uma reflexão sobre a
identidade humana (o que é comum a toda ficção-cientifica
que se preze). É como se o homem, diante da sua própria
negação por um produto de suas próprias mãos,
tivesse que promover uma reflexão tensa (e alucinada) sobre sua
própria humanidade (por exemplo, observamos em outros filmes
SF, como 2001 - Uma Odisséia no Espaço, de Stanley
Kubrick; ou Blade Runner, de
Ridley Scott).
Outro tema do filme é a discussão da capacidade do homem
em fazer história ou intervir nos acontecimentos históricos.
Essa é a tragédia de Sarah e John Connor, desde Terminator.
Eles tentam alterar o curso da história que iria conduzi-los
ao cataclismo final. Desde Terminator, de 1984, a angústia da
mãe e do filho (um drama individual, como é do estilo
hollywoodiano) é tentar resistir e sobreviver aos andróides-exterminadores
e alterar o destino. É perceptível que o andróide
Schwarzenegger não se preocupa em alterar o destino ou “intervir”
na história. O que lhe interessa é salvar John Connor,
não para evitar que a tragédia ocorra (como veremos no
Terminator 3 a dimensão da inexorabilidade da catástrofe
nuclear é bastante clara). John Connor, no final, sente-se como
personagem de uma crônica de uma tragédia anunciada, cujo
próprio agente do destino é, por interessante que seja,
o andróide Schwarzenegger (o andróide T-101 estava ali
apenas para preserva-lo e garantir seu papel de liderança da
resistência humana contra as Máquinas em 2026 e não
para evitar que as Máquinas dominem o mundo).
O que se percebe, e já discutimos isso ao tratarmos da fragmentação
da temporalidade, é que o fetiche do futuro é o único
presente possível. E na ótica ideológica de Terminator
3, o futuro já aconteceu (o que seria a negação
da historicidade, expressão típica do discurso pós-moderno).
Na verdade, o que observamos como tempo presente é apenas um
campo espectral do futuro, palco de luta dos andróides. O presente
é a mera representação do futuro anunciado.
Portanto, a trilogia Terminator é a plena expressão de
que, para o capital, a temporalidade é problemática. O
futuro é uma projeção espectral do presente exacerbado
em suas determinações de barbárie. Mészáros
observou que os defensores do capital tendem a projetar as relações
capitalistas de troca até a aurora da história. Diríamos
que, a implicação ideológica do capital projeta
não apenas as relações capitalistas não
apenas no passado, mas, inclusive, no futuro. Por isso, o futuro é
apenas um presente exacerbado em suas determinações de
barbárie, intrínsecas à ordem do capital. No filme,
o destino de John Connor é ser líder da resistência
humana. Para os andróides-exterminadores, inclusive o T-101,
ele é apenas o espectro de seu destino. Sua outra identidade
pessoal é negada. Ele não é ele mesmo. Ele é
o que vai ser.
Em Terminator III, John Connor aparece como operário
da construção civil, individuo excluído, vagando
pelo mundo, um easy rider, quase buscando a auto-destruição.
John Connor resiste ao destino da barbárie, pois, após
o cataclismo nuclear, o que vislumbramos é a barbárie
plena, o verdadeiro inferno (o cenário distópico é
um dos mais tenebrosos apresentados pela SF de Hollywood, não
comparável a Matrix, que, pelo
menos, sugeria o simulacro). Enfim, o tema profundo de Terminator
é o tema da praxis social, isto é, pode o homem interferir
em seu destino? A estrutura narrativa do filme, principalmente em Terminator
III, sugeriria um “não”. Estamos diante de uma
Teodicéia profana, ao estilo do velho Hegel, com os sinais invertidos,
pois ao invés de um grandioso plano da auto-realização
atemporalmente anunciada do Espírito do Mundo, temos um bárbaro
plano de degradação perversa do mundo dos homens atemporalmente
anunciado pelo Espírito do Capital, fetichizado como Máquina,
com sua inexorável incontrolabilidade. O descontrole devastador
do sistema sócio-metabólico do capital se expressaria,
de forma fetichizada, na perda de controle dos homens sobre as Máquinas.
Algumas curiosidades: tanto em Hulk, de Ang Lee, como em Terminator
III, é perceptível a presença de militares
como pais das heroínas do filme. Alias, o poder militar dos EUA
aparece como criador e vitima das máquinas destruidoras. Inclusive,
Hulk não deixa de ser uma “máquina” destruidora,
mas sem nenhuma analogia com os andróides exterminadores de Terminator
( em Hulk, a natureza destrutiva é a mesma de Frankenstein).
Hulk é um monstro e não uma máquina. Enquanto a
máquina é um fetiche cego, tal como o capital,
o monstro é a expressão de um homem degradado,
pervertido e perverso em sua corporalidade viva, expressão estranhada
da própria humanidade (o modelo clássico é a criatura
Frankenstein, monstro construído com pedaços de corpos
humanos ou Mr. Hyde, personagem do clássico de Robert Louis Stevenson).
Giovanni
Alves (2003)
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