Perguntas
e Respostas
Análise Critica do Filme
1.
Por que um Projeto de Sociologia e Cinema ?
A
sociologia é a disciplina da modernidade do capital que
surgiu com capitalismo industrial. A sociologia crítica
é a ciência social capaz de apreender as múltiplas
determinações do ser social capitalista inscritas
na narrativa fílmica. Com certeza, existem muitos projetos
pedagógicos que buscam utilizar, como mero recurso ilustrativo,
o filme para discutir temas das disciplinas de história,
psicologia, filosofia, educação e direito. Entretanto,
o Projeto Tela Crítica busca ir além do uso do filme
apenas como mero recurso ilustrativo de temas sociológicos.
Aliás, visa ir além do próprio objeto em
si da investigação sociológica. Na verdade,
trata o filme como pre-texto para a reflexão critico-sociológica
no sentido amplo da palavra "sociologia", capaz de propiciar,
um campo de experiencia critica voltado para o conhecimento verdadeiro
da totalidade social. O Projeto Tela Crítica busca "dialogar"
com elementos sociológicos sugeridos pelo filme.
Ora, o filme reflete (e representa) uma totalidade social
concreta, compondo um conjunto complexo de sugestões
temáticas que podem ser apropriadas para uma reflexão
critico-sociológica. Mesmo um drama psicológico
ou um filme de terror, por exemplo, possuem, em última
instância, elementos significativos que refletem (ou representam)
determinadas traços da vida social concreta. Enfim,
o Projeto Tela CRítica exige, de cada um de nós,
imaginação sociológica. É
através da análise critica do filme que podemos
nos apropriar de sugestões temáticas e desenvolver
determinadas refelxões histórico-sociológicas.
Não compete ao filme explicar. O filme apenas
sugere. É a teoria sociológica critica
(e dialética) que é capaz de, a partir das "sugestões"
do filme, contribuir para o conhecimento social. Entretanto, a
teoria critica apenas nos sugere o ponto de partida.
O itinerário de reflexão critica é o percurso
essencial, inclusive desvelando novas determinações
do objeto social. Não podemos meramente "aplicar"
a teoria critica ao filme. A idéia é discutir a
sociedade a partir do filme, mais do que discutir
o filme a partir da sociologia.
2.
Com o Projeto Tela Crítica, o sociólogo torna-se
crítico de cinema?
O
Projeto Tela Crítica não é um projeto
de sociologia do cinema, mas sim de sociologia e cinema.
Para nós, o filme é apenas um pré-texto
para uma reflexão critica, totalizante e totalizadora,
sobre a sociedade burguesa. É claro que, ao utilizarmos
o filme no processo pedagógico, somos obrigados a passar
pela instância do meio filmíco, isto é, a
forma filmica e sua dimensão estética, mediação
ineliminável da Sétima Arte. Entretanto, nossa proposta
é irmos além da Tela, desenvolvendo discussões
sociológicas a partir de eixos temáticos sugeridos
pelo filme; desvelando, através da análise
critico-dialética, categorias sociais e elementos reflexivos
não necessariamente postos conscientemente pelo diretor
ou roteirista do filme. Enfim, a verdadeira obra de arte é
superior (no sentido de ir além) ao próprio
criador, tanto no sentido ontológico, isto é, não
existe a mera identidade sujeito-objeto, quanto no sentido epistemológico,
ou seja, é capaz de propiciar sugestões heuristicas
para além da intencionalidade do próprio criador.
Todo filme possui uma dimensão estético-formal,
que é objeto da teoria do cinema propriamente dita, e uma
dimensão político-sociológica, que contém,
implicitamente, traços e pistas essenciais compositivos
da sociabilidade burguesa. Todo filme é, deste modo, tanto
reflexo sociológico, quanto representação
ideológica do mundo burguês. É claro
que o reflexo sociológico pode estar mistificado, invertido
ou obliterado pela representação ideológica.
Por isso torna-se necessário a análise crítica.
Por isso, chama-se Tela Crítica: quer dizer, ir
além da Tela. O que significa que a análise
crítica é também uma análise de desconstrução
racional do objeto filmico, apreendendo e desenvolvendo de
forma lógico-categorial suas sugestões temáticas.
O operador da metodologia Tela Crítica precisa conhecer,
se possível, as teorias do cinema, enfim, buscar
dominar os meandros da Sétima Arte, isto é, conhecer
a morfologia estética, a psicologia e a sociologia do cinema.
Isto é, conhecer os elementos da forma do filme.
Isto ajuda a aprimorar a análise critica do objeto filmico.
Ou seja, dominar o meio é importante. Deste modo,
a análise critica do filme pressupõe um momento
de critica do cinema. Mas, é preciso ir além,
senão ficaremos tão-somente na análise da
forma do filme. Na verdade, temos a obrigação
de desenvolver a problemática social sugerida
pelo filme (uma totalidade social concreta com suas múltiplas
instâncias sociais). É importante apreender os eixos
temáticos (eixo temático principal e subtemas
vinculados) e tratá-los a partir da teoria social crítica,
mobilizando, deste modo, a sociologia, antropologia, psicologia,
história e economia. É a teoria critica
e seus elementos categoriais que contribuem para desenvolver
e explicar, num primeiro momento, os elementos sugeridos
pelo filme. Como a proposta do Projeto Tela Crítica é
a análise social crítica, o melhor referencial teórico-analítico
ou principio explicativo do mundo burguês é o marxismo
dialético, aberto para as contribuições das
ciencias sociais e dos clássicos sociológicos (Émile
Durkheim e Max Weber, por exemplo) e da psicanálise (a
psicanálise é a ciência crítica da
subjetividade burguesa, apesar do viés biologicista ou
psicologista do freudismo). Enfim, quanto mais ilustrado,
no sentido cultural, e aberto, no sentido epistemológico,
isto é, capaz de apreender as mais diversas contribuições
da teoria social do século XIX e do século
XX - psicologia/psicanálise, antropologia, história,
filosofia, etc, mais o operador do Tela Crítica será
capaz de apreender a riqueza dos elementos da totalidade social
concreta pressupostas nos filmes.
3.
Todos os filmes contribuem para a Tela Crítica?
Nem
todos os filmes têm o mesmo valor heurístico. Num
primeiro momento, é importante utilizar filmes clássicos,
filmes de grandes diretores e de mestres-artesãos do cinema
mundial. A grande Arte, a verdadeira arte realista, é pródiga.
O cinema viveu tempos áureos no século XX, com sua
capacidade de explicitar, de forma magistral, os nexos problemáticas
da modernidade tardia do capital. Os clássicos do século
XX foram W. Griffith, Charles Chaplin, Buster Keaton, Harold Lloyd,
Frank Capra, Fritz Lang, William Wyler, John Huston, Stanley Kubrick,
Federico Fellini, Luchino Visconti, Pier Paolo Pasolini, Vittorio
De Sica, Roberto Rosselini, Ingmar Bergman, Eisenstein, Tarkovski,
Jean-Luc Godard, Michelangelo Antonioni e muitos outros. É
com os filmes clássicos e seus legitimos herdeiros estéticos
contemporâneos que podemos tirar o melhor do Projeto Tela
Crítica. Assiste-se hoje muito pouco aos clássicos
do cinema e se esquece que a magia do cinema deve muito àqueles
que conseguiram aprimorar a Sétima Arte no século
XX. Quando dizemos aprimorar o cinema, dizemos não apenas
aprimorar a capacidade técnica-formal, insuperável
em nosso dias com os magistrais efeitos especiais, mas principalmente
a capacidade estético-critica, que tende hoje a se degradar,
tendo em vista roteiros banais e a lógica de mercado hegemônica
que rebaixa as narrativas ao gosto comum das massas e à
sua capacidade obtusa de entendimento. Entretanto, o Projeto Tela
Crítica se utiliza muito dos filmes contemporâneos,
capazes de explicitar temas sociológicos que tenham compromissos
com a arte realista (o que implica o realismo em todas
suas variantes estéticas, não desprezando, é
claro, os generos ficção-científica
ou o genero horror). Apesar dos clássicos serem
indispensáveis e necessários, eles não são
suficientes. Todo filme realista pode ser objeto de analise fílmica.
Além disso, mesmo do "lixo" da indústria
cultural é possível tirar sugestões criticas
interessantes, capazes de desvelar, desfetichizar/desmitificar
a lógica do sistema do capital e a sociabilidade do mundo
burguês, pois é isso que interessa explicitar. Finalmente,
uma das funções do Tela Crítica é
criar uma nova sensibilidade estética, uma cultura filmica
comprometida com os valores humanistas e com a consciencia critica
do mundo burguês.
4.
Por que o compromisso do Tela Crítica com a Critica Social?
Apenas
a análise crítico-dialética é capaz
de vislumbrar as determinações essenciais da totalidade
social concreta, apreendendo a riqueza múltipla das sugestões
heuristicas propiciadas pela narrativa fílmica, com seus
detalhes interessantes sobre a sociabilidade burguesa. A dialética
é a ciência da vida, nos disse Hegel. A arte imita
a vida. Enfim, o cinema é a maior expressão (reflexo/representação)
da vida moderna. Só uma análise dialética,
materialista e histórica, comprometida com a crítica
social, é capaz de vislumbrar a riqueza das múltiplas
determinações que compõem a narrativa filmica
da grande obra. O positivismo é infértil e medíocre.
É incapaz de imaginação sociológica.
Ele não consegue ir além da estrutura narrativa
dada e cultiva meras ilações formalistas. É
incapaz de apreender as contradições objetivas da
estrutura social e seus reflexos dialéticos na trama artistica.
É incapaz de tratar da totalidade concreta e da dialética
entre a parte e o todo, individuo e sociedade,
passado e presente. Enfim, a crítica social que está
imbuída do compromisso prático-material com a “negação
da negação”, é capaz de ver e apreender
as contradições do real social e histórico
e seus reflexos estéticos, tendo em vista que são
elas, as contradições do todo social burguês,
que nos permitem vislumbrar o para além do que é
dado – pelo menos enquanto utopia (e possibilidade) concreta.
5.
Como o Projeto Tela Crítica se diferencia de outrs projetos
pedagógicos que utilizam o filme?
O
filme tem sido utilizado como elemento de reflexão pedagógica
em várias áreas de estudo acadêmico: historia,
psicologia, psicanálise, filosofia, direito, etc. Na área
de história e na área de educação
existe uma larga reflexão sobre a utilização
do filme em sala de aula ou do filme como objeto de pesquisa em
educação. Na verdade, na área de educação
o que existe não é propriamente análise de
filme, mas investigação sobre o vínculo educação
e cinema. É quase uma sociologia educacional do filme.
O educador, ao elaborar a análise do filme, é obrigado
a recorrer ao instrumental heurístico da sociologia, psicologia/psicanálise,
antropologia ou historia. O mesmo ocorre com professores de direito,
por exemplo, que utilizam o filme para uma reflexão sobre
a prática jurídica. A análise do filme é
um meio de reflexão sobre a prática profissional
(no caso dos educadores, utiliza-se o filme nesse sentido –
meio de reflexão da prática pedagógica).
Inclusive, até professores de quimica têm utilizado
o filme em sala de aula para tratar de contéudos da disciplina.
Enfim, a segmentação das práticas pedagógicas
que utilizam o filme é bastante interessante, pois demonstra
ser o filme, a verdadeira "linguagem" universal. Entretanto,
o filme utilizado por tais disciplinas não possui propriamente
caráter heurístico. Ele não incita a investigação
científica propriamente dita, mas apenas contribui para
a validação (ou não) de determinados contéudos
disciplinares ou práticas profissionais. O filme é
utilizado como mera ilustração. A análise
do filme não é um exercicio reflexivo em si, mobilizando
categoriais de análise e principios explicativos.
Para o Tela Crítica, o filme é uma totalidade social
concreta in vitro, mediada, é claro, pelos elementos
da representação ideológica que a constitui.
É claro que, muitas vezes, o filme é objeto
de investigação em si e não meio
para uma reflexão disciplinar sobre o mundo sócio-histórico.
É o que ocorre, por exemplo, com a sociologia do cinema.
Entretanto, o Projeto Tela Crítica utiliza o filme de forma
diferenciada. Ele é um projeto pedagógico no sentido
latu do termo. Ele busca agir sobre (e com a) subjetividade
das pessoas através da análise do filme. Busca dar
vida ao conceito através da arte, antropomorfizando
o que a ciência social desantropomorfizou. O filme incita
(e excita) a reflexão critica.
6.
Como o Projeto Tela Crítica trata as abordagens divergentes
na análise de filmes?
É
claro que existem múltiplas leituras de uma narrativa filmica.
O que não quer dizer que todas as abordagens (ou análises)
de filme tenham o mesmo valor heurístico, no sentido de
apreender as determinações essenciais do todo concreto
da obra filmica. Existem boas e más interpretações
de filme. Algumas se detém nos elementos contingentes e
não conseguem apreender os nexos essenciais sugeridos.
Uma boa análise de filme possui coerência lógica
interna, devendo sempre se basear em fatos narrativos
e não em mera suposição subjetiva de quem
analiza. Às vezes, um detalhe é importante, mas
não é o essencial. O que não quer dizer que
devemos desprezar os detalhes da narrativa. O que devemos é
apreender os nexos essenciais da estrutura narrativa e seus temas
significativos, capazes de serem desenvolvidos pela análise
crítica. A melhor teoria explicativa do filme é
aquela que consegue dar mais significados heuristicos ao maior
número de elementos narrativos do filme.
7.
Existe uma Metodologia de Análise de Filmes do
Projeto Tela Crítica?
É
possível discriminar os seguintes passos para uma análise
crítica do filme: (1) assistir o filme, de preferência
em cópias de ótima qualidade de imagem e som, buscando
preservar os principais elementos da forma filmica. Não
podemos nos esquecer que cinema é imagem e som em movimento.
É importante garantir tela grande e ótima qualidade
de exibição, elementos capazes de envolver,
no plano subjetivo, o público. O primeiro impacto
emocional do filme é decisivo. O filme que consegue mobilizar
a inteligencia emocional do público é aquele
capaz de contribuir para o projeto do cinema como experiencia
crítica. A exibição é o primeiro momento
da catarse analítico-critica, que é a proposta do
projeto pedagógico Tela Crítica; (2) apreender a
estrutura narrativa e seus elementos primários e secundários.
É importante desconstruir a narrativa filmica,
com seus múltiplos personagens e situações-chaves.
O rigor analítico e a precisão de detalhes é
decisiva; (3) discriminar o eixo temático principal e os
temas significativos primários e secundários sugeridos
pelo filme, ou seja, seus eixos temáticos principais e
de segunda ordem. É a partir daí que podemos refletir,
de forma crítica, sobre o filme. E finalmente, a análise
do filme a partir deste desenvolvimento teórico-categorial.
E mais: o desenvolvimento categorial para além do filme,
remetendo a outros filmes do gênero. Podemos, deste modo,
discriminar um movimento de ida: a análise teórico-categorial
se apropria do filme. Mas o verdadeiro desafio é
provocar o movimento de volta: a obra filmica contribuindo
para o desenvolvimento teórico-categorial. O que exige
estudo do objeto sociológico sugerido pelo filme e o desenvolvimento
de seu conteúdo. É o momento da síntese
conceitual.
8.
Onde utilizar a Metodologia de Analise de Filme Tela Critica?
Pode
ser utilizada em escolas de ensino médio e ensino superior
com a devida adaptação, pois deve-se levar em consideração
o grau cognitivo do público-receptor. Além disso,
é um instrumento precioso nas atividades de formação
política e social (em geral, sindicatos e partidos têm
desprezado o uso do filme na pedagogia politica). A análise
do filme pressupõe sujeitos de recepção ativos
e dispostos a uma experiência crítica. Não
é meramente “colar” a ideologia no filme, mas
utilizar a obra de arte para desenvolver uma consciência
crítica. Deste modo, o Projeto Tela Crítica é
incompatível com a análise dogmático-sectária.
Algumas vezes, a utilização do filme como mera ilustração
de conteúdo dado em sala de aula possui certo viés
dogmático. O Projeto Tela Critica se propõe a fazer
o caminho inverso da indústria cultural que quer tão-somente
entreter o público - o importante é fazê-los
sentir e refletir.
9.
Como deve atuar o operador da Metodologia Tela Crítica?
O
operador do Tela Crítica deve atuar como facilitador
ou mediador da prática reflexiva, procurando evitar a dispersão
que é comum numa análise de filme. O operador deve
instigar o estudo prévio dos elementos teórico-analíticos
e seu arcabouço teórico-categorial. Análise
de filme é dificil, pois além do dominio criativo
da teoria sociológica explicativa, exige imaginação
sociológica. Não basta a teoria, é preciso,
muitas vezes, ir além dela, re-criando-a. O maior perigo
da análise do filme é o subjetivismo. Deve-se
“cruzar” as interpretações e buscar,
no interior da estrutura narrativa, seu sentido imanente. É
de fundamental importância a capacitação
teórico-analitica do operador da metodologia Tela
Crítica. Aliás, sem a capacitação
teórico-analítica não existe análise
critica. Como destacamos no ensaio “A
hermenêutica do filme”, o papel do sujeito-receptor
é deveras importante. É ele que apreende os significados
imanentes da obra filmica. Mas a apreensão critica exige
um público qualificado. Um operador Tela Crítica
deve saber utilizar o meio narrativo para educar
o público sobre o significado concreta de categorias da
dialética social. Uma categoria social é uma forma
de ser, isto é, uma determinação
da existência. Esta é a função
pedagógica do Projeto Tela Crítica. Parafraseando
Picasso poderíamos dizer que o filme é uma mentira,
mas uma mentira que nos ensina a verdade. Mas para isso precisamos
estar abertos à apreender a verdade sociológica
através da análise dialética. É interessante
o confronto de análises de filme, pois é através
deste confronto analítico que a dialética materialista
demonstra sua superioridade heurística em relação
às demais abordagens sociológica ou psicológica.
Em
caso de dúvidas ou novas perguntas,
envie e-mail para o Projeto Tela Crítica
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