“Contato”, de Robert Zamecks


(1997)

 


Contato, filme dirigido por Robert Zemeckis, (EUA, 1997), o mesmo diretor de Forrest Gump e De volta para o Futuro. Foi baseado no livro do grande divulgador cientifico Carl Sagan, morto em 1997, que o escreveu originalmente para ser um roteiro cinematográfico em 1980 e depois foi lançado como romance em 1985. A viúva de Sagan afirmou em entrevista que ele escolheu Jodie Foster para o papel pela imagem de ética que ela transmite. Além de Jodie Foster, o filme tem no elenco Matthew Mcconaughey e James Woods.
Sagan, como um defensor do método científico, passou sua vida criticando a astrologia e a soluções mágicas, mas nunca negou o desconhecido. Negava as explicações redutoras e esotéricas, mas sempre buscou o contato com outros mundos.

Sagan participou do projeto SETI (Seach for Extraterrestrial Inteligence) e idealizou um documento assinado por vários cientistas como Stephen Hawking, Fred Hoyle, Linnus Pauling. O projeto SETI foi criado na década de 60 por Frank Drake, que trabalhou numa equação que estimava a existência de vida extraterrestre, mas só começou a amadurecer em 1980 com o avanço da microeletrônica e nos métodos de processamento de informação. É justamente essa busca do SETI que se reflete no filme. É o pensamento do que “falta” descobrir na ciência.

Nas cenas iniciais o filme mostra justamente a formação do “espírito cientifico”, quando a curiosidade de Ellie (Eleanor Ann Arroway) é estimulada por seu pai, que indicava pistas, mas nunca lhe dava as respostas prontas. É a figura do bom mestre que apenas aponta o caminho, mas deixa o discípulo trilhar sozinho.
Ellie possuía um radio amador e tentava contato com pessoas distantes, dizendo “I seek you”, expressão, que no final dos anos 90, deu origem a um programa de comunicação pela Internet (ICQ - que se fala da mesma forma que I seek you, ou seja, Eu procuro você).

 


Utilizando a tecnologia do rádio, Ellie ampliou seus limites e seus contatos, num certo momento ela entra em contato com uma pessoa em Pensacola, na Flórida, e imagina como seria esse local, e desenha uma praia


Mas ela deseja ir cada vez mais longe. Deseja sentir outros países, a lua, outros planetas, até que ela encontra um limite que vai além da dimensão do espaço: ela deseja falar com a mãe, que morreu quando ela nasceu. Quando o pai morre, a falta de contato é ainda mais dolorosa e ela procura desesperadamente um sinal dele.

Sua vida profissional é a continuação desse desejo de contato e como cientista Ellie consegue rádios mais potentes e também trabalha no seu doutorado para aumentar a sensibilidade dos radiotelescópios e aumentar a possibilidade de “sentir” outros mundos.

Ellie, agora chamada de Dra. Arroway representa uma figura da ciência pela paixão, uma cientista que tem subjetividade e ética. Nesse ponto o filme mostra a tecnologia a serviço dos nossos sonhos e buscas pessoais; ela não é neutra, mas é uma concretização de desejos humanos.

Dra. Arroway participa do projeto SETI em Arecibo, em Porto Rico, tentando captar ondas de rádio vindas do espaço. Nesse trabalho ela tem um procedimento diferente dos outros cientistas: ela realmente coloca os fones de ouvido e escuta as ondas, dizendo que isso faz parecer real, enquanto os seus colegas apenas monitoram os equipamentos. A experiência para ela só faz sentido quando atinge a sua percepção, para que ela acredite nos números e gráficos mostrados pelos computadores; ela precisa sentir as ondas “no corpo”. Nessa questão a percepção também há um personagem interessante que é o Cientista Kent, que é cego e por isso é capaz de perceber melhor os padrões de onda por ouvir melhor os sinais. São as sombras que não podem ser desprezadas e devem ser escutadas pela ciência que foi sempre tão “iluminista”.
Ellie tem dois contrapontos: Dr David Drumlim (Tom Skerritt) e Palmer Joss (Matthew Mcconaughey). Um representa o mau cientista e o outro a espiritualidade.

 


Ela conhece Joss num bar em Arecibo; ele é um religioso que se mostra desconfiado em relação à tecnologia e aos males que ela causa no terceiro mundo e diz que não é contra a tecnologia, mas contra quem endeusa a tecnologia em detrimento da busca da verdade.

Todo o enredo desse filme gira em torno da busca da verdade. Um símbolo claro disso é a bússola que Ellie e Joss sempre deixam um com o outro todas as vezes que discordam sobre o tema “verdade”. A bússola indica a direção certa e é como um dissesse para o outro que ele está na direção certa e o outro precisa aprender. No momento da viagem espacial ele dá a bússola pedindo a ela que encontre uma forma de voltar e durante a viagem, a bússola flua e ao pegá-la ela sai do casulo da máquina indo para o “espaço” onde ela encontra seu pai.

No primeiro encontro, Joss tenta descrever para Ellie a experiência que o fez tornar-se religioso, numa tentativa sempre presente nas obras de Sagan de unir o ceticismo á admiração. Mas Ellie, que justamente representa o ceticismo, sente falta das “provas”. Ao mesmo tempo que ela gosta dele, essa relação com a religião a incomoda. Ela lembra de um padre que a consolou no momento da morte de seu pai dizendo que é difícil entender, pois é a vontade de Deus; mas ela responde dizendo que se ela tivesse deixado o remédio no andar de baixo isso não teria acontecido, ela podia ter evitado o ataque cardíaco. Ela deseja uma mudança no espaço-tempo. Ela não aceita simplesmente a “vontade de Deus”.

Já seu ex- professor e orientador Drumlin é a figura do cientista “mau”, que nem sempre é ético, mas que é respeitado pela academia e pelos políticos. Ele a persegue zombando de suas buscas, mas quando ela realiza as descobertas ele fica com os louros e ainda diz o que as pessoas querem ouvir para ser escolhido como representante da humanidade. Ele não diz “a verdade”, mas diz a verdade esperada e aceita. E ainda acredita que faz isso pelo bem de Ellie, para que ela publique, para que ela busque uma carreira melhor, dentro dos padrões mais aceitos.

 


Outra figura interessante é o Mr. Hadden que primeiro financia os trabalhos de Ellie como uma entidade secreta, vigia o tempo todo suas ações e depois a ajuda a decifrar os códigos da mensagem. No final é considerado como o louco que forjou o sinal para ganhar notoriedade. A figura dele é o de provocador das certezas, aquele que a faz pensar em outras dimensões.

Quando acontece a descoberta do “Sinal”, há uma militarização do projeto e um controle das informações veiculadas. Todas as notícias devem ser “apaziguadas”, o que no fundo reflete o medo das mensagens desconhecidas serem de guerra. Já que os “alienígenas” são superiores a nós eles podem querer nos dominar. É a lógica da dominação americana projetada.

Michael Kitz, que é o secretário de segurança do governo, repreende a Dra. Arroway porque ela pediu a colaboração de cientistas russos para receber o sinal, dizendo que ela violou a segurança, mas ela mostra que se não tivesse feito isso não teria captado toda a mensagem. É a visão da ciência como um bem universal que deve ser compartilhado.
Quando a mensagem aparece como uma retransmissão da imagem de Hitler é uma cena assustadora que gera mais medo ainda. Mas foi preciso “ver além da imagem”, ouvir as entrelinhas onde estava a “real” mensagem.

O anúncio da descoberta do sinal causa várias formas de interpretações do desconhecido e da instabilidade na sociedade, pois causa nas pessoas o abalo da “verdade” e do “solo conhecido”. As cenas mostram vários programas de TV debatendo o tema de uma forma satírica, tentando dar uma “leveza” ao assunto.
Os cultos aumentam 40%, tanto os que dizem que Jesus está em Vega como os cultos que dizem que Hitler está em Vega. O “sinal” vem de Vega e esse é o novo espaço para as seitas, É a necessidade do locus, da relação com o sagrado a partir de um espaço.

Nesse momento retorna Joss, que é conselheiro espiritual da Casa Branca e afirma que a tecnologia não tornou o mundo melhor e sim tornou a vida vazia. Ellie discute com ele sobre seu livro, dizendo que não tem como provar a existência de Deus por isso não se pode saber se não é apenas uma ilusão. Ele retruca dizendo: como você pode provar que amava seu pai?

Será que a ciência dá conta da realidade? É a eterna luta contra a objetivação do mundo e por outro lado contra a subjetivação. E não como um objetivo-subjetivo, polaridade da mesma coisa, como consciente e inconsciente.

Mas mesmo com medo do desconhecido, a “máquina misteriosa” é construída, aquela que ninguém sabe para que serve, mas parece um transportador. E começa a grande corrida em busca de um representante mundial.

Joss usa a “falta de fé” de Ellie para evitar que ela seja escolhida para a viagem espacial. Ele afirma que ela não pode representar o mundo, já que 95% das pessoas acreditam numa forma de Deus, ela não pode dizer que todos sofrem de uma “ilusão coletiva”. Ela afirma que não é espiritual, mas têm princípios morais.

Ellie é excluída porque não disse a verdade que as pessoas queriam ouvir e o escolhido como representante é o “cientista ruim”, Drumlin, que ainda se justifica com Ellie dizendo que gostaria que o mundo fosse honesto, mas infelizmente ele não é assim. Mas ela realmente tem princípios morais e acredita que o mundo é feito pelas pessoas. A primeira máquina é destruída por um fanático religioso, matando Drumlin e as pessoas próximas.

Aparece então novamente o misterioso Mr. Hadden, que dá a Ellie uma nova chance, com uma segunda máquina que havia sido construída ao mesmo tempo em que a primeira.

Ela tem a chance de experimentar uma viagem no tempo-espaço, um túnel dimensional, como os buracos de verme previstos na teoria de Einstein. A matéria parece mudar, ficar translúcida, aparece um campo magnético e ela é enviada para esses túneis. A textura, a densidade do ambiente para o qual ela é transportada é diferente.

Ela fica maravilhada e deseja que todos pudessem sentir o que ela estava sentindo naquele momento, diz que deveriam ter mandado um poeta pois ela, que é fluente na língua da ciência, não tem palavras para descrever aqueles eventos.

Essa frase mostra a necessidade da expressão simbólica, que a ciência exata não dá conta. Por que o símbolo engloba conteúdos inconscientes, que não são sinais mensuráveis. Por isso a experiência humana não pode ser medida nem transmitida pela linguagem científica.

Ela encontra seu pai num ambiente que lembra a Pensacola imaginada na infância e pergunta o porquê do contato. Ele diz que foi ela que o procurou primeiro.

Quando ela volta da viagem, percebe-se que o tempo passou de uma forma diferente. Para ela foram cerca de dezoito horas, enquanto na terra passou-se menos de uma fração de segundo. Assim o tempo que ela ficou fora não foi percebido nem pelos instrumentos nem pela observação das pessoas. Ela fica angustiada, pois não tem como provar a sua experiência, mas diz que todo o seu ser afirma que aquilo foi “real”.

No final do filme é revelado um fato que tende a afastar a suspeita da heroína: são as 18 horas de estática registradas no gravador. Isso não se torna conhecido da população no filme, mas reforça que ela falava a “verdade”.

O filme termina com o retorno do herói, no caso da heroína, que empreende sua jornada e encontra o “ouro”. Porém esse ouro só tem valor para quem busca, aos olhos dos outros ele não é ouro. E ela volta para seu ponto de partida para ensinar as crianças que fazem as mesmas perguntas que ela fazia: se há vida inteligente no espaço e ela diz para que cada um busque a sua própria resposta.Mas provoca com a mesma resposta que recebeu do pai: que se não houvesse seria um tremendo desperdício de espaço.
Em 1993 o congresso americano cortou a verba que a NASA aplicava no projeto SETI, mas atualmente há o Instituto SETI que promove o SETI At Home, no qual milhões de voluntários utilizam seus computadores pessoais para ajudar a interpretar os dados obtidos por sinais de radiotelescópios. Será que isso é ciência ou é uma ilusão coletiva?

No filme há uma fala de Bill Clinton dizendo. “Encorajo a todos a não ver nessa situação nada além dos fatos” e acho que o filme nos faz pensar que temos que ir além dos fatos e reconhecer que não podemos explicar tudo de uma forma racional, factual. Nem sempre a Navalha de Occan cabe, pois a resposta mais simples pode ser a mais redutora.

No início do filme há uma confusão de ruídos de fatos históricos transmitidos em diversos espaços-tempo e tudo isso vai sumindo aos poucos, perdendo intensidade conforme vamos viajando no espaço, a imagem vai ampliando, ampliando nosso universo até chegar ao olhar de Ellie. É o uno e o todo, o macrocosmo e o microcosmo.

A experiência pessoal não pode ser ensinada é preciso vivenciá-la. O homem é um ser simbólico e faz uso desses símbolos porque há coisas que escapam da nossa compreensão consciente e não pode ser descrita seguindo os padrões aceitos.

A procura da verdade estática e universal, que segundo Nietzsche é a causa da doença da modernidade, da desvitalização do homem, não faz mais sentido. É preciso explorar novas dimensões, novos espaços-tempo, novos contatos. E para isso é preciso questionar a que regimes de verdades estamos sendo submetidos, quais são os saberes que são considerados e quais são soterrados. Não é valorizar o subjetivo em detrimento do objetivo, nem vice-versa, mas é reconhecer que os dois coexistem e não podemos substituir um pelo outro.


Paula Carolei
é Mestre em Educação pela UNICAMP
e doutoranda em Educação pela USP
(2004)