“Cidade dos Sonhos” de David Lynch
A vida é sonho. E, muitas vezes, o sonho converte-se em pesadelo. O cinema de David Lynch parece organizar-se com freqüência em torno deste limiar frágil que separa a realidade e a fantasia e, ao assim proceder, a própria natureza do cinema é igualmente colocada em discussão. Afinal, existirá arte mais próxima do onírico? Quando as luzes se apagam, quando a tela branca vai sendo paulatinamente preenchida por uma infinidade de imagens, não é ao mundo dos sonhos que nos transportamos? De tão fundamental, tal associação já foi desenvolvida pelos mais diferentes cineastas, nas mais inesperadas direções. Tomemos apenas um dentre muitos exemplos possíveis: O Gabinete do Doutor Caligari de Robert Wiene (1920). Quem sonha neste filme clássico? É o louco com seus delírios persecutórios, vendo no diretor do asilo um ser diabólico que o persegue? É o Doutor Caligari, vilão que a todos engana, fazendo-se passar por médico? É o público, que acompanha avidamente primeiro o delírio do louco, depois a desmistificação do homem de ciência, sempre crédulo, no entanto, ao acompanhar a força irresistível das imagens? Ou serão as massas na própria Alemanha que, anos depois irão mergulhar no pesadelo do nazismo? O adormecer e o sonhar da razão produzem figuras monstruosas, mas estas nunca mais foram as mesmas a partir da invenção do cinema.
Quando
finalmente o sonho é deixado para trás, surge o pesadelo
que é a vida de Betty. Apaixonada por Camilla, vive como atriz
fracassada, talvez prostituta, que se desespera diante da possibilidade
de perder Camilla para o jovem diretor Adam Kesher. O ciúme
a leva a encomendar a morte de Camilla e ao suicídio, envenenada
pela culpa. Mas nada está nitidamente separado, pois essa vida
“real” permanece imersa num clima onírico de desespero.
Tudo o que Betty persegue em sua vida é ilusório, quer
seja o sucesso como atriz em Hollywood, quer seja o amor incondicional
de Camilla. Em contrapartida, Diane busca certezas: a identidade de
Rita, a reconstituição de sua história, o lugar
certo de todas as coisas. Mas, do mesmo modo que atrás da música
não há orquestra, atrás do mistério não
há realidade, mas apenas a crescente confusão entre
o onírico e o real que contamina e confunde tudo. O único
fio condutor é o desejo de Diane/Betty por Rita/Camilla, que
transita através da caixa azul. Silêncio! Não
há realidade! Apenas naufrágio no desejo.
Marcos
César Alvarez,
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