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“As
Bicicletas de Belleville” de Sylvain Chomet
(França, 2003)
Um
conselho para os admiradores – e também não –
admiradores – da sétima arte: se quiserem se emocionar
assistam à animação “Bicicletas de Belleville”,
de Sylvain Chomet; garanto que ninguém vai sentir falta de
muitas palavras para deixar umas lágrimas deslizarem pelo rosto.
As Bicicletas de Belleville conta a história de um
garotinho muito triste que é adotado por uma senhora idosa
chamada “Madame Souza”. O nome do menino é “Champion”
– campeão em francês –, e vive seus dias
preso a uma melancolia desencantadora. Madame Souza faz de tudo para
alegrá – lo, mas ele sempre demonstra desinteresse pelas
prendas apresentadas pela boa velhinha, a exemplo de um cachorro,
“Bruno”. Após muitas teimosas tentativas, Madame
Souza descobre que Champion tem um forte interesse por bicicletas,
e dá uma ao menino. A partir de então, a entusiasmada
senhora submete o garoto a uma árdua maratona de treinamentos,
até que ele – já crescido – se torna um
grande ciclista e chega a participar de uma importante competição,
a Tour de France. É justamente nesse evento que Champion e
outros dois ciclistas são seqüestrados por uns excêntricos
sujeitos trajados de preto. Madame Souza, dando conta do fato, empreende
uma busca arriscada – alucinante pelo jovem, e para isso, conta
com a ajuda do obeso cachorro Bruno e das “Trigêmeas de
Belleville”, que faziam sucesso nos cabarets na década
de 30, entoando belíssimas e animadas canções.
Como fora escrito no parágrafo anterior, não haverá
necessidade de muitas palavras para encantar/emocionar ao telespectador,
pois sendo o filme pobre de muitas palavras, é bastante rico
em ensinamentos e poesia nos gestos dos personagens. O próprio
fato de o garoto ser chamado Champion já chama a atenção.
O menino é pobre materialmente e demonstra uma sequidão
interior causada, provavelmente, pela falta de carinho recebido daqueles
que vieram antes de Madame Souza. Mesmo assim, ele é tratado
por campeão, e a boa senhora faz de tudo para que ele se supere
a cada dia e realize os seus sonhos.
A animação mostra um aspecto muito interessante, que
é justamente a tentativa de negação daquilo imposto
pela sociedade capitalista unidimensional: enquanto o mercado e suas
leis jogam as pessoas já “não – produtivas”
para as beiradas sociais, Madame Souza e as Trigêmeas de Belleville
apontam que o ser humano é muito mais do que aquilo que o Capitalismo
sustenta; ele é capaz de amar, de fazer arte, de ensinar, enfim,
de ser querido não pelo tanto que produz, mas pelo o que é.
Numa sociedade marcada pelo consumismo, como a de Belleville, em que
tudo gira em torno do “ter mais” para parecer “ser
mais”, as quatro aventureiras se preocupam em tirar Champion
das garras daqueles que querem fazê – lo mera peça
de uma engrenagem de fazer dinheiro.
O filme é um elogio aos avós. Tanto é que Sylvain
Chomet dedica-o aos seus parentes. Ali os idosos não são
vistos como operários imprestáveis, mas como pessoas
de sabedoria acumulada, abertos a mostrarem aos mais novos a importância
de romper com os valores de uma sociedade tecnicista e excludente.
Eu lembrei da minha avó, e de algumas lições
tidas por irracionais pela nossa sociedade esquizofrênica, como
repartir um ovo de codorna para 6 pessoas (!). Ao escutar a história
(com h) eu penso que o ato foi mais simbólico do que provedor:
o que vale é fazer o outro sentir – se parte da roda,
valorizado e estimado acima de qualquer coisa. Foi isso o que Madame
Souza e as Trigêmeas de Belleville fizeram, é isso o
que os avós comumente fazem.
Charles dos Santos
estudante de Ciências Sociais da UFALl
membro do Grupo de Pesquisa/CNPq "Trabalho e Capitalismo Contemporâneo"
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