“São Paulo Sociedade Anônima” de Luis Sérgio Person

(Brasil, 1965)

 


Carlos, o homem que virou suco

 

No Brasil do inicio dos anos de 1960, uma "classe média" busca enriquecer com o ideal do desenvolvimentismo, atraves de sonegação de impostos, empréstimos de recursos públicos e muita propaganda aliada há uma já existente falta de ética nos negócios. A forma capitalismo impunha-se sob o mundo vivido, com os corpos tornando-se mercadorias; o jogo deixa de ser lúdico e transforma-se em algo tenso e insatisfatório. Assim, o cotidiano de consumo e produção cria suas próprias formas de mascarar as pressões, os conflitos e os problemas do vivido; ao mesmo tempo, num mesmo instante, não preenche o vazio.

Estamos no período em que a Europa já está reconstruída, ocorrendo a expansão norte–americana no mundo da guerra fria. Neste tempo o "Estado de bem–estar" satisfazia as classes populares desses regiões, com a disseminação de uma idéia de crescimento. É ai que os setores industriais estrangeiros dirigem-se para os países que oferecessem melhores condições para as empresas auferirem mais lucro, como o Brasil fez com as industrias automobilísticas que, por sua vez, empurraram o crescimento de fábricas de autopeças.

Vemos, então, no Brasil um elevado crescimento urbano, sua industrialização, e consequentemente a criação de uma classe industrial, principalmente na cidade de São Paulo e em seus arredores. Estamos no período de Juscelino Kubitschek e da filmagem de "São Paulo S/A".

“Recomeçar, trabalhar fazer girar a engrenagem !... recomeçar mil vezes aceitar ! aceitar !... essas palavras são entoadas pela vos de Carlos (Walmor Chagas) enquanto a câmera filma passantes os quais, ao encará-la vêem, ao que parece, o próprio Carlos. São personagens que integram um personagem maior, a cidade de São Paulo dos anos de 1950 ao inicio dos anos de 1960, período em que se passa a historia. O filme fora lançado em 1965. A fala inicial durante aqueles instantes poderia perfeitamente ser o trecho de uma poesia concreta, também, produzida na cidade naquele período; poesia concreta em um filme que retrata a dita "selva de pedra" que como personagem viva, engole a todos que nela estão e nela se apresentam.

 

 

No reflexo de vidro da janela são expostos os prédios que configuram o corpo da metropole São Paulo – estamos no plano inicial do filme A personagem São Paulo representa a cidade real e objetiva, o “motor do país” - a capital do Estado. Esta inserida em um dos chamados NIC´S (Newly Industrialized Countries); baquele momento se se apresenta com características urbanas e fabris; é a partir desses anos, com o boom automobilístico que, como uma Ferrari, ela dispara numa velocidade crescente, provocando a mudança dos resquícios rurais para um urbano extremamente industrial, com alta influencia alemã nos carros (Volkswagem), e norte–americano no ideal de um progresso automobilístico ao infinito; e influencia inglesa na musica e na língua como visto na escola de inglês freqüentada por Carlos e nas vestimentas de Luciana outra personagem do filme. São Paulo é a metáfora da cidade-máquina, referencia – porque é personagem – constante ao longo do filme; matriz maior das experiências, significa um tempo maior, o tempo do desenvolvimentismo. Ela esta no exterior e no interior dos personagens do filme (Xavier. P.19). A vista de seus prédios serve para ressaltar sua verticalidade, sua potência monumental, como também, sua vista aérea, para reforçar sua extensão e unidade dentro da qual se movimentam anônimos. (Xavier. P.19 – 20). Ela também possui contrastes: prédios e casas, centro e periferia, empresários e catadores de lixo. O coração pulsante de São Paulo bombeia trabalho e produção, investimento, festas e trabalho, representado principalmente pela área central a qual é também seu cérebro. Praça do patriarca e da republica, viaduto do chá onde se encontram o reveillon e o curso de inglês, acabando por configurar um espaço energético e coeso. (Xavier.p. 20). Assim compõe e é composta, numa relação homem–maquina e maquina–homem partilham do espaço publico a linha de montagem feita de carne e sangue em um tempo repetido, eis a cidade relógio com sua engrenagem e peças bem postas que cotidianamente não para.

Já Carlos, o outro protagonista, é a própria encarnação de um homem que sente e transmite uma forma de ser e estar tão presente naqueles viventes de grandes centros urbanos. É um individuo que em sua mobilidade social sai de uma grande empresa e aceita o imgresso numa fabrica de autopeças; é o próprio poeta – não surpreenderia se seu nome tivesse sido Drummond – que se espanta com a inovação técnica–industrial; a Suely que não encontra pertencimento em lugar algum; no caso de Carlos, a cidade de São Paulo. É tão paulistano nas formas de agir que é cômico; mas, também é o Chaplin engolido pelo capitalismo industrial do países do sul como bem dividem os políticos e econômistas.

Assim é um homem ressentido e agressivo com as mulheres. Insatisfeito, coloca a culpa em outros, azedando suas relações (Xavier. P.19). Sente adentrando em si, a dor do trabalho industrial e sua administração, as ferragens, ou seja, ele é a tentativa de construção do homem moderno, o Wolverine que possui sangue e carne, sendo seus ossos feitos de metal. Quando esse tempo se torna o lugar de dores Carlos, passa a ser dimensão humana; em sua crise demonstra isso, pois, sofre e tentar fugir dessa invasão metamórfica.

O personagem em sua saga se relaciona com indivíduos os quais representam outras facetas da classe media paulistana. É associado de Arturo (Otelo Zeloni), um imigrante italiano que sonega impostos, explora seus empregados e suborna fiscais trabalhistas – tão claros na cena em que fiscais descobrem funcionários em condições ilegais e desestruturas no trabalho – mas, também é rico e pai de família com uma casa no campo, forte representante do ideal da tradição, família e propriedade .

 

 

 



A outra figura é Hilda (Ana Esmeralda), ela procura estar nesse mundo de forma diferente, apesar da desconfiança de outros, porem, em seu ultimo encontro com Carlos, apos encontrar a realização e depois o golpe de um tempo ante amor, retorna ao estado de solidão e decepção, frente a janela mostra o futuro que o personagem procura fugir, a morte social.

Há ainda Ana (Darlene Gloria), mulher interesseira e sensual – utiliza desse atributo para ascender socialmente – recebe alem de tapas, ganhos ao se tornar garota propaganda. Represente a classe media oportunista que crê na organização a partir dos status quo. Porem, como material circulante é deixada por Carlos.

O ultimo relacionamento do personagem é com Luciana (Eva Wilma), conhecendo-a no curso de inglês, e que ambiciona enriquecer. Se o casamento para alguns jovens daquela época é um negocio empreendedor e forma de manutenção da propriedade, notamos que assim ela não mede esforços em intevir na vida de Carlos, em seus negócios – como demonstrados nos momentos em que procura Arturo para aplicar certo dinheiro e melhorar a posição do marido na empresa – a fim de que esse ideal seja concretisado.

Vemos que Carlos é o personagem que oscila entre a revolta e o conformismo. Assim, introspectivo, com um olhar cansado e tedioso frente a cidade, sua memória é conosco partilhada, nos levando, por isso, a uma narrativa reflexiva. Diante duma supressão suas lembranças se intercalam em outro tempo, construindo uma narrativa não linear, combinando voz “over” e uma outra fala direta á câmera ( Xavier.p.19).

Suprimido pela cidade de São Paulo e pelo no modo de viver que se constituía deseja correr daquele mundo, não especulava sobre revolução; talvez, apenas tocar fogo em seu apartamento que dividia com a esposa que nada entendia. Deseja correr daquele mundo. Porem, seu intento falha e sem desejar, frustrado, retorna a mutiladora cidade. E como homem que virou suco, esquece e recomeça.

Bibliografia
XAVIER, Ismail. "São Paulo no Cinema: expansão da cidade-máquina, corrosão da cidade-arquipélago".Revista Sinopse, v. 8, n. 11, p. 18-25 , set. 2006

Willians Jesus Santos
aluno de ciências sociais
da UNESP-Campus de Marilia
(2008)