“Ou
Tudo Ou Nada” de Peter Cattaneo (1997)
Construção
e desconstrução “...
o desenvolvimento da urbanização não é
apenas condição para o desenvolvimento industrial,
Com o fragmento da obra “Capitalismo e urbanização”, de Maria Encarnação, inicio uma abordagem sobre a desindustrialização de grandes cidades industriais, utilizando como base dois filmes, o inglês The Full Monty, 1997, de Peter Cattaneo e o espanhol Los Lunes al sol, 2002, de Fernando Leon de Aranoa, filmes considerados marginais por estarem fora do padrão comercial das grandes produções Hollywoodianas, mas conquistaram importantes prêmios em diversos festivais, inclusive indicações ao Oscar (The Full Monty vencedor do melhor trilha sonora e Los lunes ao sol, indicado ao melhor filme estrangeiro) e a maior glória de ambos, atacar com sutileza a política econômica aplicada por seus governantes, na Inglaterra tem inicio com o neoliberalismo de Thatcher, com a abertura aos investimentos estrangeiros, que agrava a cada novo governo inclusive com políticas de desregulamentação da economia, fragilizando sindicatos e empresas estatais. Na Espanha o responsável chama-se José Maria Aznar, suas manobras elevaram a taxa de desemprego à quase 20%, uma desvalorização da moeda corrente frente ao dólar de 50% e o mesmo afirmava que a Espanha estava bem. Nos dois casos havia ainda o total descaso com a mudança dos pólos industriais que causaram desemprego em massa, já que não apenas as industrias foram atingidas, mas toda estrutura que girava em torno deste eixo. A cidade é um corpo de costumes e tradições, é mais do que apenas construção artificial, ou mero artefato industrial, é produto humano, o lugar do homem moderno que se agrupa ao redor de bases aparentemente seguras (alicerce que deixou de ser seguro na sociedade capitalista globalizada), quando estas bases começam a ruir desmoronam todo um conjunto social, econômico e cultural, pois o individuo passou a depender da comunidade.
Os diretores utilizaram a fotografia para demonstrar as características geográficas da cidade industrial, fica evidente a tendência do afastamento das grandes regiões metropolitanas, e aglomerados urbanos, preferindo “grandes áreas verdes”, cidades menores com grandes vales, como mostrou as belas paisagens de The Full Monty, justifica-se tão ação porque longe dos grandes centros há incentivos fiscais que barateiam os custos de produção. Estes locais passam por um processo de urbanização que é fundamental para o desenvolvimento capitalista, pois tanto a industria quanto à cidade tem as mesmas necessidades de infraestrutura. Neste processo são inclusos os planos de habitação para o operariado, hospitais, escolas e todo um conjunto de atrativos que visam a manutenção da força produtiva, sempre preocupados com o aumento da produtividade. Destaque-se os tipos de moradia mostrados nos filmes, em Lunes al Sol, onde as habitações parecem ser pequenos prédios de no máximo três andares, pequenos no padrão casal e dois filhos, próximos dos locais de trabalho ou com acesso facilitado aos meios de transportes, onde a prioridade é agilizar a vida do operário para que este não perca tempo no transito ou outros entraves que causariam atrasos e conseqüentemente perdas na produtividade (Santa pode ter mudado para uma pensão logo após sua demissão, ou nunca chegou as vias de ter uma casa própria). Em
The Full Monty o operariado tem como residência pequenos
apartamentos localizados em grandes conjuntos habitacionais e há
outro tipo, a moradia da classe média representada por Gerald
(que possuía cargo superior na industria), sua residência
é individualizada, cercada de espaços, um sinal de prestígio
social, segundo Maria Encarnação. A hierarquia empresarial
é reproduzida fora da industria, dia após dia, inclusive
nas relações sociais, Gerald também se torna
uma liderança do grupo para alcançar o objetivo de serem
dançarinos de streep-tease. O
clima sombrio e funesto produzido pela iluminação e
edição foi determinante na tarefa de mostrar o abandono
nestas cidades, prédios abandonados, muros pichados, carros
abandonados, a marginalização da área ao redor,
de onde antes um grande pólo fazia “ferver” a vida
social, em Lunes al Sol a trilha sonora torna o clima ainda
mais melancólico, a desesperança ecoa em cada cena,
uma grande sacada de Aranoa que com a mesma canção também
conseguiu um clima de esperança que o amanha poderia reservar
algo novo, já em Full Monty a trilha dá o tom
à saga do grupo de desajeitados e totalmente fora do padrão
de beleza tornarem-se a grande atração da cidade. Busca por seu espaço, onde se reconheça como membro, e o grande apoio nesta redescoberta de si é a grande mensagem dos filmes, o companheirismo, o lema “unidos venceremos” é marca forte. Em The Full Monthy, Gaz e Dave amigos de longa data uniram-se a Lomper, Gerald, Horse e Guy, reunidos pelo drama do desemprego e pela esperança de com o show saírem do buraco Negro das dividas, a amizade faz superarem suas crises conjugais e pessoais, cenas marcantes evidenciam este tema, quando Gerald terá todos os moveis confiscados e seus companheiros impedem a ação dos cobradores, ou ainda Gerald consolando Gaz por ter seu filho cada vez mais distante diante da luta judicial com sua ex-esposa. O mesmo ocorre em Lunes al sol, o grupo se reúne no Bar Naval, cujo proprietário também fora atingido pelo processo de desindustrialização, o local é o refugio do grupo, onde partilham os dramas e reanimam suas vidas, o companheirismo está ao curtirem um jogo de futebol, beberem juntos, cantarem em um karaokê ou ainda em uma simples homenagem ao companheiro falecido. “É o afeto acima do dinheiro e que faz a esperança renascer”.Eduardo Valente, e diz ainda que é preciso humanizar-se para encontrar respostas para os devaneios provocados pelo processo de globalização.
Outro aspecto importante nos filmes é o papel das mulheres nesta nova dinâmica produtiva, mais do que provedoras do lar assumem uma posição determinante fora da família, mas que possibilita um equilíbrio familiar (pelo menos financeiro), porém a casos diferentes: em Lunes al Sol, Ana possui um subemprego numa industria de pescados trabalha no turno da noite, sente fortes dores nas costas causadas por horas de trabalhos em pé e o incomodo cheiro de peixe, não possui um casamento estável. Já em Full Monthy, Jean é a esposa dedicada que trabalha fora e tenta animar Dave seu esposo que sofre com o drama do desemprego, tenta salvar seu casamento, mas procura divertir-se também com suas amigas, afinal tem seu próprio dinheiro. Linda ex-esposa de Gaz possui um cargo de chefia em uma tecelagem, oferece emprego ao ex-marido que recusa por ser um emprego que fere sua dignidade. Casos diferentes que são exemplos significativos do papel e “status” das mulheres nas cidades industriais. “À
medida que a industrialização avança, mulheres
dignas saem de seus lares para A juventude, nascidos no período da 3ª Revolução Industrial são os filhos das novas tecnologias, com uma capacidade impressionante de adaptação ao uso das novidades tecnológicas. Nathan, o esperto garoto que acompanha a aventura dos seis desempregados atrás do show business, vê-se dividido entre o pai sem estrutura alguma para cria-lo e a mãe que dispõe de todos os recursos, há cenas importantíssimas que mostram as características da geração high-tech não apenas como versáteis em relação aos avanços tecnológicos, mas nas relações sociais. Quando o garoto decide emprestar o dinheiro ao pai para que este pudesse prosseguir com os planos do show de streaptease, e outro ponto é na seqüência final, na qual dá uma dura no pai por ele não estar no palco com seus companheiros. Em Lunes al Sol, o filho de Lino mostra o domínio com o computador, ao auxiliar o pai na preparação para um possível teste na busca pelo emprego, o rapaz também desempregado (é a idéia que o filme transmite) sofre com a falta de oportunidades para conseguir o primeiro emprego, apesar da conotação de que Lino é velho demais, seu filho é jovem, mas inexperiente. Outra jovem personagem é Nata, filha de Rico, mostra o lado jovem e feminino assim como Nathan acompanha o drama do grupo de desempregados sendo um traço de esperança e alegria diante de tantas desventuras, na cena em que conversa com Santa sobre o “bico” que arranjara para ele, chamando a atenção de que o mundo exige que sejamos espertos, ou você entra no jogo capitalista ou fica a margem da vida. Esta margem que divide ricos e pobres está presente nos dois filmes, mas em Lunes al sol, é apresentado de forma brilhante na seqüência em que Santa contracena com um garotinho rico, ao coloca-lo para dormir, narra ao garoto a fabula da Formiga e da Cigarra, fazendo uma nova leitura. No conto a formiga trabalhadora não compartilha o fruto de seu trabalho com a cigarra que ficou vadiando ao sol, mas e o contexto da existência dos dois seres, um confronto com a realidade, o desempregado não esta parado ao sol porque deseja isso, mas é o que a sociedade burguesa capitalista utiliza para justificar como resultado da pobreza ou insucesso profissional, falta de vontade por parte do individuo, pois quem deseja vencer vai a luta e conquista seus objetivos, independente dos obstáculos existentes. Uma inverdade desmascarada por Santa, a formiga é favorecida por sua condição e estrutura em que vive. Uma fabula que esconde na ingenuidade a mensagem da luta de classes. Nesta seqüência e ao longo de toda a narrativa, Santa mostra características da luta pela revolução proletária, um líder sindical, que deve sonhar com a existência de um projeto social alternativo, mas diante do enfraquecimento das forças sociais, prefere avistar um outro horizonte, a Austrália que seria uma terra quente, com belas mulheres e repleta de oportunidades ou seria um território de ilusões como sua cidade industrial um dia foi, uma terra de promessas que ruiu diante da lógica dos lucros do capital.
SPOSITO,
Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização
– São Paulo, Contexto, 1994. Francisco
de Sousa (2006) |