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“Cronicamente
Inviável ” de Sergio Bianchi
(2000)
Um
Brasil caótico e hipócrita é o retrato pintado
por Sérgio Bianchi em “Cronicamente inviável”.
Um Brasil nojento em que ninguém se salva de sua culpa, onde
as relações de opressor e oprimido estão expostas
a toda prova tendo como ponto de interseção o restaurante
de Luiz (Cecil Thiré).
Seis personagens centralizam o filme. Luiz é um homem refinado
que acredita na civilidade e nas boas maneiras como forma de se resolverem
os problemas. Amanda (Dira Paes) é a gerente de seu restaurante,
uma mulher de origem pobre que incorpora a ética e os costumes
burgueses. Adam (Dan Stulbach) é um sulista descendente de
poloneses que vai trabalhar como garçom no restaurante. Maria
Alice (Betty Goffman) é uma mulher de classe média alta
que se compadece com as injustiças sociais. Seu marido Carlos
(Daniel Dantas) é um economista que acredita na racionalidade
e no pragmatismo do capitalismo. Por fim, Alfredo (Umberto Magnani)
é um pesquisador que viaja pelo Brasil procurando compreender
e refletir as relações de dominação e
opressão.
O que mais gostaria de chamar a atenção com relação
ao filme são as reflexões em off dos personagens
recheado de diversas frases e idéias mais facilmente encontradas
em livros do que ditas em cinema. “A felicidade é uma
perfeita forma de dominação autoritária”
reflete Alfredo ao analisar o torpor da população baiana
que, mesmo se submetendo à intensa exploração
de sua força de trabalho, comandada por uma burguesia que combina
o velho coronelismo com a neotecnocracia, é “dominada”
por uma boa caixa de som que toque o hit do momento. Contudo, essa
indústria cultural será seccionada por classe. Existe
a micareta com o trio elétrico, desfrutado por turistas estrangeiros
e pela juventude abastada do Sudeste e a “pipoca”, lugar
em que milhares de festeiros se espremem e se acotovelam com o intuito
de também “curtir” o som e ainda apanham da Polícia
e dos seguranças contratados para protegerem a propriedade
territorial privada.
Outra reflexão do personagem Alfredo: “O que é
mais importante explicar a realidade ou convencer? A ausência
de civilização pode ser boa. Se não há
civilização, há barbárie. A lógica
indutiva me assusta porque ela acaba com a indignação”.
Nesse momento, um índio é espancado por dois policiais
porque apesar de estar tranqüilamente aproveitando o sol da Praia
do Perequê, “logicamente” esse sujeito é
um traficante ou um delinqüente.
Carlos representa a encarnação do pensamento da instauração
da “saudável” desigualdade social de Hayek como
forma de fazer com que os homens procurem ascender sua condição
social. Ao repreender um desleixo da empregada doméstica, ele
diz que “A lei do menor esforço é que mantém
o mundo, deve-se manter as pessoas em permanente tensão”.
Logo após, o diretor monta um take em que mostra que as relações
sociais de exploração de trabalho entre a sua esposa
e da empregada doméstica já se repetem por 3 gerações.
Se Carlos tivesse que explicar, ele certamente diria que a empregada
e seus entes sempre foram acomodados e relapsos.
Enquanto que Carlos segue praticando o trambique já que ele
estaria “institucionalizado pela lei brasileira”, sua
esposa pratica a caridade como forma de aliviar sua culpa pela situação
de desigualdade econômica no país. Maria Alice contesta
na aparência o neoliberalismo por abandonar a assistência
à população e defende as ações
de solidariedade em favor do alívio à pobreza e a iminente
morte. Para ela, “se é (menores de rua) para morrerem
por abandono, que morram entorpecidos de frágil felicidade”.
“Contradição social é uma mera questão
de estilo de vida” conforme Luiz. Se não é possível
resolvermos os problemas que latejam à nossa frente, porque
não aproveitá-las para nosso favor? Quem sabe atraindo
turistas para desfrutar das belezas naturais e da prostituição
brasileira? Ou ainda montando e gerenciando um grupo musical de ex-menores
de rua que tiveram sua “cidadania” resgatada ao se apresentarem
em palcos do hemisfério norte?
Adam representa o caos no filme. Subverte a etiqueta do restaurante,
questiona as ordens de sua chefe imediata, embriaga-se seguidamente
e prega o terrorismo como forma de luta contra os patrões.
Acaba despedido e preso pela polícia por incomodar o ex-patrão
e incitar a violência.
Entendo que Sérgio Bianchi não procurou oferecer respostas
prontas aos problemas levantados, mas a importância de um filme
como “Cronicamente inviável” se dá em convidar
o espectador à reflexão sobre até aonde contribuímos
para a manutenção do status quo, mesmo que assumamos
posturas críticas ou revolucionárias frente à
situação que constatamos à nossa frente todos
os dias. O filme critica o pensamento tipicamente pós-moderno
de não conferir nenhum grau de teleologia e objetivos às
suas reflexões, mas a uma mera constatação da
realidade. Até porque assim é mais fácil obter
financiamentos dos órgãos de fomento e da iniciativa
privada (também para suas campanhas políticas).
Por fim, Bianchi expõe a usurpadora ética burguesa de
educar e preconizar a honestidade como um dos pilares necessários
para o funcionamento harmonioso da sociedade, ao mesmo tempo em que
seus representantes utilizam o Estado para obter concessões,
subsídios, renegociações/calote de dívidas,
refinanciamentos. Uma mendiga recita, sinceramente, o salmo 23 do
Novo Testamento a seu filho. “O Senhor é meu Pastor e
nada me faltará” e explica que Deus nunca vai deixar
que falte nada a ele. Apesar de serem pobres, acima de tudo devem
ser honestos. Assim, o Brasil segue sendo uma “crônica
inviável”.
Bruno
Gawryszewski
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação
pela UFRJ
e pesquisador do Grupo de Estudos em Trabalho, Educação
Física
e Materialismo Histórico da UFJF)
(2006)
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