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Como
Enlouquecer Seu Chefe,
(Office Space)
de Mike Judge
(1998)
Eixo
Temático
O
trabalho capitalista da indústria ou dos serviços
é, em si, desprovido de sentido. O que significa que
é trabalho estranhado que dilacera a subjetividade
- mente e corpo - da força de trabalho. Todo trabalhado
assalariado pressupõe uma precariedade que decorre
desta alienação estrutural que funda a condição
de proletariedade. A sociedade de serviços capitalistas
é a sociedade do trabalho estranhado em sua dimensão
universal, estranhamento que penetra o chão-de-fábrica
e o espaço do escritório e que está no
tempo de trabalho e no tempo de vida. Na medida em que a forma-mercadoria
determina o produto da atividade social, seja ele tangivel
ou não, o processo de trabalho da indústria
ou dos serviços, aparece como processo de valorização.
Esta é a base material do fenomêno do estranhamento
que se imiscui na atividade de trabalho do operário
ou do empregado. Não apenas o trabalho é trabalho
estranhado, mas a vida cotidiana é demarcada pelo estranhemnto,
ou seja, obstáculos que impedem o pleno desenvolvimento
do ser genérico do homem.
Temas-chaves:
trabalho, capitalismo, estranhamento, precariedade, reestruturação
produtiva.
Filmes
relacionados: “Segunda-Feira Ao Sol", de Fernando
León de Aranoa
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Análise
do Filme
Lançado
no auge da New Economy e do boom das empresas de Internet
nos EUA em 1999, “Office Space”, título original
de “Como enlouquecer seu chefe”, de Mike Judge, é
uma deliciosa comédia sobre o mundo dos proletários de
“colarinho-branco” no Vale do Silício na Califórnia.
No filme, todos homens e mulheres aparecem como proletários:
Peter Gibbons, o programador; Joanna, a garçonete; Alexander,
o operário, vizinho de Peter., etc. Enfim, todos estão
imersos na condição de proletariedade, sendo obrigados
a vender sua força de trabalho para “pagar as contas”
e imiscuir-se no trabalho estranhado e na vida estranhada.
Karl
Marx, no Terceiro Manuscrito dos "Manuscritos Econômico-filosóficos"
(1844), tratou do "trabalho estranhado" como sendo a caracteristica
essencial da atividade do trabalho na sociedade capitalista. Na medida
em que o processo de trabalho é processo de valorização,
seja no espaço da fábrica ou no espaço do escritório,
o trabalho aparece como trabalho estranhado (o homem que trabalha está
alienado do produto e do processo da sua atividade
de trabalho, alem de estar alienado de si e e dos outros).
Esta é a condição do trabalho na sociedades burguesa.
Além
disso, Georg Lukács, no último capítulo de sua
inacabada "Ontologia do Ser Social" (1971), tratou do fenomêno
do estranhamento, que diz respeito aos obstáculos sociais
historicamente determinados que impedem o livre desenvolvimento do ser
genérico do homem. A sociedade do trabalho estranhado é
a sociedade da vida cotidiana estranhada. No sistema do capital é
impossivel ter uma vida plena de sentido. Por isso, em "Space
Office", a alienação não está apenas
no escritório da empresa capitalista, mas está na vida
cotidiana e nas relações sociais, pessoais ou afetivas.
Mike Judge traduz as dimensões amplas do trabalho estranhado
e da vida social estranhada com fina ironia e um senso de humor mordaz.
No filme, Peter Gibbons (Ron Livingston) é um programador de
computadores que trabalha na Initech, empresa capitalista que faz upgrade
dos softwares e sente-se muito infeliz no emprego. Mas após uma
sessão de hipnoterapia, seu comportamento muda e ele passa a
não cumprir horários, nem fazer nada daquilo que lhe foi
determinado. Porém, quanto mais se rebela mais é elogiado
por especialistas em produtividade, que lhe dão uma promoção
e fazem isto no mesmo período em que várias pessoas são
demitidas.
O jovem Peter Gibbons é um homem insatisfeito com o trabalho,
estressado pela rotina e oprimido pelo chefe no escritório. O
chefe Bill Lumbergh é o “espectro” que persegue Peter,
inclusive em seus pesadelos. O que demonstra que o controle capitalista
do trabalho é também controle capitalista da reprodução
social: a vida social torna-se com a grande indústria, uma "imensa
fábrica" e a presença do capital como sistema de
controle social (e pessoal) se dissemina pela produção
e pela vida cotidiana, implicando as dimensões mais íntimas
da corporalidade viva. Lumbergh é a "persona" do Mal
que sintetiza em si, o controle autocrático do capital no local
de trabalho. Mas Lumbergh é menos um vilão ardiloso que
um filisteu medíocre. Na verdade, ele possui estilo de chefe
da velha empresa taylorista-fordista.
Ao
mesmo tempo, Peter está insatisfeito com sua vida amorosa. É
um detalhe importante do filme pois expõe o estreito laço
entre trabalho e vida afetiva. Como Lester Burham,
do filme“Beleza Americana” (1999), o que move Peter Gibbons
em sua atitude pessoal contra o trabalho estranhado, são disposições
íntimas que o sufocam. Por isso, de repente, ele “chuta
o balde”: abandona a namorada e, ao mesmo tempo, rompe com o estilo
de vida do empregado enquadrado no rotina de trabalho monótona
e repetitiva.
O eixo temático principal do filme é a crítica
visceral do trabalho capitalista, trabalho estranhado ou trabalho
abstrato que consome tempo de vida e que submete homens e mulheres à
rotina monótona e repetitiva. É o mote das músicas
que tocam no filme. Trabalho estranhado é trabalho abstrato,
o trabalho que produz valor. Assim, embora “Office Space”
trate do mundo do trabalho em escritório, a falta de sentido
do trabalho é a mesma do trabalho do operário da linha
de montagem da fábrica. É por isso que Peter Gibbons,
como Carlitos de “Tempos Modernos” (1936), está imerso
no trabalho abstrato. “Office Space” é o Modern
Times da New Economy, embora, é claro, Peter Gibbons
não esteja à altura do Carlitos de Chaplin Chaplin...
U m dos grandes méritos do filme de Mike Judge é expor
com humor ácido, um traço ontológico da sociabilidade
moderna: a falta de sentido do trabalho (e da vida) na sociedade burguesa.
Aos poucos verificamos que não apenas Peter, mas Joanna e muitos
outros demonstram insatisfação com o emprego que consume
suas vidas pessoais. A caricaturização dos tipos humanos
(Peter, Joann, Alexander, Bill, Milton, Tom, etc) não impede
que possamos nos identificar (ou identificar alguém) com eles.
É numa segunda-feira, primeiro dia útil da semana,
que a crise pessoal de Peter Gibbons se manifesta com vigor. Segunda-feira
é um “dia de cão”. Como Carlitos, de “Tempos
Modernos”, ele “surta”. Por que Peter Gibbons surta?
Talvez porque sempre foi o empregado que disse “sim” para
o chefe, submetendo-se calado às horas-extras nos finais de semana.
O tempo de vida de Peter era tempo de trabalho. Por isso, num certo
dia, ele tenha “surtado” - é a subjetividade (mente
e corpo) insubordinado-se contra as disposições estranhadas
do capital.
Ao redor de Peter, uma série de personagens curiosos compõem
o espaço do escritório, cada um deles traduzindo em si,
um complexo de afetos contraditórios que permeiam a alma proletária.
Por um lado, insatisfação e medo; e por outro lado, comodismo
e perspectiva de carreira. É o caso do exótico Milton,
do temeroso Tom e dos jovens programadores Michael Bolton, de estilo
nerd, e do jovem indiano Samir Nagheenanajar. Ao lado da Initech,
os fast-foods com lanches e refeições rápidas
para vidas velozes.
O diretor Mike Judge expõe a fauna humana dos ambientes de trabalho
no Silicon Valley. A ridicularização do tipos humanos
no filme é uma recurso heurístico capaz de expor, com
humor caustico, a completa banalidade da vida burguesa. Se olharmos
bem de perto, cada detalhe de “Office Space” é uma
critica mordaz não apenas da vida corporativa americana, mas
do American dream.
É claro que, de imediato, a critica do trabalho capitalista sugerida
no filme é tão elementar quanto a filosofia zen
de David Carradine na velha série dos anos 1970, “Kung
Fu” (a série de TV preferida por Peter e Joanna). Na verdade,
o jovem Peter reage ao trabalho estranhado, rebelando-se por meio do
ócio militante. Ele quase declama o “direito à preguiça”
de Paul Lafargue... Em seu surto pessoal, Peter Gibbons se recusa a
seguir horários e critica as atribuições de tarefas.
Mas, de modo paradoxal, Peter Gibbons torna-se "modelo" das
novas práticas empresariais de flexibilização do
trabalho. Por isso, de modo inusitado, é admirado pelos consultores
contratados para fazerem um downsizing na empresa. Quanto mais
Peter se rebela, mais é elogiado pelos especialistas em produtividade.
Ora, num primeiro momento, poderiamos dizer que o sistema sócio-metabólico
do capital é capaz de absorver tudo...Entretanto, o que o diretor
Mike Judge talvez esteja sugerindo é que empresas da New
Economy não podem ser gerenciadas como empresas da Old
Economy. Entretanto, por outro lado, como veremos no final, Judge
sugere, na perspectiva da consciência de classe contingente, uma
aguda critica à suposta "ética do trabalho"
que sustenta o sistema corporativo do capital.
É claro que Peter, com sua revolta individual, não conseguiu
romper com o sistema do capital. Pelo contrário, ao se contrapor
aparentemente a ele, Peter incorporou, de modo cinicamente paradoxal,
a nova lógica de produtividade. Ele aparece como o empregado
"flexível" adequado às novas empresas da New
Economy. Ao ser promovido, Peter ocupa o lugar de dois amigos programadores,
demitidos pela reengenharia empresarial. Entretanto, ele não
se rebela contra a atitude da empresa, mas cinicamente, sente-se
indignado com o Sistema. Decide juntar-se amigos indignados, ex-empregados
da Initech, e planejar um "golpe de mestre" contra a empresa
em que trabalha.
Ora,
não há saídas coletivas em “Office Space”.
Ao estilo de Holywood, o filme sugere “saídas” meramentes
individuais na forma da gang criminosa. Ao invés do
self-made Man, o filme sugere que somos todos “gangsteres”.
A "saída" que apresenta aos jovens proletários
indignados da New Economy não é o individualismo
empreendedor do “American dream”, que constrói o
negócio por conta própria, mas sim, a ação
individual cinica ou coletiva da gang criminosa. Talvez, o
que o diretor Mike Judge tente compor seja mais um elemento de ridicularização
do “American Dream”. Na época da "acumulação
por espoliação" (David Harvey), a fraude e trapaça
tornam-se recursos de ascensão social. Portanto, o revide de
Peter, Michael e Samir não poderia deixar de representar o maldito
“espírito de época”.
Em última instância, Peter, Michael e Samir sugerem que
é apenas transgredindo a lei que se pode enriquecer na América.
É a anti-ética do trabalho (seria interessante assistir,
logo a seguir, o documentário “Enron – Os Mais Espertos
da Sala”, de Alex Gibney). Nesse sentido, é genial a sacada
de Mike Judge, incorporando no imaginário do filme, a lenda do
Superman, símbolo maior da América capitalista. O plano
de Peter para conseguir dinheiro é exatamente igual ao de Gus
Gorman no filme “Superman III” (de 1983). Neste filme, Superman
(Christopher Reeve) enfrenta um computador diabólico, programado
por um gênio da informática chamado Gus Gorman, que pretende
dominar o mundo.
Neste pequena sinopse crítica, buscamos indicar alguns elementos
temáticos e algumas pistas de analise que podem ser utilizadas
para discutir a sociedade capitalista a partir do filme de Mike Judge.
É claro que as consideração acima não esgotam,
nem têm a pretensão de esgotar, os detalhes que, com certeza,
sugerem muitos outros elementos categoriais para elaborarmos uma critica
da sociedade burguesa e do sócio-metabolismo do capital com seu
trabalho estranhado na época do capitalismo global.
Giovanni
Alves
(2007)
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