"Comendo pelas beiradas", de Kevin Heffernan
(EUA, 2009)

 

 

Comendo pelas Beiradas, do título original The Slammin Salmo, dirigido por Kevin Hefferman, é um filme de 2010, uma comédia que se passa em um restaurante. Conta a história de Cleon Saimon(Michael Clarke Duncan), um ex-campeão mundial de boxe da categoria dos peso-pesado, dono do restaurante “Slammin Salmon” que Após perder uma aposta para máfia japonesa precisa pagar sua dívida de 20 mil, caso não pague perderá seu restaurante. Sem ter dinheiro em sua conta, porque investiu em um terreno na lua, tem um dia para levantar dinheiro para pagar sua dívida. Como única saída pressiona seu gerente, Rich(Kevin Hefferman), para conseguir alcançar a meta de 20 mil em um único dia de trabalho, sendo que o máximo que o restaurante conseguiu arrecadar em um turno foi o valor de 15mil. Agora Rich precisa envolver sua equipe de garçons a atingir essa meta.


O filme é uma metáfora de uma empresa toyotizada, onde a geração de trabalhadores tem uma maior disposição de incorporar a linguagem empresarial, em que o trabalhador deixa de ser “operário” e “empregado” e torna-se colaborador, ou seja, é um novo modo de gestar o trabalho vivo onde procura envolve-los no objetivo da empresa em alcançar sua meta, isto é, a valoração do capital.


O toyotismo pode ser tomado como a mais radical experiência de organização social de produção de mercadorias sob a era da mundialização do capital. Isso porque, para ele, por um lado atende as necessidades de acumulação do capital na época da crise de “superprodução”, por outro, é adequada às novas “bases técnicas” da produção capitalista. Sendo capaz de desenvolver suas plenas potencialidades de flexibilidades e de manipulação da subjetividade trabalhadora (Alves, 20011).


Para esse autor, ao assumir um valor universal, o toyotismo passou a mesclar-se, em maior ou menor proporção, suas objetivações nacionais, regionais e setoriais, com outras vias de racionalização do trabalho, capaz de dá maior eficácia à lógica da flexibilidade. Haja vista, esse sistema de produção representa um conceito de em administração que funcionará em qualquer negócio. Logo o setor de serviços é suscetível de ser orientada por essa lógica de gestão do trabalho vivo.


Harry Braverman, no seu livro “Trabalho e capital monopolista” (1987), comenta a observação de Marx quando este diz que um serviço é nada mais que o efeito útil de um valor de uso, seja ele mercadoria ou trabalho. O trabalhador empregado na produção de bens presta um serviço ao capitalista, e é como resultado desse serviço que toma forma um objeto tangível e vendável como mercadoria- e acrescenta- trabalho desse tipo deve ser oferecido diretamente ao consumidor, uma vez que produção e consumo são simultâneos.


Desse modo percebe-se que os elementos constitutivos do filme dirigido por Kevin Hefferman, mostram de maneira bem clara como seria uma empresa idealizada nos molde toyotista. O primeiro elemento fundamental é a maneira como é denominado o proprietário do restaurante, ele é chamado pelos seus funcionários (colaboradores) e seus clientes, de “campeão”. O personagem Cleon Saimon, um ex-campeão mundial de boxe da categoria do peso-pesado, dono do restaurante “Slammin Salmon”, é muito famoso porque nunca perdeu uma luta para um adversário ou uma desafio a que fora submetido, como esportista. Pois como o personagem fala: “eu teria coragem de nocautear, se fosse preciso, a minha mãe por um premio desses”.

 

 

Em seu restaurante o ambiente é todo personalizado, com fotografias, troféus, medalhas, vídeos de lutas de seu passado glorioso que ficam passando o tempo todo em aparelhos de TV que ficam dispostos em pontos estratégicos nas paredes.


A alegoria do ambiente de trabalho como um espaço esportivo é um dos elementos fundamental do toyotismo, o livro O sistema Toyota de produção: além da produção em larga escala, escrito por Taiichi Ohno, onde este faz analogia entre trabalho na indústria moderna e os esportes competitivos em equipe, é um bom exemplo. No caso do filme comendo pelas beiradas, o esporte é individual, o boxe.


Outro elemento fundamental da empresa toyotizada, é representado pelo corte temporal, onde passa o núcleo do filme. No longa, a equipe de garçons tem um turno para alcançar a meta que o capitalista precisa. Na empresa flexível, a busca de mais-valia relativa é o objetivo do capitalista que utiliza da metáfora do jogo em equipe para “capturar” a subjetividade do trabalhador, com analogia do jogo esportivo. Como diz Richard Sennett(2010): “só o jogo atual conta”.


Mesmo sendo informado por Rich, o gerente do restaurante, que a maior renda que o restaurante houvera conseguido, foi de 15mil, o proprietário diz que precisa que ele obtenha os 20 mil, naquele turno de trabalho.


Sendo responsabilizado pela tarefa de atingir a meta desejada pelo capitalista precisa envolver sua equipe de garçons nessa empreitada. A equipe de garçons do restaurante e formado por seis “colaboradores”: Mia(April Bowlby), a bailarina; Tara(Cobie Smulders), “ a garota inteligente”, estudante de medicina; Connor(Steve Lemme), ex-ator de seriado; Lelé(Jay Chandrasenkhar); Guy(Erik Stolhansk); Donnie( Paul Soter), o ajudante que se torna garçom. Para alcançar a meta de 20,00 mil, o gerente lança um concurso que irá premiar com um par de ingressos para o show da cantora Norah Jones para o garçom que mais vender o turno de trabalho.


Ao perceber que apenas dois garçons se envolveram no concurso, Rich muda a premiação do concurso. Agora a premiação passa a ser uma estadia de quatro dias e três noites no “Spa cassino Persuasão”, e, desta vez, o gerente pede para eles venderem o bacalhau, porque é o prato mais caro. No entanto, quando o campeão pede para “ver os números”, observa que conseguiram um pouco mais da metade do dinheiro que ele pretendia alcançar, então ele mesmo resolve oferecer a premiação ( que não existe). Reunindo os garçons e o gerente em sua sala, oferece o premiu de 10 mil para quem vender mais, a partir daí começa uma verdadeira guerra entre os garçons.


Como se observa o verdadeiro objetivo da gerencia é buscar um mecanismo de pleno envolvimento dos membros da equipe de garçons com premiações. O primeiro mecanismo é na forma de brindes, um par ingresso e diárias em um spar, para quem vender mais. Porém, é pela possível participação no lucro da empresa que faz com que haja a entrega total do trabalhador aos interesses do capitalista; é o fetichismo pelo dinheiro que faz com que o trabalhador permita sua exploração intensificada.


É nesse momento em que a equipe formada por seis garçons vão torna-se rivais individuais, onde, motivados por interesses pessoais, vão competir entre si mesmo. Vão transformar-se de meros atendentes em “vendedores-mascates”, que comprometem mais a sua subjetividade, pois o ato de venda passa a ser um ato libidinal, que precisa ocorrer maior envolvimento entre o vendedor e o cliente (Alves, 2007.) É uma espécie de “teatro profundo”, porque obriga os indivíduos a manipular suas aparências e comportamentos com os outros(os clientes) (Sennett, 2010).


Percebendo que a equipe de garçons já está envolvida com os objetivos da empresa, atingir a meta do “jogo”, o gerente passa agora apenas manipular o placar que existe na sala onde são feito os pedidos dos clientes, desse modo, a cada pedido que é feito, cada venda realizada, é como se fosse um ponto marcado pelo oponente, ele observa e em seguida informa aos garçons quem está em primeiro, ou quem está em último lugar na competição: “todos ainda podem ganhar, certo? São apenas 250 dólares separando o primeiro do último, está para qualquer um, certo?” ou “muito bem, falta apenas uma hora! Vamos lá pessoal”.

 

Sendo assim, o supervisor assume, na metáfora esportista na empresa toyotizada, o papel de técnico, o que orienta os seus jogadores, é o que mantém o controle tático. No entanto, a competição entre os membros da equipe de garçons na busca de quem vende mais, começa ganhar outros contornos quando um dos garçons, Guy (Erik Stolhansk), vê que está em último lugar e percebe que falta pouco tempo para o termino da “competição”, e diz para si: “essa eu não perco”, e parte para o salão de atendimento. Mas seu objetivo não é mais atender as mesas, e sim tomar os clientes dos outros garçons.


O que pode perceber a partir da atitude de Guy, que a competição virou competitividade. Se na competição parecia que a relação entre os competidores era “saudável”, onde todos podiam permanecer no Jogo. Agora com a competitividade tem a guerra como norma, e a eliminação do adversário como regra. A ética das empresas toyotizadas com suas trapaças, o cinismo, a eliminação sem compaixão se reflete nas atitudes das pessoas fazendo que ocorra individualização entre os trabalhadores, pondo para longe a possibilidade de formar uma verdadeira consciência da classe trabalhadora.

Comendo pelas beiradas, mesmo sendo uma comédia, consegue estabelecer um canal de diálogo sobre o que está acontecendo no mundo do trabalho no século XXI, século que mostra o mundo do trabalho precarizado devido às perdas de direitos trabalhistas que foram conquistados com muitas lutas, tanto no campo político como ideológico.

Mostra as condições que os trabalhadores são submetidos para saciar o apetite voraz do capital, que sob o lema da empresa enxuta, com funcionários polivalentes que são expostos ao limite do corpo, não só do corpo mais também da mente, no ambiente de trabalho.
Na medida em que os novos dispositivos organizacionais do toyotismo ( Just-in-time/kamban) e a introdução de novas maquinarias, vinculado a terceira revolução industrial, exige um homem produtivo capaz de intervir na produção com o pensamento, instaurado-se o processo de captura da subjetividade do trabalho pelo capital. Deste modo, na empresa toyotizada cria-se um ambiente de desafios contínuos, em que o capital não dispensa o espírito do trabalhador. No ambiente de trabalho o trabalhador pensa e é obrigado a pensar muito, mas colocando a inteligência humana a serviço do capital.


É por isso que a empresa toyotista busca hoje mobilizar o conhecimento, capacidades, atitudes e valores necessários para que os trabalhadores possam intervir na produção, não apenas produzindo, mas agregando valor. Tornar-se importante, para alcançar novos ganhos de produtividade, o envolvimento estimulado por estâncias mediadoras (trabalho em equipe formas de remuneração flexível ).
Sob o toyotismo, a eficácia do conjunto do sistema não é mais garantida pela rapidez da operação do operário individual em seu posto de trabalho, mas pela integração,ou “engajamento estimulado”, da equipe de trabalho com processo de produção.Deste modo o toyotismo utiliza o espírito de equipe como estimulo fundamental.


REFERÊNCIAS
ALVES, Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Londrina: Práxis; Bauru: Canal 6, 2007.
ALVES, Giovanni. Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capital manipulatório. São Paulo: Boitempo, 2011.
BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: LTC, 1987.
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: as consequências sociais no novo capitalismo. 15 ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.

 

Edmilson Assis do Espírito Santo é graduando em Ciências Sociais na UFPA, campus Belém.