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"Revolução
em Dageham", de Nigel Cole
(Reino
Unido, 2010)
"Revolução
em Dagenham", do título original Made In Dagenham,
dirigido por Nigel Cole, é um filme de 2010, que conta a história
real de Rita O’Grady, interpretada por Sally Hawkins, operária
da Ford e principal nome da greve de 1968, ocorrida na fábrica
de Dagenham – localizada em Londres, Inglaterra –, protagonizada
por mulheres que almejavam igualdade salarial. Logo no início
do filme o narrador fala que a fábrica em questão “é
um dos peso-pesados da indústria de motores”. Continua
informando que nesta, Dagenham, e em outras fábricas da Britânia,
se monta 3.000 carros por dia. A Ford de Dagenham era nada mais nada
menos que a maior fábrica de motores de toda a Europa e a quarta
maior do mundo. Em 1968 havia 55 mil homens e, apenas, 187 mulheres,
trabalhando na fábrica Ford de Dagenham.
Rita é apresentada no início do filme como uma mulher
comum de sua época. Dona de casa e mãe, além
de operária da Ford. Em uma de suas primeiras cenas, ela prepara
o café da manhã, enquanto isso uma tomada mostra ela
ao fundo e em primeiro plano aparece uma tábua de passar roupas
montada com um ferro elétrico em cima e a mesa arrumada esperando
a família. Ela chama por seu filho, serve a filha e vai ao
quarto acordar o marido.
O primeiro conflito de Rita O’Grady é com o Professor
Clarke, que costuma bater com palmatória na mão de seu
filho. Rita procura o professor para questionar o método que
está sendo usado em sala de aula por ele. A princípio
ele tenta justificar, no entanto, logo faz referência a origem
social da família de O’Grady, questionando o fato de
ela ser moradora do conjunto habitacional da Ford, ou seja, é
uma operária. O professor diz a ela que os meninos quem vem
de lá, tem dificuldades em se ajustar aos padrões exigidos
pela escola, e que não é culpa deles, visto que eles
não podem ter os pais como referência, pois estes nunca
passaram pelos rigores da academia. O discurso de Clarke está
carregado de discriminação social e tem o claro objetivo
de constranger Rita. É após essa situação
humilhante pela qual O’Grady passa que ocorre seu primeiro contato
com Lisa Hopkins (Rosamund Pike). A relação entre elas
é uma espécie de segundo plano do filme, que busca confrontar
duas mulheres de classes sociais distintas, que a princípio
vivenciam uma experiência comum, de insatisfação
com uma educação repressora que oprime seus filhos.
O fato de ambas serem mães as aproxima, mas suas classes sociais
e os caminhos trilhados por cada uma delas é bem distinto.
De um lado Lisa permanece em seu papel de mulher que vive à
sombra do seu marido, executivo da Ford, como uma mulher tipicamente
submissa. É uma mulher bonita, que frequentou a universidade,
tem uma profissão. Trata-se de alguém privilegiado do
ponto de vista econômico e educacional, porém, é
a figura da mulher ideal do patriarcalismo, fica em casa para cuidar
do filho e do marido. Do outro lado está Rita, que se torna
uma grande liderança política, contestadora dos valores
tradicionais e que luta por seus direitos. Lisa concorda com Rita,
apesar de não ter coragem de lutar por sua autonomia. Seu papel
no filme, por sua posição social privilegiada, é
enfrentar o professor Clarke.
O episódio da greve de Dagenham, retratado no longa de Nigel
Cole, faz parte da história do movimento feminista. Rita O’Grady,
e sua luta pelo direito a salários iguais para mulheres e homens
na Inglaterra, retoma a luta secular de seu gênero, da qual
fazem parte figuras como Christine de Pisan, primeira mulher a ser
indicada poeta oficial da corte francesa, no século XIV, que
escreveu um dos primeiros tratados do feminismo de que se tem registro,
intitulado A Cidade das Mulheres, no qual afirma a igualdade entre
os sexos; Olympe de Gouges, escritora, também francesa, defensora
dos ideais revolucionários do Iluminismo, que publicou em 1791
o texto intitulado Os Direitos da Mulher e da Cidadã que propõe
a inserção da mulher francesa na vida política
e civil, em condições de igualdade à dos homens;
Simone de Beauvoir, que escreveu no final da década de 1940
o livro O Segundo Sexo, surgiu como uma voz isolada no período
de refluxo da organização das mulheres e denunciou as
raízes culturais da desigualdade sexual, para isso realizou
uma análise profunda que levou em consideração
a biologia, a psicanálise, o materialismo histórico,
a educação, os mitos e a história. A análise
de Simone de Beauvoir foi um marco fundamental para nortear o movimento
feminista que eclode na década de 1960.
Rita O’Grady é um expoente de seu tempo, pois surgiu
justamente na década em que data o início da ascensão
do Movimento Feminista, após um refluxo que teve início
por volta de 1930, durante o nazi-facismo. O feminismo que surge no
calor das lutas sociais da década de 1960 incorpora outras
frentes de atuação, que não deixa de reivindicar
a igualdade no exercício de direitos civis, políticos
e trabalhistas – tema abordado na trama de Cole –, mas
que vai além, passando a questionar a predeterminação
biológica e cultural que mantém a mulher em um patamar
de inferioridade aos homens. As mulheres questionam as relações
de poder e hierarquia entre os sexos, ou seja, trata-se de uma crítica
ao papel social ocupado pela mulher. Uma crítica à tradição
e a cultura patriarcal.
Também data desse contexto o surgimento de inúmeros
grupos organizados de mulheres que se enfrentam contra governos, empresas
e valores sociais historicamente estabelecidos. Essa agitação
política de mulheres surge nos Estados Unidos e depois toma
de assalto a Europa. A famosa Revolução Cultural-Sexual,
encabeçada por mulheres, também ocorre em 1968, na França.
O filme mostra como as operárias inglesas tomam consciência
de sua importância no processo produtivo e na sociedade e passam
a se auto-organizar politicamente como classe. A tomada de consciência
dessas mulheres aparece na trama de modo a entender que o processo
pelo qual o indivíduo toma para si a tarefa de romper com sua
submissão, é de sua responsabilidade. À medida
que a trama vai se desenrolando, o movimento ganha força em
sincronia com a politização das mulheres. Elas que aparecem
no início do filme apenas com preocupações fúteis
e domésticas, passam a atuar como ativistas determinadas, que
não recuam diante das pressões sociais. Connie (Geraldine
James), a qual fica dividida entre a atuação na greve
e os cuidados com seu marido, que está doente e no desenrolar
da trama acaba se matando, o que pressiona ainda mais a operária
a romper com o movimento, e Sandra (Jaime Winstone) a costureira mais
fútil entre todas as que são representadas no filme,
que sonha virar modelo e deixar de ser operária, quando é
envolvida por uma tática da Ford de cooptação
para tirá-la do movimento, assim como Connie não cede
às pressões e continua ao lado de Rita O’Grady
na greve.
Assim, as mulheres vão, gradativamente, rompendo com os valores
tradicionais a respeito do papel social da mulher. Rompe-se com a
figura da mulher passiva, submissa, dependente, dona de casa etc.
As operárias da fábrica de Dagenham se organizam para
enfrentar não somente seu seio de relações mais
estreitas, seus maridos, filhos e colegas (homens) de trabalho, mas
estão dispostas a enfrentar a Ford, o sindicato atrelado à
empresa e o Estado inglês.
O papel do Estado como mediador de conflitos é retratado no
filme, no embate entre as operárias e a Ford. Em vários
momentos é possível percebe a pressão empresarial
sendo exercida sobre o Estado Inglês para que a greve seja fracassada
e a produção volte à normalidade. Um bom exemplo
disso é quando o Sr. Tooley, representante da Ford, afirma
que a corporação é a maior indústria de
carros do mundo, que injeta milhões de libras na economia do
Reino Unido e que isso deve ser lembrado às autoridades de
Estado, para que saibam qual deve ser seu papel na negociação
com as operárias. Em seguida, o Primeiro Ministro chama a Secretária
de Estado para uma conversa para dizer-lhe que a Ford não deve
ser contrariada. Em outro momento, imediatamente antes da negociação
entre Barbara Castle e as mulheres de Dagenham, Sr. Tooley ameaça
tirar as fábricas da Inglaterra e levar para outro lugar. Esse
diálogo abre margem para a discussão a respeito do processo
de descentralização produtiva que ocorre a partir da
década de 1970, quando as grandes corporações
passam a migrar sua produção para países onde
a legislação trabalhista são mais fracas e podem
garantir maior produtividade e mais lucros.
No filme fica claro que as mulheres ocupavam os postos mais precários
de trabalho e eram minoria absoluta dentro da fábrica. Suas
tarefas eram consideradas ‘desqualificadas’, ou seja,
tratava-se de uma atividade desvalorizada, porém, como mostra
a trama, fundamental no processo produtivo. O ambiente de trabalho
também é precário, isso fica claro quando as
operárias começam a abrir guarda-chuvas para proteger-se
das goteiras que estão por toda parte, na espécie de
galpão no qual trabalham. Elas reclamam que já solicitaram
o concerto várias vezes e não foram atendidas.
É importante destacar que essa desvalorização
do trabalho feminino dentro da fábrica não pode ser
considerada somente como uma questão de desvalorização
da atividade em si, mas do papel social da mulher, seja no processo
produtivo, seja em sua participação política
e social, pois ela só podia ser considerada ‘inferior’
no trabalho, devido existir um forte tradicionalismo machista que
de antemão já as tinha alguns degraus abaixo dos homens.
Essa visão de inferioridade sobre as mulheres é exposta
na fala de Albert (Bob Hoskins), o sindicalista que incentiva e defende
a organização das operárias, durante uma conversa
com O’Grady, em que procura convencê-la a tornar-se a
representante das mulheres. Ele é categórico ao afirmar
que a luta delas não tem nada a ver com a qualificação
da atividade em si, diz que “a Ford decidiu pagar menos porque
pode. Eles podem pagar às mulheres um salário menor
do que dos homens. No país inteiro, Rita, as mulheres ganham
menos. Porque são mulheres. Estão sempre em segundo
plano”, conclui.
Deste modo, o trabalho desenvolvido pelas operárias de Dagenham
era sim fundamental para a produção da Ford, ocorria
que, desvalorizando o trabalho, não oferecendo sua devida qualificação
na forma de remuneração justa às operárias,
a empresa garantiria uma maior extração de mais-valia.
Além disso, quando o capital oferece salários mais baixos
às mulheres, os salários dos homens também são
desvalorizados, pois é uma tática de pressionar para
baixo o pagamento dos salários de toda classe trabalhadora.
É o que afirma Marx (1984) ao analisar o processo de produção
do capital, a partir do surgimento da maquinaria e da grande indústria.
O autor afirma que o trabalho de mulheres, assim como o de menores,
configura a força de trabalho suplementar do capital, pois
garante aumentar o número de trabalhadores, consequentemente,
intensificar a produção, porém se diminui o valor
da força de trabalho. Deste modo, “(...) a desvalorização
do trabalho feminino (...) encontra sua lógica no processo
de acumulação do capital, onde a superexploração
do trabalho da mulher (e do menor) cumpre função específica”
(ALVES; PITANGUY, 1982, p. 26). Alves e Pitanguy (1982) completam
afirmando que a análise das relações de produção
no sistema capitalista permite concluir que a condição
social da mulher é parte intrinsicamente ligado à exploração
na sociedade de classes.
Revolução em Dagenham expõe muito bem o papel
historicamente desenvolvido pela força de trabalho feminina
na atividade fabril, que é ocupar-se de tarefas que exigem
maior paciência e minúcia, como é o caso das operárias/costureiras
de Dagenham. Essas atividades são tratadas como menos importantes
e secundárias à produção, com vistas à
desvalorização do trabalho feminino. A pouca importância
atribuída ao trabalho de Rita e de suas companheiras apenas
mascara uma necessidade do capital de extrair mais valor, pois no
filme se mostra claramente que a greve das operárias paralisa
toda a produção, fazendo cair por terra a falácia
de que as mulheres são secundárias no processo produtivo.
A primeira reunião para pautar as reivindicações
das mulheres ocorre no escritório da Ford em Warley. Dela participam
Hopkins, Jones e Grant (executivos da Ford). Albert em discurso para
as mulheres preparando para a reunião, fala sobre quem está
ao lado das mulheres: Monty Taylor, ele próprio (Albert), Connie
e ele afirma que: “temos um a menos” é nesse momento
que olha para Rita, sugerindo que ela podia ser a quarta pessoa para
enfrentar com vantagem a administração da Ford. Quando
Rita conta ao marido que vai participar de uma reunião com
todos os chefes, ele fica surpreso. Ela explica que antes de sair
fará a comida e que se chegar tarde, ele pode esquentar a refeição
para ele e os filhos. Justifica dessa forma que cumprirá seu
papel de mulher. Na próxima cena, aparecem Rita e Connie conversando,
Rita pergunta se vai dar tudo certo, ao que Connie responde: “Você
não tem que fazer nada, só os homens vão falar”.
Durante um almoço que precede a reunião com a Ford,
Monty Taylor orienta Rita a não se envolver durante a reunião,
diz a ela que: “Se começarem a fazer perguntas mantenha
a cabeça baixa, eu cuido de tudo”. O que Monty pretende
com isso é uma ‘domesticação’ de
Rita, ele continua dizendo: “e, acima de tudo, se eu concordar,
você concorda”. Ou seja, o papel tanto de Rita quanto
de Connie não era opinar, muito menos decidir sobre nada. Elas
seriam apenas figurantes de uma negociação alegórica
entre a Ford e o sindicato.
Porém, Rita intervém durante a reunião e defende
que o trabalho das operárias é sim, trabalho qualificado.
Que elas fazem, inclusive, prova para ocupar a função,
que não entende porque seu trabalho é considerado “desqualificado”.
Diz O’Grady que a Ford nunca deu ouvido às reivindicações
das mulheres porque elas nunca entraram em greve, declara que: “Chega
de horas extras e uma paralisação imediata de 24h, e
o que vai acontecer daqui para frente, depende de vocês”.
Ao que parece, nem os executivos da Ford em Dagenham, nem a alta administração
da Ford, em Michigan, nos EUA, nem mesmo o sindicato acreditava que
as mulheres, menos de 1% do total de trabalhadores, teriam coragem
de enfrentar a corporação.
O desejo de autodeterminação de Rita O´Grady aparece
nesse primeiro momento, quando num ato de indignação
com a conversa entre Monty e os executivos da Ford Dagenham, ela toma
a palavra para si e questiona os argumentos colocados durante o diálogo.
A ação de Rita, apesar de em nosso atual contexto parecer
um tanto quanto normal, reflete uma ruptura drástica com a
submissão ao poder masculino. Pois se é verdade que
atualmente já se evidencia uma participação política
e social maior das mulheres, basta observar grandes nomes da política
nacional e internacional; também é verdade que ainda
hoje é mais perceptível a participação
masculina nas decisões e nos palanques. Então, uma mulher
operária, na década de 1960, tomar para si um debate,
buscando argumentar contra a administração da empresa
pela qual é empregada, diante de sua representação
‘legítima’, figurado pelo sindicato, foi um ato
anunciado de rebeldia. Rita O´Grady reflete os ideias da consciência
feminista e levanta a bandeira de algo secularmente marginalizado,
tanto político quanto socialmente falando, a transformação
do papel social da mulher. Rita, ao assumir as rédeas da negociação
com a Ford, rompe com a típica “passividade feminina”
e torna-se protagonista de sua própria história. Sua
postura de acordo com Alves e Pitanguy (1982) carrega a principal
premissa do feminismo que é a auto-organização
das mulheres.
Outro aspecto importante pontuado no filme diz respeito ao papel desempenhado
pelo sindicato, que é atrelado a empresa e atua no sentido
de desmobilizar a greve das trabalhadoras. Percebe-se que existe uma
disputa dentro da própria organização sindical,
já que Albert, sindicalista que defende as mulheres desde o
início das reivindicações, ao longo dos embates
se enfrenta com outros coordenadores do sindicato, por estar disposto
a dar suporte incondicional à luta das mulheres, enquanto que
os outros, típicos burocratas, desejam apenas manter seu posto.
O longa explicita a questão do atrelamento do sindicato à
Ford quando a Secretaria de Estado, Barbara Castle (Miranda Richardson),
afirma que não entende como que dois anos antes, 1966, ocorria
uma onda de otimismo, no qual o Ministério do Trabalho afirmava
que usaria a relação próxima com os sindicatos
para desenvolver melhor a indústria. Em contraposição
a isso, ela elenca que nos últimos 12 meses (de 1967 a 1968)
haviam ocorrido vinte e seis mil greves no Reino Unido, resultando
na perda de cinco milhões de dias de trabalho. Os números
apresentados pela Secretaria indicam que a relação do
governo e das empresas com os sindicatos apresentavam contradições
significativas, pois ao mesmo tempo em que existiam sindicatos que
controlavam os trabalhadores, a exemplo do que o sindicato de Dagenham
tenta fazer quando do início do movimento de mulheres, o ascenso
operário ganhava força e desafiava as corporações
e o governo.
A década de sessenta, não só no que tange aos
movimentos feministas, é marcada por uma ascensão do
movimento sindical na Europa. É o contexto de fortalecimento
das entidades de classe, no qual os sindicatos alcançam altos
índices de sindicalização. Mattoso (1994) demonstra
que o ascenso sindical vivido pelos países de capitalismo avançado,
principalmente na segunda metade da década de 1960, culmina
com altos índices de sindicalização no início
de 1970, para um posterior decrescimento a partir das mudanças
no mundo do trabalho ocorridas com a reestruturação
produtiva.
O que Revolução em Dagenham tem de especial é
o fato de abordar essa intensificação das lutas trabalhistas
na Europa, a partir das demandas femininas. Nigel Cole mostra mulheres
determinadas a ir até o fim em seus questionamentos e reivindicações.
O capital, representado pela Ford, aparece como maior impulsionador
da divisão entre homens e mulheres, visando enfraquecer a luta
do movimento feminista organizado no interior da fábrica. O
objetivo da administração da Ford é claro, usar
a autoridade garantida culturalmente aos homens para deter as mulheres
e acabar com a greve, evidenciando que a submissão feminina,
cristalizada por um tradicionalismo cultural patriarcal, serve para
o enfraquecimento da organização feminista e, concomitantemente,
da classe trabalhadora, homens e mulheres.
As operárias de Dagenham avançam o movimento procurando
apoio de operárias de outras fábricas da Ford. Eddie
(Daniel Mays), o marido de Rita, começa a ser pressionado por
seus colegas, que questionam a atuação de Rita e o risco
que a greve representa para todos. Nesse momento, Eddie encontra-se
insatisfeito com a inversão dos papéis dentro de casa,
já que a maior participação política de
Rita implica, necessariamente, em sua ausência da vida doméstica.
Assim, as atividades do lar que eram de sua responsabilidade, como
cuidar dos filhos, da casa e do marido, além de trabalhar na
fábrica, eram agora responsabilidade de Eddie.
A greve toma conta dos noticiários e vira pauta social. As
grevistas são questionadas sobre a posição de
seus maridos. Isso é demonstrado quando um repórter
pergunta a Rita “Seu marido a apoia?”. O questionamento
do repórter remete a uma suposta necessidade de legitimação,
ou melhor, autorização dos maridos às ações
das mulheres, como que se apenas a vontade e determinação
delas não tivessem validade em si.
A greve ganha proporção tamanha que a fábrica
paralisa totalmente a produção. O movimento vira assunto
do próprio Sr. Ford, que dá uma dura em seus executivos
e afirma que se Rita conseguir o que quer a Ford terá que fazer
o mesmo em todo o mundo. Aqui fica expressamente óbvio que
a preocupação do Sr. Ford é com os lucros da
empresa, que estão em risco graças à organização
e força da greve de mulheres.
Rita discursa na Reunião de Sindicatos, em Eastbourne, para
conseguir apoio das outras organizações sindicais: “vocês
têm que nos apoiar. Vocês tem que tomar a frente conosco.
Somos da classe trabalhadora. Os homens e as mulheres. Não
somos separados pelo sexo. Mas apenas por aqueles que estão
dispostos a aceitar a injustiça e por aqueles que (...) estão
preparados para enfrentar a batalha pelo que é certo. E salários
iguais para as mulheres é o certo”. A ausência
das mulheres na atividade sindical fica latente nesse momento, pois
O’Grady discursa para um plenário repleto de homens.
A operária de Dagenham consegue um feito importante para o
desfecho vitorioso da greve, que é ganhar a votação
de apoio à luta das mulheres.
Nessa parte do filme cabe uma reflexão acerca da organização
das mulheres trabalhadoras nos sindicatos. Sobre isso Teles (1999)
ao fazer um panorama histórico do movimento feminista no Brasil,
evidencia as dificuldades encontradas para a organização
das mulheres em sindicatos. A autora aponta que entre os principais
obstáculos figura a forte repressão da empresa contra
as mulheres que se organizam e a indisposição dos dirigentes
sindicais em criar mecanismos específicos para atrair mulheres
para o sindicato. Para Teles (1999) a ausência das mulheres
nos sindicatos divide a classe trabalhadora.
O filme mostra que os dirigentes sindicais de Dagenham eram homens.
É Rita O’Grady que resolve enfrentar os dirigentes e
organizar as outras operárias em uma greve sem o apoio do sindicato.
No dia seguinte à primeira paralisação, as mulheres
recebem uma notificação oficial desqualificando o movimento.
Rita, junto com as outras operárias, vai ao sindicato contestar
e convence as outras trabalhadoras a não aceitar a retaliação,
e não somente, também votam por manter a greve até
que os salários sejam iguais aos dos homens. Diz ela a Monty
Taylor (Kenneth Cranham), moderador sênior da Ford Dagenham,
em tom de indignação: “temos os menores salários
da fábrica mesmo sendo consideravelmente qualificadas, e só
há uma razão para isso, é porque somos mulheres”,
termina dizendo “salários iguais ou nada”.
As operárias da Ford de Dagenham alcançaram um feito
de grande importância para a história do movimento feminista.
Elas conquistaram, com a greve, um aumento imediato de 92% do salário
pago aos homens, além disso, Rita O’Grady, junto com
as demais 187 costureiras de Dagenham, foram a vanguarda que tornou
a luta por igualdade salarial entre mulheres e homens algo real e
possível na Inglaterra, e em maio de 1970, dois anos depois
da greve, o Ato de Equiparação Salarial virou lei no
país.
Uma discussão entre Rita e seu marido, expõe de forma
bem categórica o tradicionalismo patriarcal enfrentado pelas
mulheres naquele contexto. Eddie afirma que é um bom companheiro
porque nunca bateu nela e cuida das crianças. Em um ato de
total indignação O’Grady afirma que é exatamente
assim que tem que ser. Em outras palavras, Rita quis dizer que não
era normal um homem bater na mulher e que era normal o homem ajudar
a cuidar dos filhos, que as mulheres também tinham direitos,
e que eram iguais aos dos homens. Pitanguy (1982) afirma que o feminismo
procura repensar a identidade sexual a partir do pressuposto que seja
o indivíduo homem ou mulher, não se torne sujeito a
padrões hierarquizados, com isso, as características
‘femininas’ e ‘masculinas’ fariam parte de
um todo de qualidades atribuídos ao ser humano de modo global.
Deste modo, ao colocar em questão o debate referente ao papel
social historicamente ocupado pela mulher, o filme trata da ideologia
criada em torno à inferioridade do gênero feminino, que
tem aparecido ao longo dos anos amparado por uma defesa referente
às diferenças biológicas (ALVES; PITANGUY, 1982).
Assim, ao longo dos séculos, durante o processo de socialização,
se construiu um discurso rígido quanto ao papel social da mulher,
proferido pelas principais instituições sociais, as
quais, religião, escola, família etc. É sobre
isso que discorre Pitanguy (1982), afirmando que nas relações
entre homens e mulheres ocorre um tensionamento criado a partir da
relação de poder e hierarquia determinados socialmente,
de acordo com os padrões sociais que normatizam comportamentos
típicos de cada gênero. É dessa ideologia que
está carregada a fala do marido de Rita, ao afirmar que não
bater em “sua mulher” (referente a título de propriedade)
e ajudar com filhos (função biológica e socialmente
delegada à mulher) é digno de grande mérito.
O filme de Nigel Cole faz um importante panorama sobre o papel social
da mulher, sua organização política e sua auto-organização.
Além de colocar em questão valores tradicionais que
até hoje seguem sendo pautados pela sociedade. A contestação
de Rita O’Grady ainda é atual, pois mesmo no século
XXI ainda é real a diferença salarial entre mulheres
e homens. Talvez o filme, que foi produzido em 2010, tente mostrar
que tanto se fez, importantes nomes se insurgiram contra a diferenciação
entre mulheres e homens, mas mesmo assim as mulheres ainda não
conseguiram se postular em um patamar de igualdade aos homens. Resta
a pergunta: porquê?
REFERÊNCIAS:
ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é Feminismo?.
São Paulo. Brasiliense, 2ª ed., 1982.
MARX, Karl. O Processo de Produção do Capital. In O
Capital: Crítica da Economia Política. Tradução
de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo. Abril
Cultural, 1984.
MATTOSO, Jorge Eduardo L.. O Novo e Inseguro Mundo do Trabalho nos
Países Avançados. In O Mundo do Trabalho: crise
e mudança no final do século. Org. Carlos Alonso
de Oliveira. São Paulo. Scritta, 1994.
TELES,
Maria Amélia de Almeida. Breve História do Feminismo
no Brasil. São Paulo. Brasiliense, 1999.
Priscila
Rodrigues Duque,
Jornalista, mestranda do Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais
da Universidade Federal do Pará (PPGCS-UFPA).
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