"Revolução em Dageham", de Nigel Cole
(Reino Unido, 2010)

 

 

 

"Revolução em Dagenham", do título original Made In Dagenham, dirigido por Nigel Cole, é um filme de 2010, que conta a história real de Rita O’Grady, interpretada por Sally Hawkins, operária da Ford e principal nome da greve de 1968, ocorrida na fábrica de Dagenham – localizada em Londres, Inglaterra –, protagonizada por mulheres que almejavam igualdade salarial. Logo no início do filme o narrador fala que a fábrica em questão “é um dos peso-pesados da indústria de motores”. Continua informando que nesta, Dagenham, e em outras fábricas da Britânia, se monta 3.000 carros por dia. A Ford de Dagenham era nada mais nada menos que a maior fábrica de motores de toda a Europa e a quarta maior do mundo. Em 1968 havia 55 mil homens e, apenas, 187 mulheres, trabalhando na fábrica Ford de Dagenham.


Rita é apresentada no início do filme como uma mulher comum de sua época. Dona de casa e mãe, além de operária da Ford. Em uma de suas primeiras cenas, ela prepara o café da manhã, enquanto isso uma tomada mostra ela ao fundo e em primeiro plano aparece uma tábua de passar roupas montada com um ferro elétrico em cima e a mesa arrumada esperando a família. Ela chama por seu filho, serve a filha e vai ao quarto acordar o marido.


O primeiro conflito de Rita O’Grady é com o Professor Clarke, que costuma bater com palmatória na mão de seu filho. Rita procura o professor para questionar o método que está sendo usado em sala de aula por ele. A princípio ele tenta justificar, no entanto, logo faz referência a origem social da família de O’Grady, questionando o fato de ela ser moradora do conjunto habitacional da Ford, ou seja, é uma operária. O professor diz a ela que os meninos quem vem de lá, tem dificuldades em se ajustar aos padrões exigidos pela escola, e que não é culpa deles, visto que eles não podem ter os pais como referência, pois estes nunca passaram pelos rigores da academia. O discurso de Clarke está carregado de discriminação social e tem o claro objetivo de constranger Rita. É após essa situação humilhante pela qual O’Grady passa que ocorre seu primeiro contato com Lisa Hopkins (Rosamund Pike). A relação entre elas é uma espécie de segundo plano do filme, que busca confrontar duas mulheres de classes sociais distintas, que a princípio vivenciam uma experiência comum, de insatisfação com uma educação repressora que oprime seus filhos. O fato de ambas serem mães as aproxima, mas suas classes sociais e os caminhos trilhados por cada uma delas é bem distinto. De um lado Lisa permanece em seu papel de mulher que vive à sombra do seu marido, executivo da Ford, como uma mulher tipicamente submissa. É uma mulher bonita, que frequentou a universidade, tem uma profissão. Trata-se de alguém privilegiado do ponto de vista econômico e educacional, porém, é a figura da mulher ideal do patriarcalismo, fica em casa para cuidar do filho e do marido. Do outro lado está Rita, que se torna uma grande liderança política, contestadora dos valores tradicionais e que luta por seus direitos. Lisa concorda com Rita, apesar de não ter coragem de lutar por sua autonomia. Seu papel no filme, por sua posição social privilegiada, é enfrentar o professor Clarke.


O episódio da greve de Dagenham, retratado no longa de Nigel Cole, faz parte da história do movimento feminista. Rita O’Grady, e sua luta pelo direito a salários iguais para mulheres e homens na Inglaterra, retoma a luta secular de seu gênero, da qual fazem parte figuras como Christine de Pisan, primeira mulher a ser indicada poeta oficial da corte francesa, no século XIV, que escreveu um dos primeiros tratados do feminismo de que se tem registro, intitulado A Cidade das Mulheres, no qual afirma a igualdade entre os sexos; Olympe de Gouges, escritora, também francesa, defensora dos ideais revolucionários do Iluminismo, que publicou em 1791 o texto intitulado Os Direitos da Mulher e da Cidadã que propõe a inserção da mulher francesa na vida política e civil, em condições de igualdade à dos homens; Simone de Beauvoir, que escreveu no final da década de 1940 o livro O Segundo Sexo, surgiu como uma voz isolada no período de refluxo da organização das mulheres e denunciou as raízes culturais da desigualdade sexual, para isso realizou uma análise profunda que levou em consideração a biologia, a psicanálise, o materialismo histórico, a educação, os mitos e a história. A análise de Simone de Beauvoir foi um marco fundamental para nortear o movimento feminista que eclode na década de 1960.


Rita O’Grady é um expoente de seu tempo, pois surgiu justamente na década em que data o início da ascensão do Movimento Feminista, após um refluxo que teve início por volta de 1930, durante o nazi-facismo. O feminismo que surge no calor das lutas sociais da década de 1960 incorpora outras frentes de atuação, que não deixa de reivindicar a igualdade no exercício de direitos civis, políticos e trabalhistas – tema abordado na trama de Cole –, mas que vai além, passando a questionar a predeterminação biológica e cultural que mantém a mulher em um patamar de inferioridade aos homens. As mulheres questionam as relações de poder e hierarquia entre os sexos, ou seja, trata-se de uma crítica ao papel social ocupado pela mulher. Uma crítica à tradição e a cultura patriarcal.

 

 

Também data desse contexto o surgimento de inúmeros grupos organizados de mulheres que se enfrentam contra governos, empresas e valores sociais historicamente estabelecidos. Essa agitação política de mulheres surge nos Estados Unidos e depois toma de assalto a Europa. A famosa Revolução Cultural-Sexual, encabeçada por mulheres, também ocorre em 1968, na França.


O filme mostra como as operárias inglesas tomam consciência de sua importância no processo produtivo e na sociedade e passam a se auto-organizar politicamente como classe. A tomada de consciência dessas mulheres aparece na trama de modo a entender que o processo pelo qual o indivíduo toma para si a tarefa de romper com sua submissão, é de sua responsabilidade. À medida que a trama vai se desenrolando, o movimento ganha força em sincronia com a politização das mulheres. Elas que aparecem no início do filme apenas com preocupações fúteis e domésticas, passam a atuar como ativistas determinadas, que não recuam diante das pressões sociais. Connie (Geraldine James), a qual fica dividida entre a atuação na greve e os cuidados com seu marido, que está doente e no desenrolar da trama acaba se matando, o que pressiona ainda mais a operária a romper com o movimento, e Sandra (Jaime Winstone) a costureira mais fútil entre todas as que são representadas no filme, que sonha virar modelo e deixar de ser operária, quando é envolvida por uma tática da Ford de cooptação para tirá-la do movimento, assim como Connie não cede às pressões e continua ao lado de Rita O’Grady na greve.


Assim, as mulheres vão, gradativamente, rompendo com os valores tradicionais a respeito do papel social da mulher. Rompe-se com a figura da mulher passiva, submissa, dependente, dona de casa etc. As operárias da fábrica de Dagenham se organizam para enfrentar não somente seu seio de relações mais estreitas, seus maridos, filhos e colegas (homens) de trabalho, mas estão dispostas a enfrentar a Ford, o sindicato atrelado à empresa e o Estado inglês.


O papel do Estado como mediador de conflitos é retratado no filme, no embate entre as operárias e a Ford. Em vários momentos é possível percebe a pressão empresarial sendo exercida sobre o Estado Inglês para que a greve seja fracassada e a produção volte à normalidade. Um bom exemplo disso é quando o Sr. Tooley, representante da Ford, afirma que a corporação é a maior indústria de carros do mundo, que injeta milhões de libras na economia do Reino Unido e que isso deve ser lembrado às autoridades de Estado, para que saibam qual deve ser seu papel na negociação com as operárias. Em seguida, o Primeiro Ministro chama a Secretária de Estado para uma conversa para dizer-lhe que a Ford não deve ser contrariada. Em outro momento, imediatamente antes da negociação entre Barbara Castle e as mulheres de Dagenham, Sr. Tooley ameaça tirar as fábricas da Inglaterra e levar para outro lugar. Esse diálogo abre margem para a discussão a respeito do processo de descentralização produtiva que ocorre a partir da década de 1970, quando as grandes corporações passam a migrar sua produção para países onde a legislação trabalhista são mais fracas e podem garantir maior produtividade e mais lucros.


No filme fica claro que as mulheres ocupavam os postos mais precários de trabalho e eram minoria absoluta dentro da fábrica. Suas tarefas eram consideradas ‘desqualificadas’, ou seja, tratava-se de uma atividade desvalorizada, porém, como mostra a trama, fundamental no processo produtivo. O ambiente de trabalho também é precário, isso fica claro quando as operárias começam a abrir guarda-chuvas para proteger-se das goteiras que estão por toda parte, na espécie de galpão no qual trabalham. Elas reclamam que já solicitaram o concerto várias vezes e não foram atendidas.


É importante destacar que essa desvalorização do trabalho feminino dentro da fábrica não pode ser considerada somente como uma questão de desvalorização da atividade em si, mas do papel social da mulher, seja no processo produtivo, seja em sua participação política e social, pois ela só podia ser considerada ‘inferior’ no trabalho, devido existir um forte tradicionalismo machista que de antemão já as tinha alguns degraus abaixo dos homens. Essa visão de inferioridade sobre as mulheres é exposta na fala de Albert (Bob Hoskins), o sindicalista que incentiva e defende a organização das operárias, durante uma conversa com O’Grady, em que procura convencê-la a tornar-se a representante das mulheres. Ele é categórico ao afirmar que a luta delas não tem nada a ver com a qualificação da atividade em si, diz que “a Ford decidiu pagar menos porque pode. Eles podem pagar às mulheres um salário menor do que dos homens. No país inteiro, Rita, as mulheres ganham menos. Porque são mulheres. Estão sempre em segundo plano”, conclui.

 

 

Deste modo, o trabalho desenvolvido pelas operárias de Dagenham era sim fundamental para a produção da Ford, ocorria que, desvalorizando o trabalho, não oferecendo sua devida qualificação na forma de remuneração justa às operárias, a empresa garantiria uma maior extração de mais-valia. Além disso, quando o capital oferece salários mais baixos às mulheres, os salários dos homens também são desvalorizados, pois é uma tática de pressionar para baixo o pagamento dos salários de toda classe trabalhadora. É o que afirma Marx (1984) ao analisar o processo de produção do capital, a partir do surgimento da maquinaria e da grande indústria. O autor afirma que o trabalho de mulheres, assim como o de menores, configura a força de trabalho suplementar do capital, pois garante aumentar o número de trabalhadores, consequentemente, intensificar a produção, porém se diminui o valor da força de trabalho. Deste modo, “(...) a desvalorização do trabalho feminino (...) encontra sua lógica no processo de acumulação do capital, onde a superexploração do trabalho da mulher (e do menor) cumpre função específica” (ALVES; PITANGUY, 1982, p. 26). Alves e Pitanguy (1982) completam afirmando que a análise das relações de produção no sistema capitalista permite concluir que a condição social da mulher é parte intrinsicamente ligado à exploração na sociedade de classes.


Revolução em Dagenham expõe muito bem o papel historicamente desenvolvido pela força de trabalho feminina na atividade fabril, que é ocupar-se de tarefas que exigem maior paciência e minúcia, como é o caso das operárias/costureiras de Dagenham. Essas atividades são tratadas como menos importantes e secundárias à produção, com vistas à desvalorização do trabalho feminino. A pouca importância atribuída ao trabalho de Rita e de suas companheiras apenas mascara uma necessidade do capital de extrair mais valor, pois no filme se mostra claramente que a greve das operárias paralisa toda a produção, fazendo cair por terra a falácia de que as mulheres são secundárias no processo produtivo.


A primeira reunião para pautar as reivindicações das mulheres ocorre no escritório da Ford em Warley. Dela participam Hopkins, Jones e Grant (executivos da Ford). Albert em discurso para as mulheres preparando para a reunião, fala sobre quem está ao lado das mulheres: Monty Taylor, ele próprio (Albert), Connie e ele afirma que: “temos um a menos” é nesse momento que olha para Rita, sugerindo que ela podia ser a quarta pessoa para enfrentar com vantagem a administração da Ford. Quando Rita conta ao marido que vai participar de uma reunião com todos os chefes, ele fica surpreso. Ela explica que antes de sair fará a comida e que se chegar tarde, ele pode esquentar a refeição para ele e os filhos. Justifica dessa forma que cumprirá seu papel de mulher. Na próxima cena, aparecem Rita e Connie conversando, Rita pergunta se vai dar tudo certo, ao que Connie responde: “Você não tem que fazer nada, só os homens vão falar”. Durante um almoço que precede a reunião com a Ford, Monty Taylor orienta Rita a não se envolver durante a reunião, diz a ela que: “Se começarem a fazer perguntas mantenha a cabeça baixa, eu cuido de tudo”. O que Monty pretende com isso é uma ‘domesticação’ de Rita, ele continua dizendo: “e, acima de tudo, se eu concordar, você concorda”. Ou seja, o papel tanto de Rita quanto de Connie não era opinar, muito menos decidir sobre nada. Elas seriam apenas figurantes de uma negociação alegórica entre a Ford e o sindicato.


Porém, Rita intervém durante a reunião e defende que o trabalho das operárias é sim, trabalho qualificado. Que elas fazem, inclusive, prova para ocupar a função, que não entende porque seu trabalho é considerado “desqualificado”. Diz O’Grady que a Ford nunca deu ouvido às reivindicações das mulheres porque elas nunca entraram em greve, declara que: “Chega de horas extras e uma paralisação imediata de 24h, e o que vai acontecer daqui para frente, depende de vocês”. Ao que parece, nem os executivos da Ford em Dagenham, nem a alta administração da Ford, em Michigan, nos EUA, nem mesmo o sindicato acreditava que as mulheres, menos de 1% do total de trabalhadores, teriam coragem de enfrentar a corporação.


O desejo de autodeterminação de Rita O´Grady aparece nesse primeiro momento, quando num ato de indignação com a conversa entre Monty e os executivos da Ford Dagenham, ela toma a palavra para si e questiona os argumentos colocados durante o diálogo. A ação de Rita, apesar de em nosso atual contexto parecer um tanto quanto normal, reflete uma ruptura drástica com a submissão ao poder masculino. Pois se é verdade que atualmente já se evidencia uma participação política e social maior das mulheres, basta observar grandes nomes da política nacional e internacional; também é verdade que ainda hoje é mais perceptível a participação masculina nas decisões e nos palanques. Então, uma mulher operária, na década de 1960, tomar para si um debate, buscando argumentar contra a administração da empresa pela qual é empregada, diante de sua representação ‘legítima’, figurado pelo sindicato, foi um ato anunciado de rebeldia. Rita O´Grady reflete os ideias da consciência feminista e levanta a bandeira de algo secularmente marginalizado, tanto político quanto socialmente falando, a transformação do papel social da mulher. Rita, ao assumir as rédeas da negociação com a Ford, rompe com a típica “passividade feminina” e torna-se protagonista de sua própria história. Sua postura de acordo com Alves e Pitanguy (1982) carrega a principal premissa do feminismo que é a auto-organização das mulheres.


Outro aspecto importante pontuado no filme diz respeito ao papel desempenhado pelo sindicato, que é atrelado a empresa e atua no sentido de desmobilizar a greve das trabalhadoras. Percebe-se que existe uma disputa dentro da própria organização sindical, já que Albert, sindicalista que defende as mulheres desde o início das reivindicações, ao longo dos embates se enfrenta com outros coordenadores do sindicato, por estar disposto a dar suporte incondicional à luta das mulheres, enquanto que os outros, típicos burocratas, desejam apenas manter seu posto.

 

 

O longa explicita a questão do atrelamento do sindicato à Ford quando a Secretaria de Estado, Barbara Castle (Miranda Richardson), afirma que não entende como que dois anos antes, 1966, ocorria uma onda de otimismo, no qual o Ministério do Trabalho afirmava que usaria a relação próxima com os sindicatos para desenvolver melhor a indústria. Em contraposição a isso, ela elenca que nos últimos 12 meses (de 1967 a 1968) haviam ocorrido vinte e seis mil greves no Reino Unido, resultando na perda de cinco milhões de dias de trabalho. Os números apresentados pela Secretaria indicam que a relação do governo e das empresas com os sindicatos apresentavam contradições significativas, pois ao mesmo tempo em que existiam sindicatos que controlavam os trabalhadores, a exemplo do que o sindicato de Dagenham tenta fazer quando do início do movimento de mulheres, o ascenso operário ganhava força e desafiava as corporações e o governo.


A década de sessenta, não só no que tange aos movimentos feministas, é marcada por uma ascensão do movimento sindical na Europa. É o contexto de fortalecimento das entidades de classe, no qual os sindicatos alcançam altos índices de sindicalização. Mattoso (1994) demonstra que o ascenso sindical vivido pelos países de capitalismo avançado, principalmente na segunda metade da década de 1960, culmina com altos índices de sindicalização no início de 1970, para um posterior decrescimento a partir das mudanças no mundo do trabalho ocorridas com a reestruturação produtiva.


O que Revolução em Dagenham tem de especial é o fato de abordar essa intensificação das lutas trabalhistas na Europa, a partir das demandas femininas. Nigel Cole mostra mulheres determinadas a ir até o fim em seus questionamentos e reivindicações. O capital, representado pela Ford, aparece como maior impulsionador da divisão entre homens e mulheres, visando enfraquecer a luta do movimento feminista organizado no interior da fábrica. O objetivo da administração da Ford é claro, usar a autoridade garantida culturalmente aos homens para deter as mulheres e acabar com a greve, evidenciando que a submissão feminina, cristalizada por um tradicionalismo cultural patriarcal, serve para o enfraquecimento da organização feminista e, concomitantemente, da classe trabalhadora, homens e mulheres.


As operárias de Dagenham avançam o movimento procurando apoio de operárias de outras fábricas da Ford. Eddie (Daniel Mays), o marido de Rita, começa a ser pressionado por seus colegas, que questionam a atuação de Rita e o risco que a greve representa para todos. Nesse momento, Eddie encontra-se insatisfeito com a inversão dos papéis dentro de casa, já que a maior participação política de Rita implica, necessariamente, em sua ausência da vida doméstica. Assim, as atividades do lar que eram de sua responsabilidade, como cuidar dos filhos, da casa e do marido, além de trabalhar na fábrica, eram agora responsabilidade de Eddie.


A greve toma conta dos noticiários e vira pauta social. As grevistas são questionadas sobre a posição de seus maridos. Isso é demonstrado quando um repórter pergunta a Rita “Seu marido a apoia?”. O questionamento do repórter remete a uma suposta necessidade de legitimação, ou melhor, autorização dos maridos às ações das mulheres, como que se apenas a vontade e determinação delas não tivessem validade em si.


A greve ganha proporção tamanha que a fábrica paralisa totalmente a produção. O movimento vira assunto do próprio Sr. Ford, que dá uma dura em seus executivos e afirma que se Rita conseguir o que quer a Ford terá que fazer o mesmo em todo o mundo. Aqui fica expressamente óbvio que a preocupação do Sr. Ford é com os lucros da empresa, que estão em risco graças à organização e força da greve de mulheres.


Rita discursa na Reunião de Sindicatos, em Eastbourne, para conseguir apoio das outras organizações sindicais: “vocês têm que nos apoiar. Vocês tem que tomar a frente conosco. Somos da classe trabalhadora. Os homens e as mulheres. Não somos separados pelo sexo. Mas apenas por aqueles que estão dispostos a aceitar a injustiça e por aqueles que (...) estão preparados para enfrentar a batalha pelo que é certo. E salários iguais para as mulheres é o certo”. A ausência das mulheres na atividade sindical fica latente nesse momento, pois O’Grady discursa para um plenário repleto de homens. A operária de Dagenham consegue um feito importante para o desfecho vitorioso da greve, que é ganhar a votação de apoio à luta das mulheres.


Nessa parte do filme cabe uma reflexão acerca da organização das mulheres trabalhadoras nos sindicatos. Sobre isso Teles (1999) ao fazer um panorama histórico do movimento feminista no Brasil, evidencia as dificuldades encontradas para a organização das mulheres em sindicatos. A autora aponta que entre os principais obstáculos figura a forte repressão da empresa contra as mulheres que se organizam e a indisposição dos dirigentes sindicais em criar mecanismos específicos para atrair mulheres para o sindicato. Para Teles (1999) a ausência das mulheres nos sindicatos divide a classe trabalhadora.


O filme mostra que os dirigentes sindicais de Dagenham eram homens. É Rita O’Grady que resolve enfrentar os dirigentes e organizar as outras operárias em uma greve sem o apoio do sindicato. No dia seguinte à primeira paralisação, as mulheres recebem uma notificação oficial desqualificando o movimento. Rita, junto com as outras operárias, vai ao sindicato contestar e convence as outras trabalhadoras a não aceitar a retaliação, e não somente, também votam por manter a greve até que os salários sejam iguais aos dos homens. Diz ela a Monty Taylor (Kenneth Cranham), moderador sênior da Ford Dagenham, em tom de indignação: “temos os menores salários da fábrica mesmo sendo consideravelmente qualificadas, e só há uma razão para isso, é porque somos mulheres”, termina dizendo “salários iguais ou nada”.

 

 

As operárias da Ford de Dagenham alcançaram um feito de grande importância para a história do movimento feminista. Elas conquistaram, com a greve, um aumento imediato de 92% do salário pago aos homens, além disso, Rita O’Grady, junto com as demais 187 costureiras de Dagenham, foram a vanguarda que tornou a luta por igualdade salarial entre mulheres e homens algo real e possível na Inglaterra, e em maio de 1970, dois anos depois da greve, o Ato de Equiparação Salarial virou lei no país.


Uma discussão entre Rita e seu marido, expõe de forma bem categórica o tradicionalismo patriarcal enfrentado pelas mulheres naquele contexto. Eddie afirma que é um bom companheiro porque nunca bateu nela e cuida das crianças. Em um ato de total indignação O’Grady afirma que é exatamente assim que tem que ser. Em outras palavras, Rita quis dizer que não era normal um homem bater na mulher e que era normal o homem ajudar a cuidar dos filhos, que as mulheres também tinham direitos, e que eram iguais aos dos homens. Pitanguy (1982) afirma que o feminismo procura repensar a identidade sexual a partir do pressuposto que seja o indivíduo homem ou mulher, não se torne sujeito a padrões hierarquizados, com isso, as características ‘femininas’ e ‘masculinas’ fariam parte de um todo de qualidades atribuídos ao ser humano de modo global.


Deste modo, ao colocar em questão o debate referente ao papel social historicamente ocupado pela mulher, o filme trata da ideologia criada em torno à inferioridade do gênero feminino, que tem aparecido ao longo dos anos amparado por uma defesa referente às diferenças biológicas (ALVES; PITANGUY, 1982). Assim, ao longo dos séculos, durante o processo de socialização, se construiu um discurso rígido quanto ao papel social da mulher, proferido pelas principais instituições sociais, as quais, religião, escola, família etc. É sobre isso que discorre Pitanguy (1982), afirmando que nas relações entre homens e mulheres ocorre um tensionamento criado a partir da relação de poder e hierarquia determinados socialmente, de acordo com os padrões sociais que normatizam comportamentos típicos de cada gênero. É dessa ideologia que está carregada a fala do marido de Rita, ao afirmar que não bater em “sua mulher” (referente a título de propriedade) e ajudar com filhos (função biológica e socialmente delegada à mulher) é digno de grande mérito.


O filme de Nigel Cole faz um importante panorama sobre o papel social da mulher, sua organização política e sua auto-organização. Além de colocar em questão valores tradicionais que até hoje seguem sendo pautados pela sociedade. A contestação de Rita O’Grady ainda é atual, pois mesmo no século XXI ainda é real a diferença salarial entre mulheres e homens. Talvez o filme, que foi produzido em 2010, tente mostrar que tanto se fez, importantes nomes se insurgiram contra a diferenciação entre mulheres e homens, mas mesmo assim as mulheres ainda não conseguiram se postular em um patamar de igualdade aos homens. Resta a pergunta: porquê?


REFERÊNCIAS:
ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é Feminismo?. São Paulo. Brasiliense, 2ª ed., 1982.
MARX, Karl. O Processo de Produção do Capital. In O Capital: Crítica da Economia Política. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo. Abril Cultural, 1984.
MATTOSO, Jorge Eduardo L.. O Novo e Inseguro Mundo do Trabalho nos Países Avançados. In O Mundo do Trabalho: crise e mudança no final do século. Org. Carlos Alonso de Oliveira. São Paulo. Scritta, 1994.
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve História do Feminismo no Brasil. São Paulo. Brasiliense, 1999.

 

 

Priscila Rodrigues Duque, Jornalista, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
da Universidade Federal do Pará (PPGCS-UFPA).