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“O
Homem Que Virou Suco”, de João
Batista de Andrade
(Brasil, 1981)
A
loucura do trabalho
O filme "O homem que virou suco" percorre a temática
dos migrantes nordestinos que durante o auge da industrialização
brasileira, entre as décadas de 1960 e 1980, vieram para a
região Sudeste procurar trabalho nas "terras de oportunidades".
Como personagem principal do filme, Deraldo (José Dumont) sai
do nordeste para conseguir trabalho para a sua sustentação,
buscava sua identidade atravéz da poesia e seus folhetos artísticos,
mas era tratado com discriminação pela polícia
por não possuir sua documentação de cidadão
e por não trabalhar formalmente; mesmo tentando não
consegue sobreviver da venda de sua poesia popular em São Paulo
e cede a pressão social passando a buscar um trabalho de “verdade”;
trabalha no mercado, na construção civil, na construção
do metrô e na casa de madame, por fim se vê fracassado
por não se enquadrar em nenhum dos espaços do mundo
do trabalho.
O desenvolvimento do capitalismo é em grande parte responsável
por gerar a necessidade do povo brasileiro de se deslocar para as
grandes metrópoles, aonde a industrialização
substituiu a força humana pela máquina. Na maior parte
das cenas retratadas por João Batista de Andrade, o diretor
busca contextualizar e retratar as condições de existência
e os destinos dos proletários migrantes, destacando as forças
do capital, que buscam extrair a humanidade do sujeito humano, tornando-o
passivo à dominação e a exploração,
acabando por fim a virar “suco”.
O filme pretende ilustrar as diversas faces camufladas do mundo do
trabalho através da trajetória do personagem principal,
uma personagem-alegoria que representa os milhares de proletários
nordestinos que tentam a vida na cidade grande. Severino é
o personagem através dos qual o diretor consegue pensar o trabalho
alienado como elemento que rompe de forma violenta e simbólica
as vidas humanas de homens e mulheres migrantes.
Em um segundo momento do filme, Deraldo passa a buscar seu sósia,
Severino (mesmo ator) operário que assassinou o patrão
na ocasião em que recebeu o prêmio de “funcionário
símbolo” (a policia confundiu Severino com Deraldo).
Depois de sofrer uma série de experiencias de trabalhos precários,
Deraldo busca seu sósia, empreendendo uma saga de questionamentos
à conhecidos nas ruas e na fábrica onde Severino trabalhava,
e por fim o encontra, ainda vestido com o terno da festa, com a peixeira
na mão investindo contra o ar, simbolizando a insanidade/loucura,
resultado psíquico das imposições do mundo do
trabalho.
O fator "loucura" ou "delírio" possui uma
ligação com a degradação física
e psíquica sofrida por todos os trabalhadores que se submetem
à lógica do capital. Essa ligação com
a animalização do trabalhador fica clara na trama, a
exemplo da cena qual Deraldo percorre o “corredor” de
madeira onde trabalhadores circulam, mugindo como um boi fazendo alusão
ao trabalho como massificador e “animalizador” do ser
social. Deraldo também grita na cena em que encontra uma barata
em seu prato de comida: “Isso não é comida de
porco, é comida de gente!” e joga o prato no chão.
Deraldo vê em Severino aquilo que pensava ser possível
acontecer caso continuasse a tentar se inserir e buscar satisfação
no universo do trabalho. É atraves desse raciocínio
que Deraldo resolve voltar a ser poeta e utilizar da poesia para demonstrar
sua realidade e de todos os trabalhadores proletários migrantes.
A demonstração da realidade está no ato de contar
a sua própria história, ilustrar a sua própria
subjetividade que através da literatura é assimilada
pelo leitor.
O filme
"O homem que virou suco" não somente nos permite
analizar a perspectiva da reestruturação do trabalho,
mas também a reestruturação em si, que ocorre
em cada núcleo social, com o trabalho produzindo diferentes
vivências. A lição que João Batista de
Andrade nos deixa é a esperança que renasce em Deraldo,
na medida em que ele se torna um sujeito que luta contra os mecanismos
de opressão, que resiste e é persistente, ao contrário
do estereótipo submisso que é tão frequentemente
imputado ao homem do povo.
Bruno
Lacerra de Souza é graduando em ciências sociais
da UNESP-Marilia
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