“O
Estomâgo ”, de Marcos Jorge
O
ser humano, como qualquer animal, tem algumas necessidades vitais,
como repor suas energias e a reprodução, ou em outras
palavras, comer e fazer sexo. Teoricamente, o homem conseguindo atender
essas necessidades, tem o básico para começar a engendrar
sua vida. Mas, o que acontece quando se acrescenta o fator "prazer"
a essas atividades? E se a partir de então, criarmos uma serie
de fatores políticos e sociais, que vão desde uma relação
amorosa até a estrutura hierárquica dentro de uma cela
de cadeia? É a ideia a ser explorada dentro do longa-metragem
brasileiro "Estômago". A narrativa mostra a vida de Raimundo Nonato, retirante nordestino que chega a uma grande cidade a procura de uma oportunidade melhor. Ao chegar à cidade, Nonato vai à procura de suprir sua necessidade básica, a alimentação, mesmo sem dinheiro. Acaba chegando o bar de Seu Zulmiro, -um bar comum de centro de uma grande cidade, como é citado no filme, um bar onde só tem mosca e bêbado - aonde contando com a boa vontade do sujeito, acaba pedindo duas coxinhas para comer e é surpreendido quando este o cobra pelos quitutes. Este então propõe a Nonato, que limpe a cozinha para saudar a divida, e acaba ganhando um lugar para passar a noite, um quartinho nos fundos do boteco. Na manhã seguinte, seu Zulmiro vendo que o sujeito fizera o serviço bem feito, propõe a Nonato que ele trabalhe ajudando na cozinha, em troca de comida e teto, e o ensina a preparar pastel e coxinha. Nonato
então começa a fritar salgados no boteco, e não
é que suas coxinhas fazem um grande sucesso? O bar então
se torna um lugar muito movimentado, e o grande sucesso se deve as
coxinhas de Raimundo Nonato. A partir de então, ele começa
a ganhar prestigio pelos frequentadores do bar, entre eles Iria, uma
prostituta que se diz apaixonada pelas coxinhas, e que então
vai começar uma relação com Nonato, e Seu Giovanni,
expert em gastronomia e dono de um restaurante da região (o
"Bocaccio"), que surpreso com a coxinha que Nonato preparou,
acaba o contratando para trabalhar em seu restaurante. O retirante
aceita, vendo a boa oportunidade que surgira, pois antes trabalhava
para comer, uma espécie de trabalho compulsório, e agora
além de salário, vê que pode conseguir uma boa
oportunidade para aprender e complementar seus conhecimentos sobre
gastronomia. A relação com esses dois personagens será
de grande importância para a condução da trama. Sua relação com Iria, começa com ela o admirando pelas suas coxinhas. Nonato passa de um simples funcionário de boteco para um cozinheiro de prestígio. A partir daí, Nonato e Iria começam uma relação, a principio como uma troca de favores, pois ela, que diz gostar muito de comida e não sabe cozinhar, troca seu serviço sexual pelos alimentos produzidos por Nonato. Algo que acaba juntando os dois, pois cada um sente um imenso prazer pelo que o outro pode propiciar ao outro. Nonato
começa a se apaixonar por Iria, apesar de não ser respondido
à altura, - inclusive em um momento chega a ter um beijo na
boca negado por ela, dizendo que aquilo não é ético
– e pede ela em casamento, a qual só aceita um noivado. Num primeiro momento, essa é a história de Raimundo Nonato, aprendiz e ajudante num restaurante e apaixonado por uma prostituta. Mas
a história de Nonato é contada, num segundo momento,
a partir do presidio onde ele está recolhido. Ao chegar ao
presídio, Nonato começa a imaginar outro nome para assumir.
Ele se chamava Nonato antes de chegar à cadeia. Mas apenas
o nome Nonato, o cozinheiro, não era muito adequado para se
utilizar num presidio. Ele então teve que assumir o nome de
"Nonato Canivete", nome ligado ao crime que ele cometeu.
Num segundo momento, Nonato é submisso a Seu Giovanni no restaurante, mas neste caso vemos uma relação onde podemos fazer uma analogia às corporações de oficio, onde existia um mestre, que detinha os instrumentos e ensinava seus empregados o trabalho, o preparando para um dia exercer este trabalho de maneira plena. Neste caso, a relação é fortalecida pelo fato de Nonato já ganhar um salário pelo seu trabalho. E num terceiro e ultimo momento, a submissão de Nonato – já Alecrim – dentro da cadeia, onde a analise da hierarquia de poder se assemelha ao sistema de poder proposto por Maquiavel em O Príncipe, onde o príncipe domina seu território a partir da força (nesse caso a fortuna). Além do mais, Bujiú dentro da cela, é visto como um ser de poderes absolutos, onde nenhum preso se rebela contra ele, tendo em vista que as punições serão severas. Mas Nonato se inclui e ascende nessa hierarquia, através do prestigio que tem com os presos devido a sua gastronomia, tanto que ele sai do grau mais baixo dentro da hierarquia, e devido ao respeito dos presos, chega ao grau mais avançado da hierarquia abaixo de Bujiú, que seria o beliche de baixo, e isso, ainda na lógica de Maquiavel, se deve a Virtú.
Diferente
de Seu Giovanni, Bujiú foi morto por Nonato de modo totalmente
diferente. Utilizou outro método: envenenamento e não
facadas. As causas que motivaram os assasinato também diferem:
o primeiro (Seu Giovanni e Iria) devido a algo que mexeu profundamente
com seu sentimento; e o segundo, apesar do rancor por muitas coisas
que Bujiú fez a Alecrim, a morte dele teve um caráter
político, porque a intenção era assumir o poder
dentro da cela. Então,
vemos que socialmente construído, existe uma hierarquia que
tange as relações tanto pessoais quanto sociais. E como
toda hierarquia, tem de existir tanto um dominador quanto um dominado.
Essa dominação se da por diversas maneiras, como a força
física, o poder econômico, e o principal na trama, dominação
pelo talento reconhecido. Talento esse, que faz com que uma necessidade
fisiológica seja atendida de forma prazerosa, a ponto desse
prazer se tornar algo vital em algumas situações. O
filme retrata como quando as necessidades são atendidas, isso
da certo poder a aquela que proporciona essa sensação.
|