“Pão e Rosas”, de Ken Loach
(Inglaterra, 2000)

 

 

 

A situação de miserabilidade a que a dinâmica da sociedade burguesa expõe a população força esta última (mediante o recurso da alienação dos seus meios de produção e reprodução da vida) à venda, por qualquer preço, da sua força-de-trabalho em troca de pão, de alimentação, exclusivamente. As rosas são aí mera abstração. Para tentar se aproximar delas só com muita luta. Este é, sinteticamente, o sentido do nome da narrativa fílmica.

O início do filme de Ken Loach retrata uma realidade muito presente em países periféricos do sistema capitalista. A lógica do desenvolvimento “desigual e combinado” explica o intenso deslocamento de pessoas tanto interna (entre regiões de um mesmo país) quanto externamente (entre países). O fluxo migratório é assim fato comum em regiões brasileiras como o Nordeste do Brasil e o Vale do Mucuri, em Minas Gerais. Nesta última dificilmente se encontra alguém que não tenha parentes tanto em São Paulo, quanto, tal como a personagem Maya, nos Estados Unidos da América.

O tema migração tão bem abordado em “Pão e Rosas”, do ponto de vista sociológico é fato da maior importância. Aponta algo imanente à sociedade do capital, sobretudo agora em sua fase mundializada: a desterritorialização. A classe proletária, desprovida dos meios de sua produção e reprodução vê-se obrigada a vendê-la, a quem quer que seja e aonde quer que seja; mesmo que para isso corra riscos da maior intensidade, como atravessar desertos, negociar com os terríveis coiotes mexicanos, fugir de policiais de embaixada etc. Maya, a personagem central, nascida em Tijuana, México, dá-nos uma idéia precisa desta aventura. Além de um futuro incerto em terras distantes, a apreensão da família é outro efeito triste da dinâmica do capital. São comuns, na região nordeste do Brasil, os casos de “viúvas de marido vivo”, mulheres que aguardam o retorno dos companheiros que foram ao trabalho no estado de São Paulo e de lá não mandam notícias, há décadas.

Marx vê nas greves, mesmo naquelas com tendência trade-unionista, potenciais lócus de organização política da classe trabalhadora, além de propiciarem reações por parte da burguesia, que tendem a responder com equipamentos que poupam mão-de-obra, insuflando ainda mais a classe trabalhadora a sair da sua inércia, organizando-se coletivamente para a luta contra a sua exploração.

Sam Shapiro, um dos articuladores do movimento “Justice for Janitors”, sabe da dificuldade concreta que é a mobilização de uma parcela da classe trabalhadora que, imersa na imigração ilegal, reúne todas as características desejáveis pelos capitalistas para a extração de níveis exorbitantes de exploração de mais-valia e espoliação : baixo nível de escolaridade, estrangeira, ilegal, desarticulada entre si e predominantemente feminina. Sabe também que sem o desenvolvimento de um nível mínimo de sentimento de coletividade por parte dos sujeitos, nenhuma luta é passível de vitória.

Em tempos de selvagem neoliberalismo, o individualismo mesquinho burguês é a parede que contem a descrença, o medo, a falta de solidariedade e o sentimento de fatalismo entre a classe trabalhadora. Ao invés de se pensar na perspectiva de classe, os proletários tendem a digladiarem entre si, e a reagir, inicialmente, a qualquer tentativa de “quebra desta parede” (“Justiça para Rosa!” , afirma a faxineira Rosa). Numa clara tentativa de desnaturalizar a precária situação do grupo de faxineiros da empresa de faxina “Angel”, o jovem militante aponta historicamente a trajetória da empresa em que trabalham. Porém, foi a situação limite de abuso a uma das funcionárias da companhia, praticado pelo autoritário gerente Perez, que acarretou a procura dos funcionários ao sindicato. Perez, apesar de latino, volta-se contra aquele grupo, a que na realidade faz parte. Resposta inteiramente conformista ao capital, típica pseudo transformação de “oprimido em opressor”, como nos ensina o mestre Paulo Freire.

O filme também explicita uma dimensão importante do capital em sua fase global que é o inchaço do setor de serviços nos países desenvolvidos - atualmente em torno de 60% da economia norte-americana – trabalho improdutivo que embora articulado ao capital em seu conjunto, demonstra o quanto está em segundo plano a produção da riqueza “palpável”, “real”, na atualidade; fato que influencia sobremaneira a formação das tão ditas bolhas especulativas.

De modo completamente diverso à dificuldade de entrada de Maya, para o capital não há fronteiras. Grandes empresas fogem de qualquer forma e a qualquer momento dos seus principais obstáculos, sobretudo legislações trabalhistas, direitos sociais e encarecimento da força de trabalho. Instalam-se simultaneamente em vários países, impõem uma divisão internacional do trabalho e determinam o que cada país deve produzir, pagando irrisórios salários e explorando os trabalhadores de diversas nações de forma assombrosa. Não há barreiras! Tendo condições de máxima exploração e acumulação ele dita a sua dinâmica em qualquer local, até mesmo no interior dos Estados Unidos, “coração” do mundo capitalista.
Sam Shapiro, considerando todas estas nuances, começou paciente e cuidadosamente a organizar os trabalhadores e a auxiliá-los na sua luta, jamais desconsiderando o conhecimento e vivência daqueles.


O aparecimento no salão social de um grupo de pessoas tornadas “invisíveis” pelos seus uniformes de trabalho - na teoria do esforçado Luiz - incomodou os burgueses como se aquelas fossem fantasmas. A forma como os sindicalistas se mostraram tranqüilos na delegacia, no desfecho da segunda manifestação, demonstrou o quanto já estavam amadurecidos e entendidos com relação à luta que estavam travando. Atingiram assim um nível de classe-em-si. A vitória veio, mas não sem muito sofrimento. Mais que a readmissão na empresa e a conquista de alguns direitos, a sensação de que unidos poderiam fazer muito, com certeza alimentou o coração daqueles trabalhadores anteriormente completamente entregues à lógica do capital.

A rebeldia e o caráter contestatório das personagens Maya e Sam devem servir a nós, brasileiros, também como elemento de reflexão sobre que papel a juventude (bem como a todos) atualmente tem mostrado enquanto potência para a mudança social. Nos tempos da ditadura militar em que a restrição da liberdade (esta em seu sentido mais básico, enquanto direito de expressão e de ir e vir) se fazia presente, notava-se muito mais a organização juvenil que nos momentos atuais , onde impera a ditadura econômica neoliberal, ditadura do não-trabalho, do não-reconhecimento do outro como parte de si, ditadura da invisibilidade daqueles que produzem a verdadeira riqueza palpável do mundo.

BIBLIOGRAFIA
ALVES, Giovanni. A Precariedade do Trabalho no Capitalismo Global: curso de extensão universitária. Marília, SP, 2009.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 47ª Ed. Rio de Janeiro:Paz e Terra, RJ, 2005.


Alberth Alves Rodrigues é graduando em serviço social na UFVJM