“Ou Tudo Ou Nada” de Peter Cattaneo

(1997)

 

Conseqüências sociais do desemprego

 

Contexto sociológico em que o filme se insere

O sistema produtivo capitalista para continuar existindo necessita progredir continuamente. Dessa forma, avançou progressivamente no desenvolvimento de novas técnicas de organização social e da produção. Da assimilação das ferramentas e técnicas dos trabalhadores até a flexibilização e subsunção subjetiva do toyotismo, converteu os saberes, técnicas e vivências dos trabalhadores em dispositivos para máquinas, assim, expropriou o trabalhador de seu conhecimento empírico, colocando-o sob o domínio da máquina. Com isso potencializou-se a produção e diminuiu a demanda efetiva de força de trabalho e multiplicou-se o desemprego e suas conseqüências.

Na nova fase da acumulação capitalista a partir da década de 1970, com o declínio das políticas keynesianas , o desemprego se alastrou pelo mundo, e com ele voltou-se a velhos problemas que pareciam resolvidos, como no caso dos desempregados involuntários, porém desta vez o desemprego passou a ser visto como um apêndice do sistema capitalista sugestiona-se não haver como extingui-lo.

Com o neoliberalismo, parece irromper-se da cova rasa o velho laissez-faire, assim aceitou-se, ainda que de maneira envergonhada, que não é mais possível aproximar a demanda de força de trabalho necessária a produção da demanda social de empregos, dessa forma o desemprego é encarado agora parte da nova estrutura. A fim de evitar que ele aumente ainda mais gerando um quadro social insustentável trata-se de flexibilizar os salários e os demais direitos dos trabalhadores.

Como parte da nova fase de desenvolvimento e acumulação, o sistema capitalista no pós-guerra fria, encontra um desafio muito grande, como vencer a crise da superprodução e acumulação, a saída encontrada foi flexibilizar a produção, produção enxuta, em seguida flexibiliza-se os salários e os direitos dos trabalhadores. Desenvolvem-se novas formas e técnicas de produção visando novos padrões de acumulação, implementa-se com a reestruturação produtiva, inovações técnicas e de organização do trabalho como a lean production, estoque mínimo e Kanban.

Tais inovações, surgidas a principio no Japão, espalham-se pela produção a nível mundial, adaptando-se em cada pais, de acordo com suas especificidades. Tornou-se possível ao capital se revigorar novamente, em uma nova guerra, só que desta vez ela é empreendida contra os direitos trabalhistas, ou seja, uma guerra pela subsunção do homem que vive do próprio trabalho. Obrigando o homem a se entregar mais ao trabalho, exige-se agora a disposição da mente e do corpo.

Dada as inovações do sistema produtivo e o enxugamento do Estado (declínio do keynesianismo), a produção passa a funcionar com um número cada vez reduzido de capital variável (mão-de-obra). A crescente liberação de força-de-trabalho gera incompatibilidade cada vez maior entre a oferta e demanda de trabalho, o número excedente de mão-de-obra, converte uma parte dela em “mercadoria dispensável”.
Karl Marx (1818-1883) n’"O Capital", capitulo XXIII, considera que a falta de emprego “força” os trabalhadores empregados a submeter-se a baixos salários, e a vidas formas de vida paupérrimas, já que não existem empregos em número suficiente para todos trabalhadores, ainda assim o capital transmite a caricatura de expansão e vitalidade, como se vivêssemos no melhor dos tempos. [...] a verdade é que a acumulação capitalista sempre produz, e na proporção de sua energia e de sua extensão, uma população trabalhadora supérflua relativamente, isto é que ultrapassa as necessidades médias da expansão do Capital, tornando-se, desse modo, excedente.

O desenvolvimento das forças produtivas, capital constante (meios de produção), desvaloriza o capital variável (trabalhadores), pelo menos em dois sentidos; 1) aumenta o nível de exploração do trabalho com o aumento da produtividade-por-trabalhador, e 2) multiplica a concorrência estabelecida entre os trabalhadores empregados x desempregados. “Durante os períodos de estagnação e de prosperidade média, o exército industrial de reserva pressiona sobre o exercito de trabalhadores em ação” . Tal concorrência entre os próprios trabalhadores empregos tende a prejudicar os trabalhadores na hora de exigir os salários necessários. Assim torna-se possível ao capitalista, recrutador de mão-de-obra, estabelecer salários a níveis que melhor lhe convêm, ou seja, sempre relativamente mais baixos (flexibilização dos salários e dos direitos dos trabalhadores) para com isso embolsar mais lucros.

Vale destacar que o aumento do exército industrial de mão-de-obra de reserva não se dá apenas pelo aumento demográfico da população, mas também pela modificação na composição técnica do capital (diminuição efetiva dos postos de trabalho). A proporção em que o capital constante aumenta (desenvolvimento técnico) é progressivamente maior em relação ao incremento do capital variável, produzindo um contingente cada vez maior de trabalhadores que mesmo estando aptos para o trabalho, acabam, pela grande oferta de mão-de-obra, ficando de fora do exército dos trabalhadores ativos, o que Keynes chamou de “desemprego involuntário”.

"Com o progresso da acumulação, varia a relação entre capital constante e capital variável. De 1:1 originalmente ele passa digamos para 2:1, 3:1, 4:1, 5:1, 6:1, 7:1. Desse modo, ao crescer o capital, emprega-se em força de trabalho, em vez de 1/2 de seu valor global, progressivamente apenas 1/3, 1/4, 1/5, 1/6, 1/7 e 1/8 desse mesmo valor. Sendo a procura do a procura de trabalho determinada não pela magnitude do capital global, mas pela magnitude de sua parte variável, ela cai proporcionalmente com o aumento do capital global, ao invés de crescer proporcionalmente com ele [...] "

(MARX, K., O Capital – Critica da Economia Política)

Com o grande número de fechamento das industrias (intensificadas a partir dos anos 1980) somado as inovações acarretadas pela reestruturação produtiva, que trouxe no seu bojo a atenuação da ação sindical, os empregos fixos, com carteira assinada e as respectivas garantias ao trabalhador, também os empregos de boa remuneração (funcionários de carreira) tornam-se cada vez mais raros escassos. Expande-se o setor de serviços e o trabalho informal instala-se a sim “o novo e precário mundo do trabalho” . As leis trabalhistas flexibilizam-se, instituindo a precariedade. Com esse enorme poder de barganha as empresas podem ainda exigir novas qualificações e polivalências do trabalhador, mas que principalmente, aceite os novos padrões e índices de salários.

Análise do filme

O núcleo central de “Ou tudo ou nada” (1997) de Peter Cattaneo é o fechamento de industrias de uma pequena cidade da Inglaterra, Shenffild, com isso um grande número de trabalhadores são demitidos, cria-se um grande contingente de homens desempregados na cidade. O número de postos de trabalho é cada vez mais estreito, assim, fatalmente grande parte dos antigos operários demitidos das fábricas, não podem ser absorvidos pelo mercado de trabalho, nas mesmas funções ou com os mesmo padrões de salário uma vez que o mercado está em pleno encolhimento. Entre os trabalhadores demitidos estão os seis principais personagens do filme; Gaz, (Robert Carlyle OBE), Dave (Mark Addy), Gerald (Tom Wilkinson), Horse (Paul Barber), Lomper (Steven Huison), Guy (Hugo Speer).

A partir da década de 1970, no processo de transição da industria pesada para a automatizada, industria leve e depois enxuta, multiplicou-se contingente de trabalhadores dispensáveis, que não pode mais ser absorvidos pelo sistema produtivo. Assim algo que nos envolve a trama do filme é que os seis personagens estão vivenciando uma situação que atualmente é vivida na realidade por milhares de outros trabalhadores desempregados, e que pode ser vivido por qualquer um de nós. Gaz e Dave relutam ainda em aceitar os trabalhos temporários, bicos e os novos níveis de salários e graus de subsunção estabelecidos pela nova configuração do mercado de trabalho.

Como alternativa para driblar o desemprego e conseguir algum dinheiro que os tire da pior, Gaz reúne amigos e desempregados a fim de buscar uma nova forma conseguir dinheiro. Gaz nota que é preciso pensar uma nova forma de empregar o corpo para ganhar a vida, pois eles não têm outra coisa parar vender, que não seja seu trabalho, precisam encontrar uma outra forma de inserir-se novamente em alguma atividade remunerada. Gaz apoiado pelo seu amigo e ex-companheiro de fábrica Dave, pensa que pode conseguir um bom dinheiro fazendo um strip-tease, Gaz propõe com isso, mesmo sem pensar na amplitude da nova tarefa, uma nova forma de utilizar seus corpos para ganhar a vida.

 

 

Novas formas de pensar e utilizar o corpo

A proposta inicial de Gaz é fazer o show de strip-tease uma única vez, e com isso pagar suas dividas, para isso convence Dave a buscarem mais quatro parceiros para a difícil tarefa, um deles é o, ainda vigia e, ex-companheiro da fábrica fechada Lomper, outro Gerald é um gerente desempregado que freqüenta a mesma agência de empregos que os amigos, completam o quadro dos futuros stripers, Horse e Guy que são selecionados através de anúncios. E já que estão completamente fora do padrão de beleza de um striper, Gaz entende que terão que ir além, terão fazer de forma diferenciada, então a proposta é tirar tudo, ficar completamente nus.

Gaz é divorsiado e sua ex-esposa ameaça impedir-lhe de ver o filho caso não pague a pensão atrasada, analisando o filme, parece que ela não precisa de fato do dinheiro da pensão, também porque ela está vivendo com um outro homem, que pela forma como se por e se veste, parece estar empregado. Assim o filme pode sugerir que a ex-esposa esteja pressionando Gaz, mais para que ele empregue-se de uma vez em alguma atividade do que pela necessidade do recurso da pensão.

Podemos até supor que o casamento de Gaz tenha terminado por causa da perda do emprego, por ter permanecido nessa condição, o fato é que, desempregado ele perdeu também a guarda do filho e que sua ex-mulher de ameaça-o de proibi-lo de ver o filho caso não pague o débito, parece ser isso que o impulsiona de forma desesperada a tentar conseguir dinheiro parar pagar a pensão. O filho Nathan (William Snape) acompanha o pai e os amigos durante toda essa aventura mirabolante, as vezes temos a impressão de que Nathan que orienta o grupo.

Mas o desemprego de Gaz e dos outros, não é de fato de inteira responsabilidade deles. Conforme sugerimos, o alto nível de desemprego masculino na cidade foi ocasionado por uma série de elementos significativos, o problema é conjuntural. A falta de trabalho em Sheffield pode ser explicada pela migração das plantas industriais e demissão massiva de trabalhadores (na maioria homens). Com isso desenvolveram-se novos outros ramos e setores produtivos, mas que não deram conta de empregar todos os desempregados da cidade, o sistema produtivo mudou, passou assim a empregar um número maior de mulheres do que de homens, estes acostumados ao antigo padrão fordista/taylorista de trabalho, hesitaram perante as profundas transformações no mercado de trabalho.

 

 

As novas ferramentas de trabalho

O alto nível de desemprego em Sheffield e a maior empregabilidade feminina, gera uma re-configuração social que irrompe as fronteiras dos lares dos trabalhadores, chegando até a organização de suas familiar. Grande parte das mulheres da cidade, com o declínio da industria pesada, passam a trabalhar “fora” e assim a ocupar maior espaço no mercado de trabalho, exercendo atividades remuneradas, e mais que isso, dado o desemprego dos maridos, são elas que passam a sustentar seus lares (as mulheres já trabalhavam em suas casas, assim elas passam agora a acumular mais trabalho). As mulheres estando empregadas passam fazer parte da população economicamente ativa.

Podemos avaliar que tal inversão no mercado de trabalho com inclusão das mulheres na população ativamente econômica, não constitui de fato uma vitória não no sentido pleno do termo, Pois o mercado de trabalho estar absorvendo um número maior de mulheres, mas, isso ocorre depois das demissões em massa dos homens, sem absorção necessária, e também no geral, empregam-se mulheres a níveis salariais mais baixos, sem se criar um montante total maior de empregos, praticamente não se cria novos empregos, assim implica substituir uma mão-de-obra por outra, que trabalhe a um preço menor, pois o índice geral de desemprego não diminui. Soma-se a isso que com os governos Thatcher e Tony Blair os direitos trabalhistas na Inglaterra foram flexibilizados em grande escala, instalando-se a precariedade, baixos salários e também a insegurança de um futuro inserto (instabilidade no emprego).

Mesmo em tais condições, o fator socialmente relevante a ser considerado, que trouxe uma série de transformações subjetivas e objetivas para a vida dos pacatos cidadãos de Shenffild é que muitas mulheres e esposas dos trabalhadores da cidade passaram a receber de seus próprios salários, deixando de depender da renda do marido (que na maioria dos casos esta agora desempregado), a renda destes trabalhadores entrou em declínio, junto com a indústria e o padrão fordista/taylorista de salário. Com as mudanças de sexo da população com renda e de acesso ao mercado alteram-se também os hábitos dos consumidores, e assim altera-se também o mercado, que por sua vez, está sempre atento as demanda imediatas dos consumidores. Cria-se um serie de serviços e produtos com intuito de disputar os salários, que serão gastos segundo um novo gênero e perfil dos consumidores. Dessa forma surge um mercado específico pronto a atender as novas necessidades e exigências do público pagante.

O mercado cria uma “um pacote” de produtos e serviços para cada nova demanda social. Entre a gama de produtos criados para o público feminino estão às formas de entretenimento, e entre elas está, um dos ambientes mais importantes na trama do filme, que é um clube da cidade que apresenta shows para mulheres. O importante a destacar é que a boate na pratica é bem mais do que isso, ela funciona como um ponto de encontro das mulheres trabalhadoras, como uma forma de happy aur, já que, agora são as mulheres e esposas que estão expostas a rotina exaustiva do trabalho alienado, elas podem encontrar na boate um momento de lazer e interação na coletividade feminina. Os homens são “proibidos” ali, já que constitui um espaço feminino. A esposa de Dave faz, no banheiro da boate, e faz xixi em pé, como uma forma de satirizar ao poder masculino ligado ao pênis.

A boate para Gaz serve a outra finalidade, imerso nas dificuldades de pagamento da pensão do filho, dado o desemprego prolongado, e sob o risco ficar impedido de ver o filho caso não pague a pensão. O personagem vê na boate de strip-tease, não um local de descontração, mais sim uma chance de conseguir os recursos necessários para quitar sua divida. Gaz parece não nutrir mais esperanças de conseguir um bom emprego, pelo menos não nos padrões fordista/taylorista que o possibilite retomar o controle de sua vida, mas ele não quer ser impedido de ver o filho, isso implicaria aceitar que fracassou como não só como homem trabalhador e marido, mas também como pai.

Dave, embora precise de emprego, para se sentir um homem capaz novamente frente a esposa que está o sustentando, fica o tempo todo vacilante perante a nova situação, chega a aceitar um emprego de segurança em uma loja de roupas, mas Gaz está obstinado e faz o amigo retroceder para ajudá-lo. Gerald, com sua racionalidade de administrador, considera que todo este esforço para tentar o trabalho de streaper é uma loucura, mas suas contas estão arrasadase seu padão de vida junto com o de sua esposa está despencando, por fim ele acaba cedendo e mais que isso, acaba tornando-se o professor de dança do grupo.

Lomper, o vigia solitário de um cemitério de máquinas, nauseado pelo cenário de solidão entre as máquinas “de pernas pro ar” e óleo pelo chão, ele chegou ao fim do túnel da vida, não consegue ver saída, sua vida não encontra motivação de ser, está a um passo do suicido quando Dave e Guz o encontram e o impedem, e depois os “salvadores” Gaz e Dave conseguem convencê-lo a fazer parte do plano mirabolante de Gaz. Em contrapartida, Guy parece ser um aventureiro, está topando qualquer coisa, ele é um jovem desempregado mas também é “pura adrenalina”. Horse certamente entrou nessa apenas por falta de dinheiro, ao lado de Gerald, ele é também um dos mais velhos do grupo, sente o peso da idade e também o constrangimento de um corpo sugado pelos longos anos de trabalho.

Conseqüências do fracasso no papel social

A sociedade de modo geral estabelece a cada período histórico as formas de vivência a serem seguidas, as transgressões ou contrariedade a tais modelos implicam em conseqüências mais ou menos graves de acordo com o tipo de infração a esses modelos. Os sujeitos percebendo as sanções sociais possíveis, esforçam-se por não transgredir as tradições as quais estão imersos, mas com o rápido desenvolvimento do capitalismo e transformação das tradições ocorre um choque de temporalidades, entre o tempo vivido e o tempo presente, Para melhor dinâmica do capitalismo os hábitos devem ser transformados corriqueiramente de acordo com as necessidades do mercado, nesse ponto as tradições podem servir ainda como obstáculos a seu desenvolvimento. Assim o sistema capitalista, como nem um outro o conseguiu, implode e impõe, cria e faz desaparecer modos de vida a cada período, novas estruturas de produção e de mercado e assim novas formas de se viver.

Considerando que as transformações sociais constituem necessidade do sistema capitalista torna-se impossível evitar os choques tempo/temporalidades dos sujeitos. A nova estrutura social que emerge de forma abrupta, chega a gerar choques culturais, hábitos e costumes são contrariados e deslegitimados em curtos espaços de tempo, tal instabilidade chega a ser traumática conduzindo homens e mulheres por caminhos confusos e insertos.

Parece ser esta a situação dos maridos, para eles romper com a idéia do marido como chefe da casa que sustenta a família, e a lógica do homem no trabalho e a mulher em casa, cuidando dos filhos, gera um choque no comportamento dos personagens, um estranhamento de si frente ao mundo. Pois até então eles tinham um papel social claramente definido, mas agora na condição de desempregados, e com o desaparecimento de seus antigos postos de trabalho, e em muitos dos casos, até mesmo de suas profissões, que foram extintas. Os trabalhadores desempregados de Shenffild são tomados pela insegurança e pela lógica da obsolescência, que de forma geral assombram os desempregados. A forma que eles encontram de resistir a tal situação é não aceitar a nova estrutura do mercado de trabalho e salários, resistem assim a nova lógica emergente na sociedade a sua volta.

Mas por outro lado, eles se incomodam por não ter outra saída a não ser a de aceitar o dinheiro de suas esposas, por terem que passar a ser sustentados por elas, ou mesmo receber salários menores que os das esposas, baseados na memória do trabalhador fordista, que com seu salário mantinha toda a família, e servia como exemplo para os filhos. Agora por conta do desemprego eles se sentem diminuídos, estão envergonhados, como se o desemprego torna-se dependentes, submissos ou menos importantes perante as esposas.

O operário forte por natureza

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção,
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo,
Em largo e no coração,
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão.
Pois além do que sabia
Exercer a profissão –


O Operário em Construção (1956),
de Vinicius de Moraes


Os operários de Shenffild , como os de muitos outros lugares, têm em determinada medida orgulho do que foram as fábricas e de suas antigas atividades. O período áureo da grande industria nos moldes keynesianos e a ação dos sindicatos, enfatizavam a importância do operário na construção e desenvolvimento da economia e do país, produziu-se uma “moral operária”. Esses trabalhadores construíram em si, a imagem do operário como um herói, os braços fortes do país. Nesse raciocínio o homem deve ser também o provedor dos meios de subsistência para toda a família, cabe a ele a obrigação se sustentar a todos que estejam abaixo de seu teto, é ele que deve ser o chefe do lar.

Mesmo no caso do personagem Gerald, que parece ser um ex-gerente, após perder o emprego ele não consegue admitir a nova condição, não é capaz de a revelar-se desempregado à esposa, tentando a duras penas manter o nível de vida nos padrões classe-média-alta. Tais elementos desta narrativa podem nos levam a entender o processo de desmonte da coluna dorsal do homem forte e super-potente da era for/Taylor, seu calcanhar de Aquiles, ou seja, o desemprego.

O filme expõe o fraquejar masculino, sua sensibilidade e sofrimento vem a tona, principalmente com Dave que passa a ter disfunção sexual, dada sua sensação de incapacidade perante o mundo e a esposa ele torna-se impotente sexualmente. Uma explicação possível para isso é que o homem é fruto das próprias relações sociais das quais partilha, ele se faz do meio e da condição a qual está submerso. Todos os seis amigos apresentam sinais dos efeitos dilaceradores do desemprego e da obsolescência social, eles se sentem responsáveis pelo próprio desemprego.Tal condição causa a falência da auto-estima, com isso é possível observar ao desmoronamento do referido mito masculino.

Apesar do filme procurar retratar a história de forma cômica, a temática nos faz pensar que o número de indivíduos dispostos a tudo para conseguir um emprego, por motivos anteriormente expostos tal situação é crescente no mundo todo, pois com a supressão de postos de trabalho designada pela reestruturação produtiva e o enxugamento de postos de trabalho na produção, o índice do desemprego cresce com ritmo e progressão geométrica, fazendo com que os trabalhadores sejam obrigados a aceitar subempregos de qualquer espécie.

 

Alessandro de Moura
é graduando em Ciências Sociais na UNESP
e bolsista PIBIC-CNPq

(2006)