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"Segunda-Feira
Ao Sol", de Fernando Aranoa
(2002)
O
desemprego como dilaceração do homem
Contexto
Sociológico em que o Filme se Insere
O sistema capitalista no pós-segunda guerra flexibiliza-se
e, desenvolve novas formas e técnicas de produção
visando novos padrões de acumulação, desenvolve,
com a reestruturação produtiva, inovações
técnicas e de organização do trabalho como: lean
production, estoque mínimo e Kanban. Tais inovações
tornam possível ao capital funcionar com um número ainda
mais reduzido de capital variável (mão-de-obra).
Há, principalmente nesse período, um grande descarte
de mão-de-obra, pois as inovações no sistema
produtivo possibilitam produzir mais, com um número cada vez
menor de trabalhadores. Assim as especializações de
uma parte dos trabalhadores tornaram-se dispensáveis e ultrapassadas,
deixaram de ser aproveitadas nas mesmas proporções,
o que torna os trabalhadores especializados, em determinadas funções
ou ramos produtivos, mão-de-obra excedente. Seguindo essa lógica,
o corte de gastos na produção é realizado às
custas de empregos. Com esse enxugamento de postos de trabalho e corte
de gastos, formou-se um excedente fixo de mão-de-obra à
disposição do capital, que agora tem a liberdade de
impor ao trabalhador novos graus de subsunção, tornado
assim o trabalho mais degradante e precário.
De acordo com Karl Marx (1818-1883), n’"O capital",
capitulo XXIII, sem um contingente excedente de trabalhadores a expansão
do capital seria impossível. É verdade que, com expansão
do capital, ocorre também o crescimento da demanda de força
de trabalho.Todavia, quando aumenta o capital global, aumenta também
o capital variável (força de trabalho), mas em proporções
cada vez menores, por conseguinte, os intervalos em que a acumulação
resulta da ampliação da produção sem alterar-se
a base técnica também diminuem. A acumulação
e expansão do capital são acompanhadas pela revolução
constante das formas de produção.
Essa situação, levada ao seu limite, culminaria numa
expansão máxima do capital, com aumento mínimo
na demanda de força de trabalho, multiplicando o numero de
desempregados. Tal configuração estabelece condições
favoráveis ao desenvolvimento do capital e exploração
extremada do trabalho humano. Nesse sentido os desempregados são
úteis para o capital, pois para que possa ocorrer a expansão
do capital “[...] grandes massas humanas têm de estar
disponíveis para serem lançadas nos pontos decisivos,
sem prejudicar a escala de produção em outros ramos”.
O
trabalho excessivo da parte empregada da classe trabalhadora engrossa
as fileiras de seu exército de reserva, enquanto inversamente
a forte pressão que este exerce sobre aquela, através
da concorrência, compele-a ao trabalho excessivo e a sujeitar-se
às exigências do capital. A condenação
de uma parte da classe trabalhadora à ociosidade forçada,
em virtude do trabalho excessivo da outra parte, torna-se fonte de
enriquecimento individual dos capitalistas e acelera ao mesmo tempo
a produção do exercito industrial de reserva numa escala
correspondente ao progresso da acumulação do capital
(MARX, Karl. O capital)
O
exército industrial de reserva, com a condição
de concorrência que estabelece, faz baixar o preço relativo
da força-de-trabalho além de fazer expandir os lucros
do capitalista, pois com o desenvolvimento do processo produtivo aumenta
também a extração de mais-valia (lucro sobre
o trabalho alheio).
Análise do filme
O filme “Segunda-Feira ao Sol” de Fernando Aranoa (2002),
em 113 minutos, narra a história de 200 operários que
perderam seus empregos no Estaleiro Naval “Aurora”. A
narrativa se passa em uma pequena cidade industrial localizada a noroeste
da Espanha, na região da Galiza. Essa região, como muitas
outras da Europa, passou por um desacerbado desenvolvimento industrial
cooptando mão-de-obra de diferentes cidades e regiões,
porém a partir da década de 1980 passou por um significativo
processo de reestruturação produtiva e de desindustrialização
e, por conseguinte demissão massiva de trabalhadores.
Entre os duzentos operários demitidos do Estaleiro Naval, estão
quatro amigos (Santa, José, Lino e Amador) que, mesmo após
o fechamento do Estaleiro continuam a se encontrar em um bar “Lá
Naval”, que pertence a um outro ex-companheiro de trabalho,
algo que nos soa como irônico é que seu nome é
Rico o personagem é vivido por Joaquín Climent. Santa,
interpretado por Javier Barden é o principal personagem, ele
nos conduz pelo universo do desemprego.
O titulo do filme “Segunda-Feira ao Sol” escolhido pelo
diretor Aranoa faz referência a uma greve de trabalhadores que
ocorreu na França cerca de sete anos antes do filme (1995)
e que impressionou o diretor. Pode-se dizer que o filme tem um pouco
do neo-realismo Italiano, pois conta os diferentes dramas cotidianos
vividos por pessoas comuns, ou da camada popular da sociedade, em
tal obra os dramas são vividos por decorrência da perda
do emprego, o diretor explora o mesmo problema sobre a perspectiva
dos diferentes personagens desempregados.
O desemprego retratado no filme pode ser explicado, em parte, pela
substituição da industria pesada, migração
de plantas industriais, e também pelo desenvolvimento das forças
produtivas que no seu processo de aperfeiçoamento produtivo
substitui o trabalho humano (trabalho vivo) por inovações
no sistema produtivo (capital fixo). Os corte de postos de trabalho
recorrente do desenvolvimento industrial atinge grande expressão
na década de 1980, formando um grande contingente de trabalhadores
desempregados, com o processo de Reestruturação Produtiva.
Que compôs parte da nova fase de desenvolvimento e acumulação
de capital.
Os companheiros Santa, Jose, Lino e Amador, ao serem demitidos do
Estaleiro Naval Aurora, passam a fazer parte desse “exército
de mão-de-obra de reserva”, ou do que se chama hoje,
mais de forma recorrente de “desemprego estrutural”. Pois
mesmo em se tratando de um país europeu, a Espanha no final
da década de 1990 possuía um índice de desemprego
em torno de 20% .
“[...]
o filme "Segunda-feira ao Sol" parece quase como uma resposta
à declaração de Aznar (presidente) de alguns
anos atrás: "A España va bien" (A Espanha
vai bem). Isto em resposta a mais de 20% de desemprego e a uma moeda
corrente que tinha desvalorizado quase 50% em relação
ao dólar.”(FERNANDO LEÓN DE ARANOA, diretor do
filme. 19/09/2003, Disponível no site: http://www.zetafilmes.com.br/interview/aranoa.asp?pag=aranoa,
acesso em 25/11/2006)
Cabe
destacar que muitos dos operários da industria, em processo
de enxugamento do contingente de trabalhadores, eram oriundos do campo
que migraram para as cidades industrializadas em busca de empregos,
por decorrência deste fator muitos deles se viram isolados,
ficando longe da família e amigos, e sem ter como retornar
para seu local de origem, como é o caso de muitos dos trabalhadores
de Galiza, inclusive dos quatro personagens a que nos referimos. Por
se tratar de operários advindos de outras localidades suas
relações sociais são mais restritas, suas amizades
são restringidas aos companheiros de trabalho.
Se considerarmos que para esses homens as únicas relações
sociais que se desenvolveram foram às relações
que se dão durante ou por decorrência do trabalho, podemos
pensar também que, esses trabalhadores, em caso de perda do
emprego, ficam sem ter a quem recorrer, a não ser aos próprios
ex-companheiros de trabalho. A demissão em massa do estaleiro
e a resistência dos operários fizeram estreitar os laços
de amizade entre os quatro amigos.
Embora tenham acabado perdendo seus empregos esse grupo de amigos
e ex-companheiros de trabalho manteram as relações entre
si, porém agora passaram a ser companheiros sem trabalho. A
condição de desempregados é um forte ponto de
união e solidariedade entre os amigos. Eles “agarram-se
uns aos outros como irmãos siameses”.
O universo do líder vencido
Dos quatro amigos, Jose, Lino e Amador constituíram família
nas proximidades do trabalho, assim Santa foi o único que permaneceu
solteiro, sendo o mais “solitário” dos quatro.
Por tais motivos Santa seria um dos que poderia mudar da região
em busca de melhores oportunidades de trabalho estabelecendo-se em
um outro lugar menos atingido pelo desemprego, e assim mudar sua condição
de desempregado com mais ”facilidade”, pois também,
pelo que sugere o filme, ele não tem esposa ou filhos.
Pode-se considerar que Santa segue tal conduta em solidariedade aos
companheiros que projetam nele, por sua atuação durante
o processo de ocupação do Estaleiro, a figura de liderança,
dessa forma o filme sugere que Santa sente-se ainda responsável
pelos amigos em situação de desemprego. Podemos observar
também que diretor Aranoa é simpático a ações
coletivas que lutam por direitos, e que transmitiu tal perspectiva
ao personagem Santa, o diretor mesmo explica que “O trabalho
é algo que você tem que defender de um ponto de vista
do grupo, não individual” .
Outra característica interessante de Santa é que ele
não se dobra as regras morais estabelecidas, o que o coloca
em uma posição de anti-herói; ele mente, engana,
furta, quebra (por duas vezes) a luminária Urban Light, da
empresa que o demite, além disso, flerta com uma adolescente
(filha de seu amigo Rico), enfim não aceita os limites impostos
pela sociedade do capital. Ele não permite que a falta de dinheiro
o empeça de realizar algumas de suas vontades ou necessidades,
é como se ele quisesse manter um nível mínimo
de dignidade através do consumo, ou então que acredite
que determinadas parte do que se produz em uma sociedade deve ser
compartilhado com os trabalhadores. Assim sua condição
de desempregado parece não o colocar desespero.
Um exemplo da postura anti-herói de Santa pode ser notada também
quando Santa se nega a entregar o bilhete na balsa, ou quando abusa
da degustação de queijo suíço oferecido
por Ângela (Laura Dominguez). Ainda junto a ela, Santa ainda
mente ser um especialista em queijos, e finge ter uma outra posição
social, deixando-a desconcertada e valorizando a si mesmo.
Outro exemplo de sua resistência à condição
de despossuido pode ser notado quando ele come de graça as
batatas no supermercado, ou quando bebe no bar de Rico sem pagar,
Ele está desempregado e assim destituído renda e dos
meios de sustento, já que o dinheiro é o mediador entre
o desejo e sua satisfação. Porém Santa parece
não aceitar a condição intrínseca do desemprego,
ou seja, a carência de bens básicos necessários
à própria sobrevivência.
Santa, mesmo sendo um transgressor do socialmente estabelecido, conquista
a simpatia dos amigos e também do público com sua ousadia,
pois apesar de tudo é um homem sensível e solidário
com a classe a qual pertence. Em uma das cenas, uma das mais marcantes
do filme, Santa “transfere” a Coroa de flores de um outro
morto (que lhe parecia certamente, com melhores condições
econômicas) que está sendo velado em uma sala ao lado,
para o caixão do companheiro Amador (Celso Bugallo), que só
tinha os ex-companheiros de trabalho como companhia. Santa tem ainda
o cuidado de cortar um trecho da faixa da Coroa em homenagem que diz,
“Dos seus amigos da gerência”, o personagem utiliza
apenas o trecho que diz
“Dos Seus Amigos”.
É interessante, observar que ele recorta justamente o trecho
da faixa que diz “da gerência”. Tal passagem do
filme é simbólica, já que os amigos não
têm trabalho e muito menos amigos na gerência. Eles não
são aliados à gerência, pelo contrario, o processo
de fechamento do Estaleiro, e a resistência dos trabalhadores
demitidos definiu claramente a relação destes trabalhadores
com a administração. A “gerencia” já
não está presente na vida deles, como aliada, há
muito tempo. Santa, principalmente, tem uma percepção
muito clara sobre a oposição que há entre os
objetivos da gerência e o dos operários.
Pois em uma outra passagem do filme, o personagem indigna-se com a
fábula da cigarra e da formiga, em que a formiga só
trabalha e a cigarra só canta. Santo sabe muito bem que, segundo
a lógica do capitalismo, não existe vantagens para quem
só trabalha, e que na fábula, uma parte da história
está sendo e negada, e é justamente a parte que ele
e seus companheiros de fábrica viveram na pele durante a vida
toda. A forma com a historia da Cigarra e da Formiga é contada
faz parecer que quem não possui riqueza não o possui
porque não trabalhou como os que são ricos. Santa explode,
e irritado revela que se a formiga se deu bem no fina, carregando
matérias, é porque ela é uma especuladora, ou
seja, uma traidora de classe.
Quando
o desempregado se cansa
Na casa dos ricos, os quatro amigos defrontam-se com um padrão
de vida que está muito distante do tipo de vida a que eles
são subjugados. A casa é luxuosa e confortável.
Os amigos sabem que, lhes é impossível alcançar
a tal condição, pois na cena que se trata, não
há, por exemplo, referencia alguma sobre a esperança
de alcançar a condição dos ricos.
No interior da casa em um dos quartos, José (Luis Tosar) defronta-se
com um armário de sapatos femininos, com muitos pares de sapatos,
imediatamente ele passa procurar um que a esposa goste. O que falta
para sua esposa, o que falta em sua casa encontra-se em sobra na casa
dos ricos, José tateia os sapatos calado.
Com os sapatos que ele leva para casa, José espera surpreender
e agradar sua esposa Ana (Nieve de Medina), e assim diminuir sua própria
e sensação de inércia decorrente do desemprego.
O filme parece sugerir que ele se sente como um peso para a esposa,
que trabalha e mantém sozinha a casa. José enfrenta
cotidianamente a situação constrangedora, gerada pela
sociedade do trabalho, de ser desempregado não podendo dispor
a esposa um mínimo de conforto, ainda tem que lidar com a situação
inversa do que a sociedade determina, “o trabalho dignifica
o homem” o que também o coloca como um homem não-realizado,
incompleto. Na sociedade capitalista o homem se faz homem por meio
do trabalho, e não ter um trabalho torna-o um não homem.
Dessa forma José parece sentir-se impotente no seu casamento,
por ser sua esposa quem tem que trabalhar “em seu lugar”.
Tal situação coloca-o com um sujeito deslocado, não
apenas por não estar empregado, mas também por não
conseguir de fato, fazer algo para amenizar sua angustia diária
do não-trabalho, e ainda resta o sentimento de culpa, causado
pelo sofrimento de Ana, que sente constantemente, fortes dores nas
pernas por ter que permanecer longos períodos de pé
na linha de produção.
Ana parece sentir-se esgotada quanto ao longo período de desemprego
de José, ela parece já não acreditar mais que
ele possa voltar a ter um bom emprego. Ela ainda deseja viver em melhores
condições, pois o mau-cheiro na linha de montagem de
atum enlatado a incomoda profundamente. Ela deseja “mudar de
vida” o quanto antes. José nesse momento parece representar
o oposto a tudo isso, porém ele tenta ser gentil e carinhoso
com Ana, mas ela já não consegue aceitar o cortejo.
José insiste, mas Ana pede que ele se afaste, pois é
ela que está “fedendo”.
A ultima tentativa de Ana seria o empréstimo no banco, José
a acompanha nesse importante passo para a vida do casal, vão
tentar conseguir um empréstimo que deve ser pedido no nome
de Ana, pois José não possui renda, tal situação
o fere em seu “brio”, ele parece não querer que
sua imagem de homem provedor caia por terra publicamente, que seja
visto como um peso para a esposa. Ele é “obrigado”
a revelar publicamente que é sua esposa quem o mantém,
que ele não trabalha, isso para esse ex-operário orgulhoso
como ele, é uma humilhação, pois não consegue
cumprir com a parte masculina, socialmente determinada, em um casamento.
Diante de tal situação José põe tudo a
perder, com a justificativa que o gerente iria lhe negar o empréstimo.
José age imediatamente como se não se preocupasse com
o êxito do empréstimo. Nesse momento encontra ainda uma
ótima oportunidade de reafirmar sua posição de
homem e chefe do lar, em um estado de cólera súbita
ele toma o formulário de empréstimo da mesa do gerente
e rasga. Faz isso como se pudesse encontrar outra saída para
a crise de seu casamento.
José às vezes parece tentar de agir de forma diferente
de seus amigos desempregados, porém mesmo assim permanece nas
mesmas condições que eles. Talvez ele pense, e queira
agir, de uma forma mais inteligente e perspicaz do que os outros,
porém fica evidente que ele não sabe o caminho para
realizar tal desejo, ocupando assim uma posição tão
passiva quanto seus amigos de bar. Dessa forma pode-se considerar
que sua atitude no banco serviu apenas para delimitar sua posição
e se reafirmar enquanto homem chefe-da-casa, tentando manter um mínimo
de orgulho, mesmo estando em uma posição que só
lhe reserva a desolação. Parece não querer permitir
ser desmoralizado por sua condição de homem em dês-uso.
Em outra cena quando José raspa o bilhete de loteria, ele parece
agir como se não acreditasse mais que pode ser re-absolvido
pelo mercado de trabalho. E quando raspa o bilhete é como se
estivesse tentando “a grande jogada” ou ainda “uma
tacada de mestre”. Alternativa esta que ele espera que traga
uma mudança repentina em sua vida, que o transportará
subitamente da condição de desempregado rebaixado e
subsumido para a posição de superioridade, retirando-o
do mar de desutilizados.
O filme explicita que com a morte de Amador, José sente de
forma mais latente a importância que Ana tem em sua vida, depois
do velório do amigo Amador, quando José chega em casa
e fala com Ana dos possíveis motivos que podem ter levado o
amigo a óbito, é perceptível que ele se sente
grato pelo companheirismo de Ana.
Pode-se especular que José, assim como Santa, não está
disposto a se sujeitar a um emprego precário, pior do que a
função que ele exerceu anteriormente no Estaleiro Aurora,
porém com a Reestruturação do sistema produtivo
e a progressiva extinção de postos de trabalho, é
para eles quase impossível re-inserir-se com a mesma função
anterior entre a população com renda. Talvez a única
alternativa que José enxergue seja continuar tentando a “sorte
grande”.
A
busca obstinada por mais uma chance no mercado de trabalho
"[...] Contudo, o trabalhador tem o infortúnio
de ser um capital vivo, um capital com necessidades, que se deixa
privar de seus interesses e, conseqüentemente, seu ganha-pão,
todo momento em que não se acha trabalhando" (MARX, Karl.
Segundo Manuscrito, “Manuscrito Econômico filosófico”
de 1844).
Diferente
de José, Lino (José Ángel Egido) ainda busca
insistentemente algum emprego, e é assim que passa durante
todo o filme. Para Lino a situação é mais dura,
já que sua esposa e filho não trabalham e assim estão
totalmente dependente de sua renda. Soma-se a isso o fato de sua idade
ser considerada avançada para um mercado de trabalho competitivo
que busca jovens, com alta vitalidade e de preferência sem experiência
sindical, para assim estabelecer altos níveis de precarização
de salários e condições de trabalho.
Lino sabe que um trabalhador tem um tempo útil para o capital,
e que sua especialização já não pode mais
ser aproveitada como outrora pelo sistema produtivo, mas, mesmo sendo
rejeitado pelo mercado de trabalho ele não pode deixar de cumprir
com sua função frente a sua família, Lino precisa
conseguir trazer o que comer, tem que trabalhar.
A sua existência física e sobrevivência, tanto
quanto a de sua família, está estritamente ligada ao
trabalho continuo, ou seja, a produção incessante e
eterna. Está dessa forma, atrelada inseparavelmente do trabalho,
da esfera de produção de bens e capital. Sendo assim,
nem ele nem sua família, podem sobreviver se não venderem
sua força de trabalho, ou seja, não há vida fora
do mercado de trabalho. Lino, enquanto trabalhador, é uma extensão
do processo produtivo e morrerá se for desconectado dele. É
como uma planta que não pode ser arrancada da terra. Ou um
peixe que não pode ser retirado da água e continuar
com vida.
[...]
Assim, o objeto (que o trabalhador produz) o habilita a existir, primeiro
como trabalhador e depois como sujeito físico. O apogeu dessa
escravização é ele só poder se manter
como sujeito físico na medida em que é um trabalhador,
e de ele só como sujeito físico poder ser um trabalhador.
(Karl MARX, Primeiro Manuscrito, “Manuscrito Econômico
filosófico” de 1844 )
Lino
faz-nos lembrar do filme “O Homem que Virou Suco” de João
Batista de Andrade, o filme do referido diretor sugere uma analogia
interessante, pois se refere aos trabalhadores como se fossem laranjas,
as quais o capital, na forma trabalho, espreme todo o suco (que é
aqui a vitalidade do trabalhador) e depois “o joga fora, na
sarjeta”.
O trabalho como desefetivação do homem
Lino sente um peso muito grande nos ombros, este peso se faz presente
sempre quando Lino tem que voltar para casa sem ter conseguido, trabalho
ao tentar de todas as formas possíveis para manter sua família
em condições mínimas de sobrevivência.
Por isso atira-se com insistência na tarefa de buscar um emprego.
O personagem esforça-se para tentar driblar o obstáculo
do limite de idade imposto pelo “excedente em mão-de-obra”
e assim tenta se re-adequar de forma que possa ser reabsorvido pelo
mercado de trabalho. Mas para que sua força de trabalho, sua
única mercadoria, seja consumida pela presa da produção,
ele precisa auto “reformar-se”, tem que aparentar ser
mais novo. Nessa tentativa Lino não vacila despende grande
esforço; pinta o cabelo e veste-se com as roupas do filho adolescente
para parecer mais jovem e até tenta aprender informática.
“A
desvalorização do mundo humano aumenta na razão
direta do aumento de valor do mundo dos objetos. O trabalho não
cria apenas objetos; ele também se produz a si mesmo e ao trabalhador
como uma mercadoria, e, deveras, na mesma proporção
em que produz bens. “ (Karl MARX, Primeiro Manuscrito, “Manuscrito
Econômico filosófico” de 1844)
Na
sala de espera da entrevista para um emprego, Lino fica com as mãos
e pescoço transpirando, é evidente a ansiedade, o nervosismo,
sobretudo por medo de fracassar, como homem e chefe de família,
pois essa posição em nossa sociedade, como já
dito, está ligada ao sustento do lar, ao homem como um eficiente
provedor da família.
Quando Lino em um sinal de angustia passa a mão no pescoço
molhado de suor, nota que a tinta do cabelo a pouco pintado, está
soltando e escorrendo pela nuca. Talvez seja nesse momento em que
ele se dá conta de que não pode mais ser re-absorvido
pelo mercado de trabalho. O esgotamento de seu ânimo inunda
seus olhos, Lino parece se sentir rebaixado ou mesmo em posição
de ridicularização. Ele sabe que já é
considerado dispensável pelo mercado de trabalho excedente
de mão de obra, nesse momento ele conclui que não adianta
mais tentar ou resistir, então desiste da entrevista e sai
da sala.
Assim Lino aceita de uma vez por todas a condição de
incompatibilidade com as rígidas exigências do capital
excludente, ele não pode mais ser re-absorvido pelo mercado.
Restará para Lino contentar-se com empregos eventuais de baixa
remuneração, ou seja o setor informal, ainda mais precário
e subsunçor.
Sacrifício do excedente de mão de obra.
Essa condição sofrível é vivida também
por Amador. Que já dispôs de toda sua vitalidade. Durante
a vida toda ele doou-se à produção de mercadorias
as quais não tomou posse, e agora envelhecido, sugado e convertido
em bagaço de laranja, não serve mais aos interesses
do capital. Amador foi utilizado até ser desefetivado, como
Marx o diz n’o Terceiro Manuscrito dos "Manuscritos de
Paris”:“[...] trabalho em que o homem se aliena a si mesmo,
é um trabalho de sacrifício próprio, de mortificação”
"[...]
E o apologista chama isto de compensação pela miséria,
pelos sofrimentos e pela possível morte dos trabalhadores desempregados
durante o período de transição que os joga no
exercito de reserva. A procura de trabalho não se identifica
com o crescimento do capital, nem a oferta de trabalho com o crescimento
e da classe trabalhadora" (MARX, Karl. O capital).
Amador
é o mais velho dos amigos, ele certamente desde a perda do
emprego no Estaleiro Naval, dado a idade considerada avançada,
ele não sustentou esperanças de conseguir um novo emprego
ele foi, antes ainda dos amigos, ultrapassado pelo desenvolvimento
e pelas transformações no sistema produtivo.
Por causa da perda do emprego foi abandonado pela esposa e entregou-se
á bebida, substituiu a rotina de trabalho pela rotina do bar.
O desemprego e o abandono fizeram com que se sentisse um homem inútil,
considerando a importância do trabalho na sociedade e para própria
identidade do que é ser homem. O trabalho é visto com
tamanha importância pela sociedade que, o indivíduo sem
trabalho e arremessado para o ultimo grau da escala social.
De acordo com nossa análise pode-se concluir que os operários
do Estaleiro Naval Aurora passaram agora a fazer parte do exército
industrial de mão-de-obra de reserva disponível. Vale
ressaltar que a falta de empregos não se dá apenas pelo
aumento demográfico da população, mas pela modificação
na composição técnica do capital. A proporção
em que o capital constante aumenta é progressivamente maior
em relação ao incremento do capital variável,
produzindo um contingente cada vez maior de trabalhadores aptos para
o trabalho, porém, fora do exército dos trabalhadores
ativos.
Assim dos duzentos trabalhadores demitidos apenas uma parte deles
conseguirá re-empregar-se, dado o fato de que, com a re-estruturação
das formas de produção e as tecnificações
assimiladas pelo sistema produtivo, muitos postos de trabalho foram
extintos. Certamente, apenas os que se especializaram ou os que se
re-qualificaram para outras funções, e os mais jovens,
é que conseguirão empregar-se novamente
com rendas apropriados.
Não obstante, mesmo entre os que se especializaram e se re-qualificaram
para outras funções, há certamente uma parcela
entre estes “reciclados” que terá maiores dificuldades
para conseguir um novo emprego, e entre esses há também
os que não conseguirão empregar-se nas funções
para as quais está qualificado. Existe um tipo ideal, um perfil
adequado para ser empregado, de acordo com o desenvolvimento das forças
produtivas, assim os muito jovens, os muito velhos e os não
qualificados para determinadas funções, para que sobrevivam,
são obrigados a assumir funções outras na informalidade,
sem salários suficientes, garantias, benefícios ou aposentadoria.
Alessandro
de Moura
é graduando em Ciências Sociais na UNESP
(2006), bolsista PIBIC-CNPq
(2006)
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