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“A
Criança ” de de Jean-Pierre e Luc Dardenne
(2005)
O
humanismo "pornográfico" dos irmãos Dardenne
Jean-Pierre
e Luc Dardenne são nomes consagrados do Cinema. Duas Palmas
de Ouro e um magnífico “O Filho”. Cannes é
um festival de motivações particulares, não é
um prêmio à Arte, ao contrário do que afirmam
os que o preferem ao Oscar e sua obesidade intolerável. Surpreende,
entretanto, em Cannes, sua variação ao distribuir seus
prêmios que vão do cinismo televisivo de Michael Moore
ao barroco de Emir Kusturica. Tudo conforme a lógica dos jurados,
e à lógica suprema do momento. A premiação
de “A criança” é um mero detalhe. Assim
como os prêmios a “Oito e meio” de Fellini, ou a
“Carmem de Godard”. Não engrandecem, sua homenagem
espera apenas ceder vez. Tem um agravante de jogar no fosso do esquecimento
um eventual injustiçado: este é meio mundo do cinema.
Mas voltemos aos Dardenne. O que retumba curioso e obsceno é
a premiação de um filme que, numa insistência
pelo meandro da simplicidade, provoca tudo o que tem sido “modernoso”
e atual no cinema. Na forma e nos assuntos. Ao mesmo tempo, ao falar
de modo simples de temas cuja aceitação é dificílima,
contrariam um espírito de egoísmo que parece perdurar
como moral política instituída em nossos tempos.
“A criança” tem a estética do silêncio.
Têm dois meninos, Sonia e Bruno. Bruno, marginal, pedinte, tosco.
Vazio, vazio de expressão, fala pouco porque sabe nada, é
apenas um ladrão. Os Dardenne nos mostram um herói frio,
que lembra personagens-idéia de Godard, embora mais passivo,
e contraria o herói de “O filho”, o “pai”
angustiado. O silêncio é a trilha ideal para a reflexão.
Bruno vende o filho que acaba de ter com Sonia, e depois o consegue
de volta. As questões são simples. Bruno é um
desumano? Sonia deve perdoá-lo? Perdão. O cinema dos
Dardenne é um voto de perdão. Por isso soa provocante,
por tratar de valores de extrema simplicidade e causar um transtorno
instantâneo em todo aquele que os assiste e possui sua carga
de perdão e vingança a consumar.
Há semelhanças várias entre “A criança”
e “O filho”. Neste, o marceneiro deve aceitar como ajudante
um rapaz recém-saído de um reformatório. O mesmo
que anos antes matara seu filho bebê, numa tentativa de assalto.
Uma criança, ainda, de dezesseis anos. Como perdoar quem mata
seu filho? As respostas não importam. Ao fim do filme, cada
espectador leva uma parte a si próprio. O filme permanece grandioso,
silencioso, um monumento de câmera claustrofóbica e longos
planos-seqüência, com algumas indicativas: aceitar um outro
filho não é o caminho do perdão?
O incômodo dos Dardenne se estende. Temos uma Europa pobre,
de viciados e problemáticos. Mas não há um intuito
de prender o ser a Europa, não obstante a consternação:
existe uma preocupação sobretudo humanística.
Essa preocupação choca: vemos em “A criança”
um rapaz belga vendendo o filho, e que diz à namorada “podemos
fazer outro”. Existe nos Dardenne uma universalidade de tema
e público raríssima no cinema. E uma perfeição
ímpar nas colocações, nos planos feitos de pouquíssimas
frases; numa estética despida, uma narrativa de longos planos
que traçam em si os caminhos de possibilidade que habitam o
espectador. Uma linguagem perfeita para a reflexão, provocante
não pelo que exibe, mas pelo que não vai mostrar, um
teste à uma interatividade que só poderia ter completude
no gesto cotidiano do viver.
Cinema pornográfico: talvez os Dardenne se aproximem disto.
Não há como não se escandalizar com o espetáculo
da dor humana. Ao mesmo tempo, não há como não
se comover com as perspectivas do Homem, sua variedade de caminhos.
Enxergar o belo naquilo que soa brutal, e buscar nas profundezas da
perturbação uma resposta pra todo o mal que aflige o
Ser. Daí a originalidade dos Dardenne: o extremo da simplicidade,
para expor os valores mais simples de comentar e portanto mais difíceis
de aceitar. Cinema humano, humanidade perturbadora.
André
Gustavo de Paula Eduardo é estudante de Jornalismo
(UNESP/Bauru),
(2007)
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